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Algumas coisas são inevitáveis. E a forma mais saudável de lidar com elas é simplesmente aceitando que não podemos mudá-las. Porém, esta é uma das coisas mais difíceis da experiência humana. Se algo está errado ou consideramos injusto, qualquer um de nós tem o desejo de mudar isso. E disso trata nossa análise A Plague Tale Requiem, um dos melhores videogames já feitos na história.

A PLAGUE TALE INNOCENCE

Você já deve saber disso, claro, mas A Plague Tale Requiem é continuação direta de uma das maiores surpresas gamers que tive na vida: A Plague Tale Innocence. Em 2019, quando coloquei para rodar meu código de review de A Plague Tale Innocence, percebi que estava diante de algo especial. Era um jogo do qual nada sabia, mas que surpreendeu em todos os aspectos, metaforicamente socando muito acima do seu peso.

Não deu outra. Levou a nota máxima na análise delfiana e eu fiz um tremendo esforço para colocá-lo no seu radar – inclusive dando a ele a medalha de ouro entre os melhores games de 2019. Acredito que nenhum outro site brasileiro falou tanto e de forma tão elogiosa sobre ele.

Em 2022, a continuação A Plague Tale Requiem foi lançada e chegou com muito mais hype do que o primeiro. Afinal, Innocence foi uma surpresa. Requiem continuava o que se tornou uma franquia querida por muitas pessoas. Eu incluso. Eu fiz tudo a meu alcance para ter acesso a ele e ter uma análise publicada no embargo, mas infelizmente dessa vez não rolou. Recebi o jogo mais tarde, e acabei tendo que priorizar outros títulos que conseguia publicar no embargo. Assim, esta resenha acaba chegando um pouco mais tarde do que gostaria, mas devo dizer que A Plague Tale Requiem me empolgou tanto quanto Uncharted 2, até agora um dos maiores saltos de qualidade de uma nova franquia para sua continuação. Até agora.

ANÁLISE A PLAGUE TALE REQUIEM

Análise A Plague Tale Requiem, A Plague Tale Requiem, A Plague Tale, Asobo Studio, Focus Entertainment, Delfos

Apesar da bela imagem acima, A Plague Tale Requiem é um jogo horrível. No bom sentido. É pesado. Deixa o coração apertado. Ele segue a tendência de The Last of Us Part II naquilo que se convencionou chamar de “simulador de infelicidade”. E, assim como The Last of Us, ele entende perfeitamente que nenhuma história de terror e/ou desgraças tem muito impacto se não dedicar tempo considerável à leveza. Daí o trecho acima, um dos muitos momentos fofos e adoráveis na longa e maravilhosa campanha de A Plague Tale Requiem.

A Plague Tale Requiem é um survival horror, mas assim como The Last of Us, talvez algumas pessoas torçam o nariz quando eu o classifico deste jeito. Justamente pela quantidade de leveza em sua história terrível.

UM GAME NARRATIVO – COM ORGULHO DISSO

Se você ainda não jogou A Plague Tale Innocence e pretende fazê-lo, recomendo parar de ler aqui até jogar. Se precisar, aqui está a análise que escrevi na época, sem spoilers. Isso porque, embora eu vá comentar a história do novo sem spoilers dela, esta é uma continuação direta, cuja simples sinopse revela coisas que acontecem apenas no fim do game anterior. E não, A Plague Tale Requiem não usa daquela tática padrão em continuações de games, de dar um motivo nas coxas narrativo para você perder todos os upgrades e começar tudo do zero. Aqui o que os personagens conseguiam fazer ao final do original, eles já começam fazendo aqui.

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Esta é a história de dois irmãos, Amicia e Hugo.

Esta é a história de Amicia e Hugo, dois irmãos que começam o game anterior como estranhos, mas que desenvolvem um vínculo muito forte. Entre eles e com o jogador. Hugo está morrendo. Ele tem uma doença misteriosa chamada pelos alquemistas de Prima Macula. O problema é que com essa doença vem invasão de ratos, e com eles, a peste. Hugo não consegue impedir isso, mas onde ele vai, os ratos seguem, contaminam a população e destroem tudo.

