Hoje chega às lojas Street Fighter 30th Anniversary Collection. É um lançamento histórico, pois apesar de haver várias coletâneas da série, nunca uma foi tão completa. Incluindo 12 jogos (Street Fighter, Street Fighter II, Street Fighter II: Champion Edition, Street Fighter II: Hyper Fighting, Super Street Fighter II, Super Street Fighter II: Turbo, Street Fighter Alpha, Street Fighter Alpha 2, Street Fighter Alpha 3, Street Fighter III, Street Fighter III: 2nd Impact e Street Fighter III: Third Strike), a coleção traz tudo que saiu antes de Street Fighter IV. Aliás, se você comprar na pré-venda, ela inclui até este, e fica faltando apenas Street Fighter V.

Diante de tudo isso, e do impacto que Street Fighter teve na minha vida, resolvi fazer uma tradicional crônica delfiana contando tudo. Prepare-se, pois a história abaixo inclui conspiração, intrigas, helicópteros explodindo e muito sexo. Ou então apenas um bando de nerds adolescentes e espinhentos simulando briguinhas eletrônicas.

Corrales jovem
Até que o Corrales dos anos 90 não era tão espinhento.

HADOKEN

“Cara, tem um fliper novo lá na locadora que você precisa ver”, me contou um colega de escola. A locadora a que ele se referia era lendária no bairro, pois era a única que costumava ter os jogos mais esperados próximo ao lançamento. Não me lembro do nome dela, mas lembro bem de sua decoração. Com paredes pretas e iluminação fraca, ela mais parecia uma balada do que uma locadora.

Foi lá também que eu tive minhas primeiras experiências com consoles como o Mega Drive ou o Neo Geo (naquela época era comum pagar para jogar estes consoles na própria locadora por uma ou mais horas). Até então ela não tinha fliperamas, apenas consoles, então a novidade do meu amigo chamou a atenção.

Depois da aula (crianças responsáveis não cabulam para jogar videogame), fomos juntos até a locadora, que ficava a uns dois quarteirões da escola. O fliper em questão era, claro, Street Fighter II, e este foi meu primeiro contato com ele.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato de ele se chamar Street Fighter DOIS. Mas cadê o um? Nenhum dos meus amigos tinha ouvido falar nele. Só tive acesso ao primeiro Street Fighter muitos anos depois, graças ao emulador MAME. E, cá entre nós, não gostei nem um pouco.

A segunda coisa chamativa foi o fato de o único personagem brasileiro ser um monstro. Poxa, se fosse um jogo apenas com monstros, vá lá, mas todos os outros são humanos. Mancada! Compramos algumas fichas e jogamos até perder, revezando as lutas. Não me lembro muito dessa primeira jogada, mas o impacto do jogo só cresceu a partir daí.

TIGER ROBOCOP

Tatáitugue! Tiger Robocop! Harec Full! A quantidade de vozes que ninguém entendia mas todo mundo imitava foi uma das coisas mais marcantes desses primeiros dias da marca na minha vida. Não demorou para meus amigos começarem a se comunicar em referências a Street Fighter, boa parte delas tão erradas quanto o popular Tiger Robocop.

Foi quando Street Fighter II saiu para o Super Nintendo, no entanto, que o jogo de fato se consolidou como um dos mais importantes da década. Todo mundo que tinha um Super Nintendo tinha dois jogos: Super Mario World (que vinha com o console, mas imagino que também teria vendido horrores se não viesse) e Street Fighter II. E eu… bom, eu tinha um Mega Drive.

Street Fighter II, Delfos
A inveja vem em caixinha

Era uma época em que a maior parte dos jogos eram exclusivos. E os fanboys da Sega e Nintendo, quando o console rival recebia um port, não o chamava assim, mas de cópia mesmo, e ficavam sinceramente ofendidos com o time adversário ter acesso ao mesmo jogo.

Começou a se tornar comum juntar amigos nas casas de quem tinha um Nintendão para tirar uns fights no Street Fighter. E eu participava, claro. Lembro da dificuldade que tinha em dar golpes como HadokenShoryuken, então, nunca consegui fazer sair. Ainda assim, tinha que engolir a minha invejinha da turma que escolheu o console da Nintendo. Eu adorava meu Mega Drive, mas Street Fighter era um dos que me fazia ansiar pela concorrência.

