Eis aí mais uma prova de que o tempo é implacável e às vezes parece passar com a velocidade do Flash: já faz dez anos que Batman: O Cavaleiro das Trevas estreou. Uma década! Parece que foi ontem, mas ele chegou às telas dos cinemas tanto estadunidenses quanto brazucas em 18 de julho de 2008.

Você pode amar ou odiar o filme, mas é inegável sua importância para o cenário das adaptações de filmes baseados em HQs e sua influência nos longas de super-heróis posteriores.

Por isso, dada a estatura de O Cavaleiro das Trevas e tudo que ele representa, nada melhor que aproveitar esta data comemorativa para falar um pouco sobre esta influência e tudo que ele trouxe para os filmes de heróis que se seguiram, assim como para o próprio Universo Cinematográfico DC que nasceria depois.

Então vista sua capa e capuz, entre no seu batmóvel e venha comigo para um passeio pelas escuras e perigosas ruas de Gotham de uma década atrás.

QUER SABER COMO EU CONSEGUI ESSAS CICATRIZES?

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas

Como já disse, Batman: O Cavaleiro das Trevas foi lançado em 18 de julho de 2008. A segunda parte da trilogia do Batman do diretor Christopher Nolan sucedeu Batman Begins, de 2005, que contava o início da carreira de Bruce Wayne como o cruzado encapuzado e teve sua história concluída em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, de 2012, que fechava a trilogia planejada por Nolan e pelos roteiristas David S. Goyer e Jonathan Nolan (irmão do diretor e seu colaborador frequente nos roteiros de suas películas).

Se o primeiro filme tinha a obrigação de ser uma história de origem, que não tinha como escapar de certos clichês desse tipo de trama, e o terceiro tinha uma pegada muito mais exagerada (tanto na escala da narrativa quanto nas reviravoltas e na própria duração mesmo), fugindo um pouco até da pegada realista pretendida por Nolan na saga, o segundo é onde todos os elementos se encaixam à perfeição com uma felicidade sem paralelos. Sem dúvida, o melhor dos três e ainda hoje um dos melhores filmes de heróis já feitos, em minha modesta opinião.

Desde o início, a ideia de Christopher Nolan era contar a história do Batman por uma pegada sombria e realista, resgatando esse tom que sempre funciona para o personagem nos quadrinhos, mas que no cinema havia se perdido com os batmamilos e a Gotham carnavalesca dos filmes do Joel Schumacher.

O conceito proposto por Nolan era simples: e se o Batman existisse na vida real? Obviamente, diferente dos quadrinhos, ele não combateria o crime para sempre e nem seria capaz de sujeitar seu corpo a tamanhos abusos físicos por tanto tempo. Logo, a história que Christopher contaria no cinema seria fechada, com começo, meio e fim.

SE VOCÊ É BOM EM ALGUMA COISA, NUNCA FAÇA DE GRAÇA

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas

O Cavaleiro das Trevas é justamente o capítulo do meio, que conta a formação de uma aliança entre o já mais experiente Batman, o ainda capitão de polícia James Gordon e o promotor público Harvey Dent. Também apresentaria o surgimento de nada menos que o maior arquiinimigo do Homem-Morcego, o Coringa, numa performance assombrosa do finado Heath Ledger.

Utilizando-se de uma pegada crua de filme policial dos anos 1970 (com direito a fotografia desbotada), o longa conseguiu dosar muito bem esse elemento policial mais realista com as características mais fantasiosas do universo do Batman, atingindo em cheio o objetivo de ser um filme de super-heróis com um tratamento mais adulto e próximo ao mundo real.

Foi um sucesso de bilheteria, angariou um monte de críticas positivas e a maioria dos fãs de super-heróis, assim como eu, também o coloca como um dos melhores do gênero, embora, claro, exista a parcela que não o acha essa coca-cola toda e mesmo os que não gostam e ponto.

Seja como for, para você refrescar sua memória a respeito de nossas opiniões saídas direto do túnel do tempo, pode ler a resenha original do Corrales da época aqui, e a minha, escrita quando de seu relançamento em Imax, aqui.

POR QUE TÃO SÉRIO?

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas
Uma imagem forte para quem sofre de vertigem.

Pois é, o tom mais sisudo do filme, o popular sombrio e realista, agradou as plateias e o filme faturou bem nas bilheterias. E gerou um fenômeno bastante comum em Hollywood. Como todo filme que faz muito dinheiro, ao invés de tentarem ir no cerne da questão e entender porque a obra fez sucesso (no caso, um diretor acima da média com visão própria, um elenco muito bem escolhido e, talvez pela primeira vez, casar uma história do Batman com o gênero policial, algo que lhe cai como uma luva), os engravatados de Hollywood preferiram seguir o caminho superficial.