É bem claro desde o início de A Plague Tale Requiem que seria melhor para o mundo que Hugo morresse. Porém, sua família, especialmente Amicia, não aceita isso. Praticamente toda a campanha de Requiem é uma investigação para impedir a doença de avançar, salvando assim Hugo e as cidades pela qual ele passa. E sim, a história tem muito a ver com The Last of Us, inclusive no fato de que a morte do companheiro ajudaria o mundo, mas o protagonista não consegue aceitar isso.

ANÁLISE A PLAGUE TALE REQUIEM E O GAMEPLAY

gameplay, no entanto, é bastante diferente de The Last of Us, ou de qualquer outro jogo prestígio focado na narrativa de que me lembre. A coisa aqui é bem lenta e cerebral. Você passa muito tempo da campanha simplesmente andando e vendo os personagens conversarem. Mas sim, há também bastante combate e puzzles.

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A questão é que o combate nunca é “gostoso”. Você nunca se sente poderoso, mesmo quando de fato estiver. Vencer qualquer inimigo exige consumir recursos e botar a massa cinzenta para trabalhar. Aqueles sem capacetes podem simplesmente falecer com uma pedrada no cocoruto. Mas a maioria usa capacetes, e muitos usam armaduras completas.

Aí entra o aspecto survival horror da coisa. É sempre melhor e mais inteligente passar na maciota. Mas tem horas que você será obrigado a lutar. E daí deve pensar quais recursos consumir, da melhor forma possível para sair vivo. Além disso, cada pessoa que você mata faz os personagens comentarem julgamentos, que demonstram que tanto Amicia quanto Hugo estão indo para o lado sombrio. Só que, ao contrário de The Last of Us Part II, que tem este mesmo objetivo, mas um combate “gostoso”, aqui não há essa dissonância ludonarrativa. Qualquer assassinato – e há muitos ao longo da campanha – tem seu peso. Narrativo e no gameplay. E isso é lindo!

AMICIA NÃO É MAIS INDEFESA

No anterior, você passa boa parte do tempo realmente indefeso, precisando se esconder. Aqui você já tem as ferramentas necessárias para se defender desde o início. Mas, como disse acima, usá-las tem seu custo. Recursos são escassos (pelo menos na teoria, embora na prática eu tenha passado o jogo todo com inventário lotado). Então você quer usá-los?

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Tem até cenas de porradaria aberta. Se você quiser, claro.

A coisa dá uma boa mudada depois que você pega a besta, e especialmente o upgrade que permite recuperar flechas dos presuntos. Dá até para você dizer que isso quebra o jogo, eliminando a necessidade de stealth. Afinal, se você consegue chegar no presunto para pegar a flecha de volta, acaba literalmente tendo munição infinita. Isso não me incomodou, particularmente, mas imagino que algumas pessoas podem não gostar do fato que combate aberto eventualmente se torna mais fácil do que stealth.

Para combater isso, o jogo tem um sistema de upgrades automáticos, que melhora suas habilidades de acordo com a forma que você joga. Se você for furtivo, Amicia ficará cada vez melhor em se esconder. Se for agressivo, suas habilidades de luta vão melhorar. Mas o incentivo real para variar, no final das contas, acaba sendo os três troféus, que recompensam os que conquistarem todos os upgrades das três árvores.

RATOS INVADIRAM A ANÁLISE A PLAGUE TALE REQUIEM

E daí temos os ratos. Provavelmente a maior assinatura técnica de A Plague Tale. Lembra quando Dead Rising se orgulhava da quantidade de zumbis na tela? Pois é, isso é fichinha perto dos mares de roedores que você encara por aqui.

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Literalmente um mar de ratos.

Os ratos são mais do que uma demonstração de pintudeza técnica da Asobo Studio. Eles são uma mecânica importantíssima de jogo. Servindo tanto ao combate quanto a puzzles. E a puzzles de combate.

Assim como no anterior, os ratos não vão aonde há luz. E suas habilidades alquímicas envolvem criar fogo, apagar fogo ou aumentar sua potência. Muito da navegação da campanha exige que você resolva onde colocar e apagar a luz para conseguir passar. E, não raro, você pode, ao mesmo tempo, apagar ou acender fogueiras para matar inimigos ou, quem sabe, salvá-los.

