Poucas mídias são tão obcecadas em visitar o seu passado quanto os videogames. E em nenhuma outra isso é tão necessário. Em um mundo onde infelizmente a retrocompatibilidade não é a norma, muitos jogos lançados no passado hoje são virtualmente injogáveis de forma legal. Ficaram perdidos na história. Dito isso, há muitas formas de colocar este conteúdo novamente em circulação. Remastersreboots, remakes. Este Resident Evil 2 Remake não é um desses, no entanto. Ele vive em uma categoria só dele.

UM REMAKE QUE É UMA REIMAGINAÇÃO

A esta altura você já sabe que o Resident Evil 2 de 2019 é uma recriação do jogo originalmente lançado em 1998. Você também sabe que ele abandona as câmeras fixas e os cenários pré-renderizados de outrora em nome da tradicional câmera por cima do ombro de Resident Evil 4 e de belíssimos gráficos em tempo real.

O que você talvez não tenha se dado conta é que isso exige uma recriação extrema de quase tudo. O novo jogo precisaria ser novamente balanceado para se adequar à nova câmera, bem como a jogabilidade teria que ser totalmente nova. Isso gerou puzzles diferentes, áreas novas e uma campanha mais extensa do que era originalmente.

Assim, o que temos aqui não é um remake como o de Shadow of the ColossusCrash Bandicoot ou Spyro. Nestes casos, o novo jogo é o mesmo de antes, só que com um audiovisual recriado. Desta forma, eles apagam totalmente o original. Se você jogou o Shadow of the Colossus de 2018, pode riscar o original da sua lista. Ele passa a existir mais como uma curiosidade para puristas, que querem ver o visual antigo.

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A iluminação aqui é um espetáculo.

Outra forma de relançamento é o reboot, como DMC ou Tomb Raider, que são jogos totalmente novos, apenas inspirados nos originais.

RESIDENT EVIL 2 REMAKE

Resident Evil 2 não se encaixa em nenhum destes casos. Este remake não elimina o original, mas também não cria algo totalmente novo. Permita-me dar um exemplo no cinema: A Fantástica Fábrica de Chocolate. O original, de 1971, conta a mesma história do remake que o Tim Burton fez em 2005 (e que foi resenhado por nós na época do lançamento). Mas são experiências diferentes, especialmente, mas não se limitando, ao visual. Um fã desta história vai querer ver os dois.

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Curiosamente, a Ada manteve seu vestido apertadinho e o salto alto, roupas que qualquer um usaria para caçar zumbis.

Isso é relativamente comum no cinema, mas acredito que no mundo dos games, Resident Evil 2 é o primeiro caso de um remake que é mais uma reinterpretação do que uma simples reconstrução, ao mesmo tempo que não é um jogo 100% novo. Talvez o mais próximo disso tenha sido o remake do próprio Resident Evil original para o Gamecube, mas este é bem mais fácil de considerar um simples upgrade que, portanto, elimina a necessidade do jogo original.

Eu, por exemplo, nunca dei a devida atenção para o Resident Evil 2 original. Como nerd que sou, conhecia seus personagens, ambientação e mesmo sua importância para a série. Mas não o joguei do início ao fim. Então, para mim, jogar o Resident Evil 2 2019 foi bem semelhante a jogar DMC ou Tomb Raider. Para mim, ele é novo. Para quem o curtiu lá na época do lançamento, 21 anos atrás, ele vai ser, digamos, semi-novo.

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Vamos ver o que está por trás da porta da esperança!

Você, obviamente, ainda vai explorar a delegacia de Raccoon City nas peles de Leon e/ou Claire, mas nem tudo será como você se lembra. Aliás, em vários pontos a Capcom brinca com as suas expectativas, mas é claro, isso é algo que não convém elaborar em um review publicado no dia do lançamento, antes de você ter a chance de jogar.

ENTRE O ANTIGO E O NOVO

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Calma, gente, tem pescoço para todo mundo.

Este Resident Evil 2 planta seus pés firmemente entre o antigo e o novo. Os controles, por exemplo, são bem próximos dos de um shooter moderno. Mas não completamente. Eu senti bastante falta de uma forma de desviar rapidamente de ataques, tipo rolando no chão. Claro, aqui você é muito mais ágil do que o Leon e a Claire tanques de 1998, mas a coisa não foi totalmente modernizada. Isso pode ser bom ou ruim dependendo de quão purista você seja.

Felizmente, para todos, o combate continua lento e metódico. Inclusive, teve uma pincelada da Capcom que eu achei genial. É possível se mover enquanto mira, por exemplo. Mas há uma concessão: se você segurar a sua mira sem se mexer por mais ou menos um segundo, ela será mais precisa e terá maior chance de fazer dano crítico, aka explodir a cabeça dos miolentos.

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Vamos torcer para o zumbi não ter pressa de me morder.

Achei isso um toque de mestre, pois incentiva o jogador a parar e mirar com calma, sem deixá-lo imobilizado. E em geral os inimigos parecem pensados para isso, pois são, em sua maioria, lentos e com pontos fracos claros (normalmente a cabeça). A exceção são os cachorros. Os malditos cachorros de Resident Evil.

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Os malditos cachorros de Resident Evil.

Isso também impede que o jogador se sinta um grande herói de ação, mantendo um clima tenso e opressor durante toda a campanha.

CRIANDO A TENSÃO

Ao contrário dos Resident Evil clássicos, eu não fiquei empacado em nenhum momento. Sempre sabia o que fazer e para onde ir. Muito disso se deve a um mapa excelente, que identifica itens que você ainda não pegou ou quais chaves são necessárias para cada porta.