Ora, se esse filme é sombrio e realista e a galera gostou, então precisamos fazer outros iguaizinhos. Obviamente, nem todos os personagens funcionam a partir dessa mesma estética, e ninguém se deu conta disso tanto quanto a própria DC. Ela tentava tirar seu universo cinematográfico do papel, ao mesmo tempo em que tentava fazê-lo de uma forma diferente do MCU já plenamente estabelecido e que fazia sucesso com uma pegada completamente oposta à de O Cavaleiro das Trevas, com filmes coloridos, bem-humorados e primando mais a aventura para toda a família.

Ainda que a Marvel (que nasceu para o cinema, veja só que coincidência, justamente em 2008, com o primeiro Homem de Ferro, mesmo ano da estreia do filme do Batman) não tenha se rendido à estética de O Cavaleiro das Trevas, outras produções hollywoodianas o fizeram, incluindo um monte de filmes fora do gênero dos super-heróis, todos tentando pegar carona no sombrio e realista.

À época, inclusive, o termo “sombrio e realista” virou uma verdadeira praga, e várias notícias a respeito de reboots de franquias consagradas ou remakes de filmes antigos vinham com ele acoplado. Tipo, “o reboot de Família Dinossauro será sombrio e realista”, “o remake de O Mágico de Oz será sombrio e realista” e por aí vai.

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas
Os bastidores da clássica cena do interrogatório.

ELE NÃO É NOSSO HERÓI, É UM GUARDIÃO SILENCIOSO

A coisa encheu o saco até não poder mais. Ironicamente, poucos filmes de super-heróis realmente seguiram essa estética à risca. Afinal, a Marvel, como disse, encontrou seu caminho próprio indo na direção oposta. No campo das adaptações de quadrinhos, diria que a maior influência do longa sobre outros filmes de super-heróis foi mostrar que era possível a variação de gênero e estilos.

Era possível ousar mais em outras direções. Até mesmo a violência de O Cavaleiro das Trevas, muito mais escondida e/ou sugerida por conta da classificação indicativa mais baixa (PG-13 nos EUA, 12 anos aqui no Brasil), mas não menos forte por conta disso – tais como a famosa cena do truque do lápis que desaparece ou quando Batman solta Sal Moroni do alto de uma sacada – poderia ser explorada mais explicitamente por produções com uma censura mais adulta.

Os melhores exemplos disso, claro, são Logan e Deadpool. O primeiro, um western futurista de clima melancólico, muito parecido em tonalidade e no clima sério e de tragédia com o trabalho de Nolan. Já o segundo, a princípio, não teria muito a ver. Uma comédia de ação cheia de piadas e brincadeiras metalinguísticas. Mas pensando que O Cavaleiro das Trevas abriu as portas para esses caminhos diferentes, o longa do mercenário falastrão acaba devendo muito ao bom e velho Batimão nolanesco.

OU VOCÊ MORRE COMO HERÓI, OU VIVE O SUFICIENTE PARA SE TORNAR O VILÃO

Ironicamente, se filmes como Logan e Deadpool pegaram o espírito das possibilidades abertas por O Cavaleiro das Trevas e o usaram da maneira correta para se transformarem em longas que se destacavam da multidão de produções do estilo por apresentarem algo próprio e diferente, a própria Warner/DC Comics pareceu não entender os predicados de seu próprio produto e o usou da maneira errada para dar a partida a seu iniciante UCDC (Universo Cinematográfico DC).

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas

Christoper Nolan é um cara de muito prestígio dentro da Warner. Seus filmes rendem ao estúdio muito dinheiro e, com o sucesso da trilogia do Batman, os executivos ficaram em polvorosa quando ele revelou que tinha uma ideia semelhante para o Superman, desenvolvida novamente em parceria com David S. Goyer.

Ele não iria escrever o roteiro ou dirigir, atuaria apenas como argumentista e produtor, mas mesmo uma ideia original de Nolan desenvolvida por outro cineasta ainda conteria o DNA de sucesso de O Cavaleiro das Trevas, correto? Errado.

Eu gosto do Christopher Nolan. O considero um dos mais talentosos diretores contemporâneos a conseguir equilibrar visão artística ao tino comercial do cinemão blockbuster. Mas a meu ver, ele não é exatamente conhecido pela leveza de seus trabalhos ou pela sensibilidade de suas histórias.