RATOS PENSANTES

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Os ratos são burros, mas você não. Então, embora eles sejam um obstáculo, servem também como ferramentas. Sem falar que são também a grande pegada narrativa. Os ratos levam doença e destruição, e vão para onde o Hugo for. Isso tem um peso enorme na saúde mental do moleque, que se apaixona por vários lugares apenas para vê-los sendo destruídos.

Claro, se isso pesa no moleque que a gente passa o jogo inteiro protegendo, acaba pesando em nós também. E esta é a grande sacada do game, o que deve muito à absurda qualidade com a qual estes personagens são escritos e atuados.

SAÚDE MENTAL

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Esta é uma história sobre crianças, o que deixa tudo ainda mais pesado. Amicia é uma jovem adolescente, talvez pouca coisa mais velha do que a Ellie no primeiro The Last of Us. E Hugo é praticamente um nenê. Acredito que ele tenha mais ou menos a idade da minha filha enquanto jogava (cinco anos). E, assim como minha menina, ele tem absolutamente tudo de legal que uma criança inocente tem.

Ele se afeiçoa por todos, se surpreende com tudo. Hugo exala alegria e otimismo e é absolutamente impossível não gostar dele. Você sabe que a presença dele é responsável por coisas horríveis, ao mesmo tempo que está plenamente consciente de que o moleque é tão inocente quanto qualquer criancinha. Isso fica bem claro nos muitos pontos de leveza da história, que existem simplesmente para elaborar a relação positiva entre os personagens.

Isso faz com que realmente doa no jogador as coisas horríveis que Amicia e Hugo precisam fazer ao longo do jogo. Assim como o peso em suas saúdes mentais quando eles vão cada vez mais para o lado sombrio, simplesmente por falta de opções. A alternativa é a morte, que começa a parecer cada vez mais atraente para Hugo. E daí entramos no tema principal: aceitar a inevitabilidade. Uma das coisas mais difíceis que qualquer um de nós precisa fazer ao longo da vida.

ANÁLISE A PLAGUE TALE REQUIEM E O CACHORRO SAFADO

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Você já deve ter percebido que A Plague Tale Requiem é basicamente o que todo mundo amava nos first parties da Sony, e que a empresa vem se afastando cada vez mais em nome de mundos abertos e RPGs. Até a Naughty Dog parece ter vergonha de seu passado intenso e narrativo, colocando mundos abertos desnecessários em Uncharted The Last of Us 2.

A Asobo Studio claramente quer ser o que a Naughty Dog era na época do PS3. E eu sinceramente acho que o mundo dos games seria muito melhor e mais artístico hoje se mais gente quisesse ser a Naughty Dog do que a From Software. Claro, há espaço para os dois estilos, e ambos têm suas qualidades, mas se é pra todo mundo fazer a mesma coisa, particularmente gosto mais destes jogos intensos narrativamente e acessíveis a todos.

THE END

A Plague Tale Requiem é um jogo que acaba. Qual foi a última vez que você viu isso em um jogo de alto orçamento? Todo jogo grande hoje em dia termina com uma mensagem dizendo algo como “mas ainda tem muito para você fazer”, enchendo seu quest log de sidemissions pentelhas. Até Super Mario Odyssey faz isso, com aquela desculpa de “um monte de estrelas novas acabou de aparecer em todos os mapas”.

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A Plague Tale Requiem, por outro lado, realmente termina. Sua história tem fim. Sem cliffhanger, sem perguntas não respondidas. Todos os personagens ganham um ponto final em suas narrativas. Daí rolam os créditos e você volta para a tela título. É só selecionar capítulos ou começar uma nova aventura no New Game + se quiser viver tudo de novo ou pegar os troféus que faltaram.

Não é lindo? Por que diabos não se fazem mais jogos assim? Que terminam com um ponto final, deixando o jogador satisfeito e pensando no que acabou de viver? E, cá entre nós, eu acho que uma boa história é muito mais forte na mídia videogame do que em qualquer outra. Afinal, você não apenas a assiste ou lê. Você a vive. É uma narrativa em segunda pessoa, a única forma de fazer isso que o gênio humano conseguiu criar até hoje. Mas para ter força, qualquer história precisa de um fim.

