Quando a Sony anunciou oficialmente o The Last of Us Remake e mesmo antes disso, quando era apenas especulação, a internet se uniu como nunca aconteceu antes para perguntar: POR QUÊ?

THE LAST OF US REMAKE: POR QUE NÃO?

Os argumentos eram válidos. The Last of Us Remastered de PS4 pode ser jogado no PS5. Ou seja, ele não sumiu. Ainda pode ser comprado e, para quem assina a Plus, está na Plus Collection, “de graça”. O visual ainda é bonito. Aliás, é ainda melhor do que quando o remaster saiu, pois a Naughty Dog continuou mexendo no jogo, criando uma versão para PS4 Pro com resolução e framerates melhores, além de suporte a HDR.

A jogabilidade também não envelheceu. The Last of Us tem opções de dificuldade, checkpoints automáticos e um sistema esperto que faz popar mais munição quando precisa, assim evitando que o jogador fique travado sem chances de vencer. The Last of Us é um jogaço, e mesmo sua versão original, lá no PS3, ainda é um dos melhores jogos de todos os tempos. Então pra quê gastar tempo e recursos para refazer o jogo completamente? Que vantagens ele pode trazer?

Sim, vidros quebrando de formas mais realistas, sombras mais elaboradas, barbas mais peludas. Esse tipo de coisa dá um trabalhão para fazer. Mas, ao mesmo tempo, é muito difícil de notar se você não colocar as imagens lado a lado. O primeiro trailer oficial de The Last Of Us Part 1 me fez pensar apenas uma coisa: ué, tá igualzinho! Só quando começaram a sair as imagens de comparação, literalmente colocando a mesma cena lado a lado, fui ver as diferenças. E mesmo assim é quase como um “jogo de sete erros”.

THE LAST OF US REMAKE: POR QUE SIM?

Então vamos entrar agora nos motivos que levaram o remake a existir. É importante dizer que eu não entrevistei funcionários da Naughty Dog ou da Sony. Os motivos abaixo são uma análise minha, que você pode até chamar de especulação. Mas é o que acredito que está por trás dessa decisão. E, se você tem outros motivos possíveis, ei, me conta nos comentários.

Outro comentário: até o momento em que escrevi este texto, eu não tive acesso a The Last of Us Part 1. Isso aconteceu depois de este texto estar escrito, mesmo o review em questão tendo sido publicado antes deste. Para opiniões e informações de como o remake é, basta ler nossa análise The Last Of Us Part I. Então vamos aos motivos para sua existência?

MOTIVO 1: A SÉRIE DA HBO

HBO está produzindo uma série de The Last of Us que promete ser muito fiel ao game. E acredito que será muito boa, dado o histórico da emissora com séries de prestígio. E é batata que isso vai trazer novas pessoas ao game. Daí, um potencial interessado pode ver que o jogo disponível é de 2013, em uma versão remasterizada em 2014, e se desanimar. Todo mundo sabe que games não envelhecem bem. E nós, antenados, sabemos que The Last of Us ainda é bom de jogar hoje, mas gente que nunca ouviu falar da série antes e adquirir este interesse em 2022, pode ficar com receio. É um receio que um remake moderno eliminaria, mesmo que as diferenças reais entre ele e o original sejam difíceis de perceber para quem já o conhece.

Isso também possibilita que a nova versão tenha as extensas opções de acessibilidade que ficaram comuns em jogos desse porte hoje em dia. É verdade, e eu concordo: isso poderia ser colocado no Remastered com um patch. Quando o joguei em 2014, em sua versão original, e depois novamente em 2020, fiquei surpreso com o quanto ele tinha mudado e melhorado nestes seis anos. Então parece que o acréscimo de opções de acessibilidade poderiam estar dentro do escopo. E daí entramos no cerne da questão.