Digamos que ele tem a mão um tanto pesada. E essa pegada sombria e realista que funcionou com o Batman por ele ser um personagem que permite isso, não necessariamente funcionaria com o outro maior herói da editora que sempre foi o completo oposto do Cavaleiro das Trevas.

A ideia de trazer uma abordagem mais realista ao Homem de Aço, mostrando como seria a reação do mundo à presença não só de um alienígena, mas de um deus, entre nós, não seria ruim. Contudo, o sombrio que veio a esteio não tem nada a ver com o personagem.

ESSA CIDADE MERECE UMA CLASSE MELHOR DE CRIMINOSO

Um Superman amargurado, indeciso, inseguro, relutante em assumir seu lugar no mundo. Para isso funcionar, teria de ser tratado com muito cuidado. Infelizmente, nem Nolan, nem Zack Snyder, o diretor escolhido para capitanear O Homem de Aço (2013) eram as pessoas certas para este trabalho.

Snyder, outro diretor de mão pesada e sensibilidade de mamute, abraçou sem dó a estética de O Cavaleiro das Trevas e os executivos acreditaram piamente que isso era uma fórmula mágica que se traduziria em sucesso imediato.

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas

Embora O Homem de Aço não seja um filme ruim, também falha em apresentar o herói pronto, próximo do que o público sempre teve em seu imaginário. Utilizar esse filme como ponto de partida para o novo universo DC no cinema se mostrou outro equívoco.

Complementado quando o filme seguinte foi ainda mais a fundo na estética sombria e realista da obra de Christopher Nolan. Batman vs Superman era escuro, lavado, depressivo, com um clima pesado que em nada justificava porque o encontro de dois dos super-heróis mais conhecidos do mundo deveria ser algo tão deprê ao invés de épico.

Parecia que o objetivo da Warner/DC era ser o completo oposto do que a Marvel era no cinema. Só que se a Marvel era diversão, a DC acabou virando depressão. A trilogia de Christopher Nolan funcionou porque era uma visão que condizia com o personagem, havia razão de ser daquele jeito. E era uma visão dentre muitas possíveis.

Calhou que funcionou. Mas, de novo, era algo fadado a ser fechado em si mesmo, que duraria por três filmes e só. Tentar aplicar esse conceito a todo um novo universo de filmes, com personagens que simplesmente não se encaixam nessa estética era um erro tão primário que ninguém se surpreendeu quando os longas seguintes não funcionaram.

Os produtores meteram a mão em Esquadrão Suicida, para tentar deixá-lo mais colorido e engraçadinho. E posteriormente em Liga da Justiça, ao demitirem Zack Snyder e trazerem Joss Whedon para tentar salvar o filme com refilmagens e deixá-lo mais Marvel e menos O Cavaleiro das Trevas.

EU SOU UM AGENTE DO CAOS

O longa de 2008 causou problemas até mesmo na hora de trazer de volta um dos personagens mais queridos, e difíceis, da editora, o Coringa. A interpretação de Heath Ledger meio que virou coisa de lendas, principalmente após sua morte e seu Oscar póstumo de ator coadjuvante pelo papel.

Delfos, Batman, O Cavaleiro das Trevas

Seja como for, era fato que o personagem mais cedo ou mais tarde voltaria às telonas e precisaria ser em uma performance que não só fosse diferente como teria de ser tão marcante quanto.

Recebemos aquele Coringa estilo gangsta tatuado e inconveniente de Jared Leto. Certamente é diferente do agente do caos de Ledger… e isso é tudo que tenho a dizer a respeito disso.

A não ser que, com essa história de um filme solo do Coringa estrelado pelo Joaquin Phoenix e produzido pelo Martin Scorsese, a coisa ficou ainda mais confusa. É uma obra standalone, mais próxima da visão nolanesca do vilão, vai ser algo ainda mais criminoso puro, como os bandidos dos filmes do Scorsese? E o Jared Leto, foi pro saco de vez ou o Coringa dele ainda pode voltar a dar as caras?

UM PROTETOR ZELOSO, UM CAVALEIRO DAS TREVAS

Muitas perguntas cujas respostas podem começar a vir na San Diego Comic-Com deste ano, mas isso possivelmente já é assunto para outra matéria.

Por enquanto, vale mesmo é essa reflexão sobre a influência de Batman: O Cavaleiro das Trevas nos filmes de super-heróis e no cinemão em geral. E para comemorar a ocasião, também não há nada melhor que rever o filme. E você, o que acha da importância do longa? Muito, pouca, para melhor, para pior, não está nem aí? Deixe sua opinião nos comentários e até a próxima.