Administração de franquias é uma coisa engraçada. O primeiro Battletoads saiu em 1991 apenas para Nintendinho. Daí, até 1994, saíram cinco jogos diferentes, o último sendo Battletoads Arcade. E depois disso, mais nada. 26 anos depois, agora sob os comandos da Microsoft, os sapos ninja retornam para um novo jogo. E é o terceiro diferente a ter o mesmo nome. Esta é nossa análise Battletoads (2020).

ANÁLISE BATTLETOADS (2020)

Battletoads ganhou uma fama – discutível, porém merecida – de ser um dos jogos mais difíceis já feitos. E de fato, lá em 1991, ele fazia um monte de coisas que não eram comuns – e nem bem vindas. Por exemplo, se um jogador morria, ambos voltavam para o checkpoint. Se um perdia todas as vidas, os dois tinham que usar um continue e voltar ao início da fase. Era um jogo punitivo e injusto. Mas éramos crianças. Eu tinha 11 anos em 1991, e devo dizer que gostava dele.

A maioria das pessoas chegava até a famosa fase do jet ski, e ficava presa lá. Mas eu fui mais longe. Na verdade, eu fui BEM longe. Nunca consegui acabar de forma justa (só depois, usando os saves ilimitados dos emuladores), mas fui bem longe. Minha contraparte mirim chegava ao ponto de fazer mapas em papel para saber onde deveria ficar naquelas partes cabeçudas em que você precisava desviar de obstaculos rapidamente. Eu nunca faria isso hoje em dia.

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Por isso, tinha um certo receio dessa nova versão. Será que valeria a compra? Eu definitivamente não encararia um jogo com a dificuldade pela qual a franquia ficou famosa. E, ao mesmo tempo, será que os devs teriam a pintudice de deixar o jogo mais fácil, ou pelo menos mais justo? Pois eu tenho uma boa notícia!

NERFARAM BATTLETOADS

A gente vive atualmente uma época de jogos que se orgulham de serem inacessíveis e extremamente difíceis. Quem diria que Battletoads, logo Battletoads, iria contra a corrente? O jogo tem três opções de dificuldade (sabendo da história da franquia, eu escolhi gloriosamente a mais fácil, mas acredito que dava para jogar no “normal”). Mas isso é só o início da sua acessibilidade.

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Você pode alternar entre os três sapos a qualquer momento. Mesmo jogando sozinho, se um deles morrer, é possível revivê-lo. E, se não conseguir, ele volta a ficar selecionável depois de uns 15 segundos. Assim, dificilmente é realmente necessário restaurar um checkpoint. Tem áreas mais cascudas? Tem, mas não é nada demais. E, se forem, é possível ativar uma opção de invencibilidade, o que possibilita passar por qualquer área sem nenhuma dificuldade.

Battletoads de 2020, ao contrário da maioria dos jogos lançados em 2020, é uma experiência que pode ser curtida por qualquer pessoa.

UM BEAT’EM UP COM MINIGAMES

A maioria das pessoas se lembra de Battletoads como um beat’em up, mas isso é uma lembrança míope, causada pelo fato de que poucas pessoas viram o que o jogo apresentava depois da fase do jet ski.

Aqueles que foram mais longe nos jogos principais, o Battletoads de Nintendinho e o Battlemaniacs de SNES, devem se lembrar que o jogo tinha, sim, características de beat’em up, mas que cada fase apresentava uma nova mecânica. Tinha a fase do rapel, do jet ski, do surfe, das corridas, do aviãozinho, e outras que eram plataformas 2D. No original, estas mecânicas eram bem misturadas. A fase do jet ski, por exemplo, começava como beat’em up, e daí você achava as motinhas e as mecânicas mudavam. Já em Battlemaniacs, cada fase era como um jogo diferente, sem as mecânicas se misturarem.

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A fase do jet ski agora é em 3D.

Battletoads de 2020 segue a linha do Super Nintendo. Cada fase é uma mecânica. Várias delas são simples “ande para a direita e porre todo mundo”, mas tem puzzle plataforma, navinha e uma infinidade de minigames.