ANÁLISE A PLAGUE TALE REQUIEM E A ACESSIBILIDADE

E a Asobo Studio permite que você viva a narrativa que eles querem contar, sem comprometimentos. Sem opção de interferir nela. O que tem que acontecer vai acontecer. E eu amo isso. Linearidade é uma arte esquecida!

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O mais lindo é que eles entendem que nem todo mundo consegue viver uma narrativa da forma originalmente planejada. E daí eles fazem outras coisas que andam cada vez mais raras em games. Há opções de dificuldade, que permitem que o jogo seja tão difícil ou fácil quanto você quiser. E, se a coisa ficar muito pesada ou difícil para você, dá para simplesmente ativar invencibilidade no menu, sem nenhuma punição de troféus ou narrativa. A Plague Tale Requiem é uma aventura que pode ser vivida nos seus termos.

ANÁLISE A PLAGUE TALE REQUIEM: SEU JOGO, SUAS REGRAS

Em época de git gud, em que eu senti necessidade de comprar um PC Gamer só para poder usar mods de dificuldade que a comunidade faz, mas que os devs se recusam a colocar oficialmente, isso é lindo. A Asobo Studio é uma luz que gostaria que fosse usada como guia por todo videogame, em qualidade e técnica, sim, mas especialmente em acessibilidade. Em levar sua obra a todos que queiram vivê-la, independente de limitações físicas, de tempo ou de habilidade.

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A qualidade técnica de A Plague Tale Requiem é algo que não se vê mais fora dos first parties.

E não, eu não liguei a opção de invencibilidade. Sempre que possível, eu tento viver a experiência como foi originalmente planejada. E aqui foi possível. Mas simplesmente saber que ela existe, que pode ser ligada a qualquer momento sem punição, é extremamente valioso e reconfortante para mim. Isso permite que eu – e muitas outras pessoas que se sentem excluídas dos videogames atuais – veja o final da história mesmo que não atinja o nível de habilidade que os desenvolvedores consideram ideal. Ou que não tenha o tempo necessário para “git gud“. Afinal, a vida de ninguém se resume a videogames, por mais que gostemos disso.

A PLAGUE TALE REQUIEM É O FILEZÃO DOS GAMES

A Plague Tale Requiem é o que eu particularmente considero o filezão dos games. O tipo de jogo tecnicamente impressionante, que justifica a compra de um console de última geração. Mas também uma aventura narrativa, algo que respeita seu tempo para contar uma boa história, que vai ficar com você muito tempo depois de ter jogado.

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Faça chuva ou sol, este coitado sempre está preso aí.

Houve uma época, lá na geração do PS3, que todo mundo fazia – ou pelo menos tentava –  isso. Daí o jogo virou, e só os first parties da Sony seguiam esta linha. Hoje, estes  first parties continuam contando boas histórias, mas as diluem em um monte de estatísticas e sidequests, causando a incômoda sensação de que você precisa perder muito tempo para viver o que deseja. Com tudo isso, missões diárias e passes de temporada, videogame começa a parecer trabalho, mesmo que você não trabalhe com isso.

Foi o que aconteceu para mim com God of War Ragnarok. Ele era sem dúvida o game mais esperado do ano para mim. Mas a experiência foi tão diluída em um monte de bobagens. Eu passei tardes inteiras pegando broches e amuletos para fantasminhas camaradas, além de comparar armaduras iguais para ver qual tinha números maiores. Foram dias de jogo sem avançar a história, o que acabou prejudicando muito a narrativa. Com isso, embora seja um bom jogo, God of War Ragnarok não entregou a experiência que eu queria. Quem de fato fez isso foi A Plague Tale Requiem, que eu digo aqui, com todas as letras e sem medo de errar, que é meu jogo do ano. E espero muito que você dê uma chance a ele! E que ele se torne um sucesso tão estupefato que este tipo de game volte a ser tendência, e não apenas exceção.