UMA NOVA ESPERANÇA

Alguns meses depois, foi anunciado que Street Fighter II sairia para Mega Drive. E viria na versão Champion Edition, que possibilitava jogar com os chefes. “Rá! Chupa, nintendista!”, eu falava para meus amigos, que logo se tornavam inimigos. Daí saíamos nos socos para defender nossas marcas preferidas.

Porém, a tal versão não saía nunca, e os primeiros screenshots divulgados não eram muito animadores, pois traziam uma barra preta na parte de cima da tela. E ainda rolavam uns boatos de que só seria possível jogar com o Ryu. “Rá! Chupa, seguista!”, meus amigos falavam para mim. Inimigos. Socos.

Street Fighter II, Delfos
Nossas brigas na vida real incluíam imitações de Shoryuken e Hadokens.

Nesse meio tempo (que para mim pareceram décadas), os jogos de luta viraram um gênero realmente popular, e muitas cópias poparam. A SNK era a melhor em copiar a fórmula da Capcom e trouxe ao mercado jogos excelentes, como Fatal FuryArt of Fighting. Lembro quão impressionante era o fato de os personagens ficarem machucados ao longo da luta no Art of Fighting e especialmente o efeito de zoom que os deixava do tamanho da tela.

Apesar de os jogos da Capcom e da SNK serem bastante superiores, o que mais deu canseira no Street Fighter você já sabe qual é, não sabe? Pois é, Mortal Kombat. E curiosamente, sua popularidade não veio por causa do seu aspecto jogo, mas pelos gráficos feitos a partir de fotos de atores reais e por sua violência.

Não dava para dizer que Mortal Kombat era melhor que Street Fighter. Em MK, todos os lutadores eram iguais, diferenciados apenas nos especiais. No Street Fighter, cada botão, pulo ou movimento de cada personagem era diferente dos outros. Mas Mortal Kombat era mais intrigante. Mais misterioso. Mais adulto. E isso o tornou tão popular quanto o rival que o inspirou.

GET OVER HERE

Eu não consegui descobrir a data que Street Fighter II de fato saiu para o Genesis, mas na minha cabeça, Mortal Kombat chegou antes – e ao mesmo tempo para os consoles da Sega e da Nintendo (talvez essa informação não corresponda à realidade, mas é como eu me lembro.  Se você tem dados reais, fique à vontade para me corrigir).

A versão de Super NES era linda, muito parecida com o arcade, e trazia todas as vozes. Porém, nada da violência. Inclusive, boa parte dos fatalities foram adaptados para versões mais leves. Já a do Mega Drive era feinha e não tinha a imensa maioria das vozes. Mas dava para habilitar o sangue e os fatalities originais com um código especial que todo mundo sabia.

Street Fighter II, Delfos, Mortal Kombat
Isso era um visual muito impressionante para a época.

A principal diferença, para mim, era nos controles. A versão da Nintendo tinha um lag considerável. Apertar o soco, por exemplo, gerava a ação correspondente na tela um bom tempo depois. A de Mega era redondinha, e isso me fez gostar mais dela. O único outro jogo no qual senti um lag tão grande quanto este foi no Golden Axe de Master System.

CHUPA, SEGUISTA!

Enquanto isso, eu ainda esperava pelo meu Street Fighter II Champion Edition. E durante minha espera, o Super NES ganhou uma versão perfeita de Street Fighter II Hyper Fighting. Ou seja, oficialmente eles já tinham algo melhor do que a Champion Edition que eu estava esperando há décadas (ou pelo menos assim eu me sentia). “Chupa, seguista!”. Inimigos. Socos.

Lembro das revistas da época, tipo a Ação Games, falando muito bem desta nova versão. “É o arcade, sem tirar nem pôr”, comemoravam, enquanto eu me mordia de ciúmes.

Felizmente, minha espera estava acabando. A versão de Mega saiu, com o nome Special Champion Edition, e apesar do título, era praticamente idêntica à Hyper Fighting de Super NES. Sim, os gráficos eram mais embaçados e as vozes mais roucas, mas como sempre o Mega Drive ganhava no controle. Logo na minha primeira luta, por exemplo, eu consegui fazer o elusivo shoryuken.