Meu principal problema com ele é o timing das fases. Eu joguei Battletoads em duas sentadas. Na primeira, ele foi quase exclusivamente um beat’em up. Daí, na segunda, simplesmente não teve mais porrada. Todas as fases mais arcade estão na primeira metade do jogo, e depois elas somem completamente. Se tivesse seus gêneros mais intercalados, ele seria MUITO superior. Especialmente porque, na minha segunda metade, eu estava sinceramente cansado de QTEs e minigames e queria um pouco da violência sapal pela qual a série ficou conhecida.

BEAT’EM UP

A verdade é que mesmo quando estava nas fases de porrada, eu estava ficando um pouco cansado, e isso é mais um argumento a favor da intercalação dos gêneros. Elas usam um tipo de level design cansativo. Basicamente, você anda para a direita, a tela para de andar, um monte de inimigos se teleporta. Ao vencer todos, você pode andar mais um pouco e a rotina se repete. Você pode argumentar que o gênero funciona assim, o que é relativamente verdade. Porém, jogos como Streets of Rage 4The Takeover e mesmo os Battletoads antigos faziam um melhor trabalho na introdução dos inimigos.

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O combate, pelo menos, é uma delícia. Battletoads sempre foi marcado pelo exagero. Por um socão transformar as mãos do sapo em uma marreta. Nesta edição de 2020, a coisa é ainda mais exagerada e divertida. Na imagem acima, por exemplo, você vê que o Rash virou um tubarão – de óculos escuros, claro. Descobrir todas as coisas absurdas que os sapos podem virar é um dos prazeres do jogo, e eu ainda estava descobrindo novos golpes e combos depois de um bom tempo de campanha.

Também é muito legal poder alternar entre os três sapos a qualquer momento, com apenas um toque no direcional. Isso ajuda as fases de porrada, que são um tanto repetitivas, a ganharem uma bem-vinda variação. E todos os sapos são legais de controlar, embora eu tenha desenvolvido uma afeição especial por Zitz. Experimente começar um combo com X, usar o Y para jogar o inimigo no ar e continuar porrando com o X. É uma sequência deveras satisfatória, que só funciona com Zitz.

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As fases de porrada são intercaladas com alguns puzzles simples, e o legal é que, depois de tentar e falhar algumas vezes, você pode escolher pulá-los. Eles são fáceis o suficiente para eu não precisar usar isso, mas é o tipo de opção de acessibilidade que eu vejo com bons olhos.

OUTROS GÊNEROS

Há alguns escapes de porrada nas primeiras fases, mas o grosso vem depois da metade, quando a porrada some completamente. Tem duas que são as mais elaboradas e frequentes. Em uma delas você controla uma navinha com comandos de twin stick shooter.

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Twin stick shooter.

A outra muda o gênero para um puzzle plataforma. Você deve arrastar caixas e mover elevadores para descobrir como avançar. Nessas, o curioso é que você passa a controlar personagens genéricos, o que admito que me incomodou um pouco. Mas o gameplay, embora não seja tão criativo, ainda é agradável.

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Puzzle plataforma.

Além desses dois estilos, que aparecem várias vezes, temos one shots também legais, como o já citado “jet ski em 3D” e uma em 2D que remete ao jet ski original, lá do Nintendinho – completo com aquela música famosa.

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A nova fase do jet ski em 2D.

O bicho pega mesmo é na quantidade de minigames aleatórios, que são nada mais do que QTEs. Lembra aquele minigame da privada, em South Park: A Fenda que Abunda Força? É nesse nível (mas felizmente sem o humor de banheiro). Ou então são coisas bem simples, como apontar o direcional na direção dos obstáculos e apertar o botão. Nada disso é realmente interessante. E teve um minigame que se tornou realmente irritante.

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Esse! Eu odiei esse!

Nesse você deve olhar a sequência de símbolos que está na parte de cima da tela, e então procurar pelo mesmo símbolo na parte de baixo. E daí descobrir o que deve ser feito no minigame para passar para o próximo símbolo. Eu até vejo que isso pode ficar interessante em grupo, pois lembra um bocado minigames semelhantes que costumam aparecer em Mario Party. Porém, jogando sozinho é trabalhoso e entediante.