MOTIVO 2: O BOM E VELHO CAPITALISMO

Criar essas opções de acessibilidade deve dar um trabalho absurdo. E, intelectualmente, sabemos que este trabalho deveria ser remunerado. Porém, comercialmente, se a Sony passasse a vender um “pacote de acessibilidade” para The Last of Us Remastered, isso pegaria MUITO mal. Já pensou um cadeirante ter que pagar para usar uma rampa? A gente sabe que criar a rampa custa dinheiro e trabalho, mas não é justo fazer o cliente pagar por isso. É melhor simplesmente incluir em um remake que não daria tanto trabalho para desenvolver e que justificaria vender de novo o mesmo jogo a preço cheio. Aliás, mais do que cheio.

The Last of Us foi vendido em 2013 por 60 dólares. Ele incluía campanha e multiplayer. A versão remasterizada ainda incluía o DLC Left Behind, sem perder o multiplayer. Pelo mesmo preço. The Last of Us Part 1 inclui apenas as campanhas (original e DLC) – sem fases ou conteúdo de história adicional. Até a dublagem original é a mesma, os atores não regravaram suas vozes e performances. E mesmo com muito menos conteúdo, está sendo vendido a 70 dólares, o preço padrão de um game first party de PS5.

BLÁ-BLÁ-BLÁ-INFLAÇÃO E O THE LAST OF US REMAKE

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Essa barba gloriosa dá muito trabalho para fazer, mas faz muita diferença para você?

Ok. Mesmo assim, precisamos concordar que o trabalho para atualizar os gráficos, colocar mais pelinhos na barba do Joel, é muito mais rápido e fácil do que desenvolver o Joel do zero. Isso incluiu, originalmente, desenhos originais, testes com atores, gravação de vozes e performance, todas as animações. É muito mais trabalho. Isso sem falar no level design, na criação da história. Todo esse trabalho criativo será simplesmente reutilizado no novo game. The Last of Us Part 1 é como reformar uma bela mansão. Dá trabalho, e é caro, mas não tão caro quanto criar a mansão do zero quando nem as plantas existiam.

Isso causa um certo mal estar, pois ao cobrar 70 dólares por The Last of Us Part 1, a mensagem é que ele é um produto de tanto esforço e investimento quanto Ratchet & Clank: Rift Apart ou Returnal, o que não é verdade. Isso faz com que o preço de 70 dólares pareça bastante salgado para o que de fato está sendo vendido.

Mas o público em geral não vê isso. Um jogo novo é um jogo novo. Estamos habituados a um jogo custar um preço padronizado. E o preço de um jogo novo da Sony em 2022 é 70 dólares. Algumas pessoas mais antenadas, como você ou eu, podem questionar isso. “Este remake não vale 70 dólares”, dizem muitos. Mas a Sony não precisa responder, e muitos aceitam o novo preço. Além disso, há toda uma outra discussão que diz que, The Last of Us, como obra cultural, para aqueles que ainda não possuem o game ou não conhecem a história e o gameplay, vale SIM 70 dólares. E eu também concordo com isso.

QUANTO VALE UMA OBRA CULTURAL?

Isso é uma pergunta bem pessoal. Dinheiro tem valores diferentes para pessoas diferentes. Arte e cultura também. Não é porque o Remastered está disponível a preços mais acessíveis que a obra em si vale menos.

Algumas empresas, como a Nintendo, nunca diminuem o preço dos seus jogos. A Sony diminui, e até pode colocá-los em serviços de assinatura. Mas isso é a estratégia de marketing das empresas. A forma que elas acham a melhor para vender suas obras. Falando por mim, da qualidade que The Last of Us tem, e do impacto que a série teve na minha vida, sem dúvida tudo isso valeu/valeria 350 reais (o preço cobrado pela versão digital na PSN).

Mas é claro, eu também não jogo dinheiro fora. Se eu posso comprar quase a mesma coisa – inclusive com mais conteúdo – por menos que isso, por que pagaria mais? A Sony está contando que muita gente não vai pensar assim, e vai preferir comprar o remake a 350 golpinhos do que pagar uns cinquentão no game de 2014.

MOTIVO 3: TIMING – OU POR QUE TLOU E NÃO UNCHARTED OU GOD OF WAR?