Além disso, a Capcom fez um excelente trabalho no port para o console menos poderoso. Ao contrário do Mortal Kombat, ela não cortou nenhuma voz. Tudo que estava no fliper estava no Mega, apenas em uma versão mais humilde.

MEU PRIMEIRO STREET FIGHTER

Naquela época era realmente difícil conseguir um jogo novo. Primeiro você tinha que convencer alguém a comprar para você. Afinal, eu ainda era um pré-adolescente. E depois disso, até achar o jogo era complicado. E caro.

Minha família costumava comprar meus jogos de um sujeito que ia com frequência ao Paraguai (imagino que era mais barato e mais fácil do que procurar por aqui). E funcionava assim: você encomendava o jogo e, na próxima viagem dele, ele ia tentar achar. Encomendamos o Street, mas ele não achou de cara. Finalmente, veio a ligação. “Tô com Street Fighter aqui e vou te levar hoje”. Foi o dia mais longo da minha vida. Eu fiquei sentado do lado do interfone do prédio junto com um amigo meu só esperando o cara chegar. E o maledeto só foi chegar à noite.

Victória
A Tia Victória, para quem dedico este texto com muita saudade e carinho.

Estava tão empolgado que abri a porta do elevador antes que ele pudesse fazê-lo e fui correndo para o quarto jogar, enquanto minha saudosa tia Victória, que ia me dar de presente, pagava o cara.

Neste mesmo dia, lembro bem que ia passar na Tela Quente um dos meus filmes preferidos, o clássico do Mel BrooksS.O.S. Tem um Louco Solto no Espaço. Naquela época, se a gente queria assistir a um filme quando ele passava na TV, tinha que parar tudo, ou só ia ter outra oportunidade anos depois.

Eu pensei: Street Fighter posso jogar amanhã. O filme só dá para ver hoje. Então parei de jogar para assistir, mas devo dizer que fiquei pensando no jogo o tempo todo, e quase não prestei atenção no filme.

DEDOS CALEJADOS

No dia seguinte, eu joguei Street Fighter como se a fita fosse evaporar em poucas horas. Joguei tanto que meus dedos começaram a doer. Foi a primeira vez que senti a consequência de alguma lesão por esforço repetitivo, isso antes de virar modinha e todo mundo ter uma variação dela.

De tanto jogar, eu fiquei muito bom no jogo. Bom até demais, pois a maioria dos meus amigos não conseguia me vencer no versus. Todos? Não, pois eu tinha um vizinho que resistia firme e forte a minhas porradas.

O vizinho em questão tinha um irmão, e o pai deles dava um videogame novo em cada aniversário. Assim, se um moleque sortudo dos anos 90 tinha o Super NES e o Mega Drive, essa dupla tinha até aqueles menos populares, como o 3DO, o Jaguar, e até o Neo Geo.

O irmão mais velho, que era o meu amigo, era também muito bom de Street Fighter. Eu diria que ele era meu grande rival, mas isso denotaria que eu tinha algum sentimento ruim contra o cara. Na verdade eu adorava jogar contra ele. A gente era tão bom que até diminuía as estrelinhas do handicap (que regulavam a força dos personagens) para que nossas lutas durassem mais. E elas eram emocionantes.

A gente fazia de tudo para que as lutas ficassem equilibradas. Por exemplo, se alguém escolhesse um personagem tosco, como o Dhalsim, o outro pegava um igualmente ruim, tipo o Zangief. E a batalha ainda era emocionante, enquanto com os outros amigos, mesmo quando eu escolhia o Dhalsim, acabava ganhando sem muito esforço.

Street Fighter II, Delfos
Demorou muito para eu botar as mãos nesta caixinha.

Minhas memórias mais queridas de Street Fighter II são jogando com esse vizinho, mas pouco tempo depois ele se mudou e nunca mais tivemos contato. Nossa rivalidade se estendeu até o Super Street Fighter II, que saiu ao mesmo tempo para Mega e SNES, e não foi tão dramático adquirí-lo. Porém, eu também o joguei muito, sozinho e contra amigos. Eventualmente, me tornei tão bom com os novos personagens, como CammyFei Long, quanto era com Ken ou Blanka.