Ah, e já que falamos nisso, Battletoads tem coop de sofá para três pessoas simultâneas, mas não dá para jogar online. Particularmente, eu prefiro coop local, mas seria bom ter as duas opções.

A HISTÓRIA

Agora sabe o que, surpreendentemente, é o mais legal neste Battletoads de 2020? A história! Ela é totalmente realizada, contada em lindos desenhos animados, dublados (em inglês e apenas em inglês) por excelentes atores. A estética e a animação é linda, mas o que realmente se destaca é o humor.

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As cutscenes estão entre as mais bonitas e engraçadas do ano.

Eu não estou exagerando ao dizer isso: a história me fez gargalhar alto muitas vezes. Os Battletoads antigos não eram desenvolvidos, e mesmo a Dark Queen só aparecia no começo das fases dizendo coisas como “desse desafio vocês não passam, bwa-haha!”. Então coube aos roteiristas criar personalidades reais e tridimensionais para estes personagens, e eles fizeram isso muito bem. Em especial Zitz, que talvez seja o sapo menos lembrado da turma (afinal, ele não é forte e não usa óculos) arrancou a maioria das minhas risadas, graças à sua liderança insegura.

ESTÉTICA

A estética também é curiosa, já que é bem diferente da clássica. Originalmente, Battletoads era claramente inspirado por Tartarugas Ninja, a ponto de que aqui no Brasil, ele era chamado pelas crianças como “Sapos Ninja”, mesmo não sendo ninjas. O visual deste novo jogo acabou seguindo a mesma linha das reimaginações recentes de desenhos antigos, como Thundercats ou as próprias Tartarugas Ninja. É um visual mais simples e caricatural, mas ainda é bonitinho e simpático. Inclusive, o jogo deu uma freada na violência dos originais, e agora tem um jeitão bem mais família.

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A que mais mudou acabou sendo mesmo a Dark Queen. Ela tinha um visual femme fatale, meio S&M, e agora ela virou uma menininha fofa. Ela não parece a Dark Queen, mas a filhinha da Dark Queen, o que achei uma decisão curiosa. Não ruim, entenda, mas apenas curiosa mesmo.

As cutscenes são longas e presentes a rodo. Muitas vezes, especialmente quando elas intercalam fases de minigames, você fica mais tempo assistindo do que de fato jogando. Ainda bem que assisti-las é um prazer.

Também vale destacar a música, um delicioso heavy metal, que traz de volta versões tocadas por bandas de verdade das músicas antigas (que, você sabe, originalmente eram chiptunes), mas que se dá bem mesmo nas novas composições. Se Mario dá vontade de jogar cantarolando, Battletoads é feito para jogar batendo cabeça.

ELES NÃO SÃO NINJAS, SÃO PORRADEIROS!

Battletoads não é um jogo longo. Na minha primeira campanha, assistindo a todas as cutscenes e jogando com calma, ele durou exatas três horas. Particularmente, eu gostaria que ele tivesse a ousadia dos jogos clássicos em brincar com mais gêneros, e menos com minigames e QTEs.

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Por exemplo, mecânicas clássicas, como o surfe, o rapel, ou a popular fase das cobras (que apareceu até em Guacamelee!) não aparecem aqui, e isso faz falta. Se eu fosse resumir essa resenha dizendo o que gostaria de ver em uma possível continuação seria que ela se arriscasse por mais gêneros (o twin stick shooter, por exemplo, é um passo na direção certa) e os intercalasse melhor, de preferência várias vezes na mesma fase, como na versão de Nintendinho.

Assim, Battletoads de 2020 está longe de ser o jogo do ano, e mesmo de ter valido a pena esperar 26 anos por ele. Dito isso, tem uma história bacana, um audiovisual caprichado e um gameplay satisfatório. Acaba sendo um jogo que faz todo o sentido estar no Game Pass (e ele está, a partir de hoje). Acho que qualquer pessoa pode se divertir por algum tempo com ele, o que não era verdade com os Battletoads clássicos.