The Last of Us Part 1, como já estabelecemos, é um projeto mais “fácil” do que um novo jogo. E ele vem para preencher um final de ano muito carente em grandes lançamentos. Em especial, em todo o segundo semestre de 2022, os únicos lançamentos de PS5 da Sony são este remakeGod of War Ragnarok. Por mais que God of War Ragnarok seja um provável game of the year, é um calendário relativamente vazio.

No lançamento do PS5, que muitos consideram que teve pouco jogo novo, só a Sony lançou SackboyDemon’s SoulsMiles Morales. E ainda tinha Godfall, que não era da Sony, mas na época era exclusivo de PS5. 2020, o ano vazio, teve quatro “exclusivos de Playstation” no fim do ano, e dois deles só podiam ser jogados no PS5. God of War Ragnarok, assim como Gran Turismo 7Horizon Forbidden West, também estão disponíveis no PS4.

Sem The Last of Us Part 1, a Sony ficaria todo o ano de 2022 sem nenhum game que só poderia ser jogado no PS5. E sim, isso também acontece com a Microsoft e seu Xbox, mas neste momento as estratégias de marketing das duas empresas estão mais diferentes do que nunca. E acredito que ficar um ano inteiro sem nenhum jogo “apenas no PS5” não seria aceitável para a Sony. A rapidez com que The Last of Us Part 1 poderia ser desenvolvido, e o timing feliz com a série da HBO se combinaram para que este fosse o remake escolhido, ao invés, por exemplo, de um Uncharted ou God of War, que poderiam se beneficiar mais de um remake.

MOTIVO 4: CAPACITAÇÃO TÉCNICA

“Tá bom, Corrales, mas por que então a Sony não dá The Last of Us na mão da Bluepoint, que só faz remakes, ao invés de gastar a Naughty Dog nisso?”. Boa pergunta, delfonauta imaginário. Eu tenho uma resposta para isso também.

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Mas antes: encontre as sete diferenças!

É sabido que o desenvolvimento de The Last of Us Part 2 foi bem difícil. A Naughty Dog perdeu muitos de seus veteranos durante a criação do jogo. Muitos insiders disseram na imprensa estrangeira que “um time com mais experiência não teria demorado tanto para criar o jogo”. E, convenhamos, estamos falando de uma empresa que, de 2007 a 2013, lançou três Uncharteds e um The Last of Us. São duas novas IPs e duas continuações completas em seis anos. Um novo game fantástico a cada dois anos. Esses caras produziam muita coisa de muita qualidade em muito pouco tempo.

Depois disso, eles diminuíram o ritmo consideravelmente. Para PS4, lançaram apenas Uncharted 4 The Last of Us Part 2 (The Lost Legacy, como um projeto menor, conta menos, mas ainda deu mais trabalho do que este remake). Duas continuações, nenhuma nova IP. E, entrando na geração do PS5, eles estão na nada invejável posição de ser uma empresa com fama de produzir o que há de melhor nos games, sem ter de fato boa parte das mentes criativas que foram responsáveis pelo seu sucesso.

Assim, The Last of Us Part 1 acaba funcionando como um treino. Uma forma de capacitar esses profissionais em criar o que de melhor um game de PS5 pode mostrar, mas com menos investimento e responsabilidade do que com um jogo “novo”. E a enorme vantagem de poder entregar e ter um produto nas lojas gerando renda em menos tempo.

A DECEPÇÃO

Pois é, eu também fico decepcionado em ter a Naughty Dog trabalhando num remake sem muitos atrativos por dois anos, considerando que este era o tempo que ela levava para fazer um novo jogo do zero (inclusive o primeiro The Last of Us). Mas este é o mundo que vivemos.

Eu pensei bastante nisso, e porque este remake foi feito. Estes são os motivos que me parecem mais prováveis de estarem por trás do lançamento desta semana. Talvez haja outros. Talvez eles estejam errados. Como falei no início, esta é basicamente uma reflexão minha.

Quando o game foi anunciado, eu postei um fio no Twitter (já me segue lá, aliás?) sobre isso, mas meu pensamento evoluiu muito desde então, a ponto de inspirar este texto enorme que você está lendo. Tem algo a acrescentar? Então, meu camaradinha, a conversa continua nos comentários. Te espero lá!