God of War

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O delfonauta mais dedicado já sabe quão insatisfeito estou com o mundo dos games atualmente. É incrível o estrago que jogos como GTA fizeram. Agora 98% dos jogos envolve missões opcionais chatíssimas e a ainda mais chata obrigação de ir até as fases para começar a jogar “de verdade”. Nos jogos atuais, você passa 60% dos games nas fases e pelos menos uns 40% indo até elas. E a ação. Deus, o que aconteceu com os jogos de ação? Será que as desenvolvedoras acham que a definição de “ação” é empurrar caixas para lá e para cá?

Pois é, com isso, pessoas como eu ficam extremamente carentes de jogos que focam na porrada, no “matar inimigos” per se, entende? E mesmo quando achamos jogos tremendões, com um sistema de combate cabuloso, acabamos passando mais tempo backtracking (a mania chata de voltar por cenários pelos quais você já passou – e por onde já matou todos os inimigos – como uma tentativa desesperada de dar a impressão que o game é maior do que realmente é) ou empurrando caixas do que chutando traseiros. Um bom exemplo disso é o Devil May Cry 3, que tinha tudo para ser tremendão, mas peca justamente ao privilegiar elementos secundários sobre a ação. Será que sou só eu ou o delfonauta também sente falta de jogos onde o único objetivo é matar inimigos?

Bem, outro que entra nessa descrição é este God of War, que é um dos melhores jogos de PS2 que já tive o prazer de jogar, mas infelizmente sai do páreo dos melhores jogos da história (e abre mão do Selo Delfiano Supremo) por não focar onde deveria: nos seus elementos de beat’em up. Mas vamos por partes.

God of War é maravilhoso. A começar por sua história. Você controla Kratos, um espartano com uma personalidade bem semelhante à do Wolverine e que, assim como o carcaju, também é atormentado por seu passado. O que aconteceu para traumatizar o cara é contado aos poucos e só será 100% revelado próximo à batalha final. Mas o desavisado jogador já especula que deve ser algo horrível, pois o objetivo para Kratos sair matando metade da Grécia é justamente ser perdoado pelo que ele fez.

Mas calma, sair matando metade da Grécia? Vamos por partes. O jogo começa em um navio que está sendo atacado pela Hidra (não a organização criminosa dos quadrinhos da Marvel, o bicho mitológico mesmo, aquele em que cada cabeça que você corta faz crescer mais uma). Então, para se defender, você sai cortando várias cabeças do bicho ao longo da fase (provavelmente Kratos não manja de mitologia), enquanto mata seus soldados e boa parte da tripulação indefesa que fica pedindo ajuda sem parar. Até que no final, você encontra o cabeção da Hidra (que tem o triplo do tamanho das outras que você cortou no caminho) e tem que pirá-lo (não resisti à referência). Essa fase inteira e a própria luta com a Hidra é fenomenal e é ação pura. Mas o jogo esfria bastante depois disso.

Passada essa primeira fase, o navio chega a Atenas, que está sendo atacada por Áries, o deus da guerra. A deusa Atena, então, aparece para Kratos e promete perdoar o passado do herói (herói?) se ele matar Áries. Pois é, delfonauta. Seu objetivo neste jogo é matar um deus. Tremendão, hein? Para tanto, você precisa da caixa de Pandora, a única arma que pode permitir a um mortal matar um deus. Mas chegar nela não será fácil, pois ela está escondida em um templo repleto de armadilhas.

A partir daí, o bombadão sai em sua busca, deixando uma contagem de corpos absurda pelo caminho. Seus inimigos variam entre minotauros, medusas e harpias a até zumbis, além de muitos outros bichos saídos diretamente da riquíssima mitologia grega. Claro que vários elementos, como a própria natureza da caixa de Pandora (que ficou deveras decepcionante) foram modificados para servir à história do jogo, mas muitos outros, como a possibilidade de voltar dos domínios de Hades (para onde os mortos vão) à vida são devidamente explorados, levando aqueles que admiram o tema (como eu), ao delírio. E o final, uh-la-lá. Não se trata exatamente de um jogo difícil (a não ser que você escolha as dificuldades maiores), mas não dá para evitar de se sentir um tremendão quando você, por exemplo, resolve o templo de Pandora, ou realmente chega ao ponto de matar um Deus ou, principalmente, ao conhecer o destino final de Kratos, o qual eu não vou estragar aqui, pois é absolutamente recomendável que você jogue até o final.