Uma notícia que deve alegrar a todos é que a Capcom dá opções de saves para todos os gostos. No modo padrão, você pode salvar em máquinas de escrever sempre que encontrar uma. Mas se você é uma daquelas criaturas exóticas que gosta de administrar saves limitados, é só ativar esta opção e sair procurando ink ribbons, como na época de outrora.

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Esta seria minha cara de sofrimento se eu tivesse sido obrigado a jogar com saves limitados.

No modo padrão, há também autosaves, mas eles não são frequentes o suficiente para que você confie neles como checkpoints. Na verdade, ao invés de diminuir a tensão, eles aumentam, pois você vai perceber que logo depois de um autosave costuma vir um desafio considerável, que provavelmente vai te matar algumas vezes.

A gestão de recursos também é fundamental. O espaço no inventário é bem limitado. Se, na dificuldade padrão, não me faltaram itens de cura, a munição foi bem mais escassa. Sempre que resolvia usar uma arma mais poderosa, como a escopeta ou o Magnum, eu mirava com muito cuidado para não errar. E, quando você erra um tiro, o personagem ecoa os sentimentos do jogador com reclames de frustração, o que inevitavelmente gera risos.

NEVER ALONE

Para completar, você nunca está totalmente seguro. O cenário é repleto de presuntos, e qualquer um deles pode se levantar a qualquer momento, inclusive aqueles que você mesmo apresuntou.

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A questão não é se eles vão levantar, mas quando.

Isso fez com que eu jogasse evitando pisar nos cadáveres, e mesmo assim perdi a conta de quantas vezes um deles agarrou meus pés e me deu uma bela dentada. Para evitar a repopulação de áreas previamente limpas, há uma das novidades deste remake: a possibilidade de colocar tábuas nas janelas. Mas adivinha só: tem muito menos tábuas do que janelas vulneráveis. No final das contas, eu usei isso pouquíssimas vezes.

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Ha-ha, não me pega!

Outra novidade, e desta eu particularmente não gostei, é que a faca é um item consumível. Assim, não dá para usar aquela boa e velha estratégia da série de atirar num zumbi e esfaqueá-lo com vontade enquanto ele está tonto. Quer dizer, até dá, mas daí você vai ficar sem facas rapidinho, e elas são necessárias para se defender de agarrões salivantes.

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Me pegou. Malditos cachorros de Resident Evil!

No começo do jogo, antes de eu me dar conta disso, percebi que os zumbis tinham tendência a se levantar quando parecem estar mortos. Então eu derrubava um, me aproximava e enchia ele de facadas. Logo, percebi que isso não era uma tática sustentável. Neste Resident Evil 2, não interessa como você se defenda, algum recurso será consumido.

REALLY, NEVER ALONE

E daí tem os chefes e, como você já deve saber, um inimigo invencível que te persegue em momentos específicos da história.

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Oi, eu vou te fazer companhia pelo futuro próximo.

Isso é algo que eu historicamente detesto, mas aqui eles usaram deste artifício com parcimônia. A perseguição sempre tem duração limitada, o que evita aquele desgaste gerado por jogos como Alien: Isolation.

Os chefes, por outro lado, foram bem puxados para o jeitão Resident Evil 5 6. Ou seja, são esponjas de balas, que vão consumir boa parte dos seus recursos. Elas não são especialmente difíceis, mas o bicho pega mesmo é depois que você mata um deles, e precisa continuar explorando quase sem munição.

O último, por exemplo, me deixou literalmente sem balas de escopeta e Magnum. O jogo continua por mais alguns minutos depois desta luta e, como eu não tinha certeza se ele estava para acabar, fiquei realmente preocupado de ter que lutar sem poder me defender.

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Este famoso monstro vai aparecer muitas vezes na sua história.

Também fiquei um pouco cansado de lutar tantas vezes contra os mesmos chefões. Verdade, são dois dos monstros mais famosos da franquia, mas toda vez que eles aparecem, eu soltava um “caramba, de novo!?”.

JOGO PACAS

Este é um daqueles casos em que o jogo não termina quando rolam os créditos. Minha primeira jogada foi com o Leon e, ao terminar, ele incentiva uma segunda campanha com a Claire. E o inverso também é possível, fazer uma primeira com Claire e a segunda com Leon. Cada uma delas é uma experiência ligeiramente diferente, mas provavelmente não tanto quanto você gostaria. Inclusive, vários dos chefes aparecem nos exatos mesmos lugares.

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Já falei da iluminação? Então, ela é um espetáculo!

Em especial, há armas e locais que apenas Leon ou Claire acessam, e o final real do jogo só é mostrado após a sua segunda campanha. E ainda tem o modo Quarto Sobrevivente e o bom e velho Tofu. Em outras palavras, tem jogo pra caramba aqui para completistas.

Poucas pessoas terão tempo e disposição suficientes para ver absolutamente tudo que Resident Evil 2 oferece. A boa notícia é que mesmo para aqueles que só queiram a história, é um jogo excelente, que merece ser saboreado por fãs de terror. Fazia tempo que um jogo não me dava tanto medo, e este é o maior elogio que posso fazer a ele.

LEIA TAMBÉM:

OS FILMES RESIDENTES:

Resident Evil 2: Apocalipse

Resident Evil 3: A Extinção

Resident Evil 4: Recomeço

Resident Evil 5: Retribuição

Resident Evil 6: O Capítulo Final

OS JOGOS RESIDENTES:

Resident Evil 4: o jogo

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