UMA NOVA GERAÇÃO

Nessa época, a vida útil do Mega Drive já estava acabando. Eu cheguei a ter o 32X, que ganhou uma versão excelente de Mortal Kombat II, mas nenhuma de Street Fighter. E daí veio o Saturn. Ei, você já sacou que eu era um menino Sega, né? Não dá para esperar que eu tivesse um Nintendo 64 ou um Playstation.

Saturn foi o videogame que eu menos aproveitei na vida, simplesmente porque era muito difícil achar jogos para ele. Mas daí eu ouvi falar de uma loja perto de casa que estava vendendo uma tal de Street Fighter Collection. Liguei lá, fechei o preço e fui comprar. Sim, nesta época eu já comprava jogos com meu próprio dinheirinho.

Street Fighter II, Delfos
Achei essa comparação de visual interessante.

Pegar o jogo foi uma experiência bem marcante. Encontrei o cara no andar térreo de um prédio comercial. Ele perguntou se eu queria X-Men vs. Street Fighter também. Respondi que não, paguei e fui embora. Quando liguei posteriormente para ele, em busca de outros jogos, o telefone não mais existia. A única conclusão lógica, portanto, é que o cara era uma criatura mágica de outra dimensão que só apareceu para me arranjar esta coleção.

STREET FIGHTER COLLECTION

Ela vinha com Super Street Fighter IISuper Street Fighter II TurboStreet Fighter Alpha 2 Gold. Joguei bastante todos eles, mas nessa época já era menos comum se reunir com amigos para jogar videogame. Isso fez com que eu basicamente os tenha jogado sozinho, assim nunca adquiri no Alpha a mesma habilidade que tinha no II.

Saturn foi meu último videogame por um bom tempo. Na época me distanciei um pouco do hobby e comecei a dedicar todo o meu tempo livre ao Deus Metal. Mas de tempos em tempos eu perguntava para meus novos amigos se eles eram bons de Street Fighter procurando alguém que pudesse me encarar. Mesmo os que diziam que eram bons não eram páreo para mim. O topo é um lugar solitário.

STREET FIGHTER IV

Anos depois, já na época do Playstation 3, o Street Fighter II ganhou uma versão especial com gráficos melhorados. Eu a comprei e resenhei aqui mesmo no DELFOS. Pouco depois, saiu Street Fighter IV, e eu o comprei na data de lançamento. Comprei de uma loja inglesa e fiquei bem surpreso quando ele chegou em casa em uma semana. Obviamente, o resenhei também.

Apesar de ter jogado bastante Street Fighter IV, foi também aí que percebi que jogos de luta não me apeteciam mais como outrora. Embora eu ainda jogue bem com os 16 personagens de Street Fighter II, eu simplesmente não tive saco para me dedicar a aprender a jogar com os novos desta versão. Assim, quando saiu a inevitável versão turbinada, eu não tive vontade de adquirí-la.

Street Fighter II, Delfos, Street Fighter IV
Street Fighter IV é lindão!

Eu nunca fui um cara especialmente competitivo, e hoje em dia eu até posso me divertir jogando versus de alguma coisa. Porém, pouco tempo depois eu já fico com vontade de parar. E jogos de luta, você sabe, funcionam melhor com um grupo de amigos se xingando e trocando ideia.

Desde então, basicamente todos os jogos de luta que eu joguei foram basicamente para resenhar por aqui, incluindo Street Fighter V. Isso não significa que eu não goste mais deles. Eu gosto o suficiente para jogar por alguns dias, mas não me vejo queimando meus dedos nesses jogos hoje em dia.

Ainda assim, eu tenho uma pastinha no meu PS4 onde guardo todos os jogos de luta que tenho. Quando recebo um grupo de amigos em casa, e a gente quer jogar videogame, costumo abrir esta pastinha para escolhermos um jogo e relembrar a adolescência.

Street Fighter é uma série que tem muito futuro. Provavelmente meus netos ainda vão jogá-lo. Para mim, trata-se de um dos jogos que mais marcou a minha vida. Meu futuro com ele vai ser casual e divertido, mas nenhuma outra franquia me deixou tão próximo de um hardcore quanto esta. Costumo pensar que se já fosse comum esports profissionais nos anos 90, é bem provável que eu teria seguido este caminho. Isso não aconteceu, mas tenho com Street Fighter excelentes memórias, muitas das quais eu compartilhei aqui.

Agora eu quero saber: quais são suas memórias com Street Fighter? Me conta nos comentários.