O jogo é contínuo, ou seja, não é dividido em fases, a não ser por duas exceções, o navio do início e os domínios de Hades. Essa opção até é legal, pois temos a impressão de que estamos fazendo um tour pela Grécia antiga acompanhados de Kratos, mas a julgar pela luta contra a Hidra, poderiam existir outros chefes legais no caminho. Você só vai encontrar mais dois “grandes inimigos” além do primeiro e nenhum deles é tão legal quanto o monte de cabeças da grande serpente.

Ah, sim, como você está em uma missão pelos deuses, eles freqüentemente aparecerão para conceder as habilidades de utilizar os poderes deles. Você vai aprender com Zeus a atirar raios, com Hades a convocar almas perdidas para lutar por você e vai até mesmo arrancar a cabeça da Medusa e utilizá-la para petrificar seus inimigos e depois destruí-los. Mas o mais legal mesmo você aprende logo no começo do jogo, que é o poder de Poseidon, muito útil para as lutas contra os imensos Trolls que vão bloquear seu caminho.

Tecnicamente, God of War também é um espetáculo. Os gráficos estão entre os melhores que já vi o PS2 fazer e a trilha sonora é cabulosa, com faixas orquestradas tremendonas e pomposas, bem do jeito que eu gosto. Infelizmente, como já é padrão nos malditos jogos atuais, as músicas não tocam o tempo todo, apenas em momentos pré-estabelecidos, como quando você tem que destruir algumas dezenas de inimigos de uma vez ou no combate com os chefes.

Outra vantagem é que, quando você morre, volta bem pouco, então dificilmente será obrigado a jogar novamente 20 ou 30 minutos como costuma acontecer nos jogos atuais. Os pontos de saves também estão bem espalhados pelo mundo e, quando você estiver a fim de parar de jogar, é bem provável que encontre um nos próximos minutos.

O combate também é tremendão. Tem alguns combos e vários golpes e você freqüentemente terá oportunidade de fazer upgrades para aprender novas habilidades. A única coisa chata é a forma que escolheram para fazer isso. Você vai, durante todo o jogo, coletando bolinhas vermelhas, que servem como dinheiro. Quando você vai comprar upgrades, ao invés de simplesmente escolher o que quer, precisa ficar segurando o botão enquanto a sua quantidade de bolinhas vai diminuindo. No início, isso não parece ser um grande problema, pois são necessárias menos de 1000 bolinhas. Mas próximo à batalha final, os upgrades custam mais de 10000, o que fará com que você passe uns três minutos só segurando o botão esperando pagar o preço. Acredite, é um saco.

Mas se esse fosse o único problema, God of War seria digno do Selo Delfiano Supremo. Infelizmente, tem mais defeitos e são as malditas caixas a serem empurradas. Em determinado momento no templo de Pandora, você tem que empurrar uma caixa ladeira acima, o que já seria chato para burro. Mas não satisfeitos, ainda aparecem inimigos que ficam batendo em você. Um golpe que eles acertam faz você largar a caixa e ela desce pela ladeira, obrigando o pobre jogador a começar tudo de novo e a considerar seriamente a idéia de quebrar seu controle. E nem adianta matar os inimigos, pois aparece mais pouco depois que você mata. Esse é um dos momentos de games mais frustrantes que já vi. Tem horas que você está nos últimos metros e o bicho acerta você. Não consigo entender como os desenvolvedores acharam que um desafio desses seria divertido.

Outro momento muito chato é imediatamente antes de chegar ao templo de Pandora. Você está em um deserto enorme e tem que encontrar três sereias e matá-las. A única coisa que você tem para ajudar a guiá-lo é o som do canto delas. Mas, como você já deve saber, o surround do PS2 deixa muito a dever, ou seja, você tem que se virar praticamente sozinho. É um saco.

Tirando esses dois momentos que são os piores (quiçá até da história dos videogames), ainda existem muitos outros puzzles e coisas que acabam afastando você da ação, principalmente no templo de Pandora, onde você vai passar praticamente metade do jogo.

Ainda assim, recomendo God of War com todas as minhas forças pois, apesar dos defeitos, se trata de um dos melhores da safra atual. O mais triste quando você acaba de jogá-lo é pensar como os desenvolvedores chegaram perto de fazer um beat’em up fenomenal, mas escolheram piorar o jogo colocando puzzles pentelhos e genéricos, que poderiam ser encontrados exatamente iguais em quase qualquer outro jogo da atualidade. O combate, a história e o prazer que dá matar monstros da mitologia grega, contudo, só podem ser encontrados aqui. E é justamente por isso que, se você ainda não experimentou God of War, deveria. Sério mesmo.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
god-of-warAno: 2005<br> Gênero: Beat'em up estragado por puzzles genéricos<br> Plataforma: PS2<br> Fabricante: Sony Computer Entertainment America<br> Versao: PS2<br> Distribuidor: Sony Computer Entertainment America<br>