Eu já joguei e cobri muitos games brasileiros. Porém, acredito que nem em Dandara eu vi um universo que me é tão familiar como o que ilustra Punhos de Repúdio. Ora pois, com certeza a imagem abaixo lhe causa algum sentimento, certo?

Análise Punhos de Repúdio, Punhos de Repúdio, Pulling no Punches, Delfos

Pois Punhos de Repúdio, ou Pulling no Punches em seu título internacional, é exatamente o que parece. A história é sobre uma pandemia que faz com que as pessoas tenham que ficar em casa. Mas um bando de boçais, apoiado pelo presidente mau caráter, se recusam a fazer quarentena e mesmo a usar máscaras. Um grupo de garotas resolve escrever uma carta de repúdio. Com os punhos. Eis o surgimento do beat’em up mais brasileiro já feito.

ANÁLISE PUNHOS DE REPÚDIO

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Punhos de Repúdio parece muito – MUITO MESMO – com aquele beat’em up do Scott Pilgrim. A ponto de que poderia ser literalmente um mod. Há quatro personagens que vão ganhando novos golpes conforme pegam colecionáveis, mas a evolução fica limitada ao personagem escolhido. Assim, embora seja possível trocar de personagem no meio da campanha, você é punido se decidir fazê-lo, porque isso te deixa zeradinho.

A sensação de brigar é bem semelhante também ao game da Ubisoft, assim como o fato de que as fases são escolhidas em um mapa. Comandos e combos são parecidos. Dá para levar um lanche para consumir durante as fases. Eu só não consegui descobrir como comer o lanche, então acabei parando de comprar depois de um tempo. Tem também um monte de gente “do bem” na rua, usando máscaras, que se encolhem quando você bate neles, mas não são inimigos.

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Olha só quanta gente do bem!

E assim, Scott Pilgrim vs. The World The Game foi muito legal em 2010, quando a gente quase não via beat’em ups. Quando foi relançado, em 2021, já não era mais muito bom. O mercado evoluiu muito, com muitos novos lançamentos muito legais nos últimos anos. Então escolherem pegar tanto de um jogo que hoje parece tão fraquinho é uma opção curiosa. Sobra a política. E isso é o que pode fazer ou condenar o jogo para você.

POLÍTICA

Particularmente, eu concordo com as ideias políticas representadas aqui. Usei máscaras por muito mais tempo do que o exigido por lei (nas cabines de imprensa, eu era o único que ainda ia mascarado) e acho que toda a argumentação em oposto era coisa de boçal, no mínimo, e de mau-caráter, no mais provável.

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Por falar em boçal, você já viu cara mais socável do que a desta NPC?

Então quando eu digo que Punhos de Repúdio não é muito bom, não o faço por discordar de suas ideias. Ele simplesmente não é um bom jogo mesmo. Porém, por eu concordar com as suas ideias, boa parte da experiência foi, sim, bacana. Foi legal bater numa galera usando as cores do Brasil, ver o presidente ficando bravo com minhas ações e eventualmente lutando contra ele numa batalha final.

Só que o jogo é bem curto, com apenas quatro fases, sendo que a quarta deve sozinha conter metade do jogo. Além disso, o chefe final é extremamente longo e dividido em dois estágios (ambos longos) sem checkpoint ou recuperação entre elas. E você sabe, este é um dos maiores pecados que um gamedesigner pode cometer. Então mesmo tendo gostado da campanha até a terceira fase, ao terminar a quarta, exclamei “até que enfim, nunca mais quero jogar isso”.

QUALIDADE DE TEXTO

O que acaba puxando Punhos de Repúdio muito para cima é a qualidade do seu texto. Este é um enorme problema na cultura pop feita no Brasil. A maioria de nossos escritores, quando sabe escrever corretamente, simplesmente não sabe escrever de forma coloquial. Então sim, parte da culpa das atuações nos filmes nacionais serem tão ruins recai sobre os atores. Mas eles não têm muito o que fazer quando o texto já não é bom.

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Veja bem, eu não estou falando de escrever errado, ou em miguxês. O que estou elogiando – e é raríssimo – são textos escritos em português de forma natural, como as pessoas falam. Isso deixa ler absolutamente tudo que está no jogo uma delícia. E faz com que o humor fique ainda mais forte, pelo menos para alguém que já se identifica com as ideias políticas que ele passa.

E o game traz muitas boas ideias, que são macetadas especialmente pelo texto. É o caso, por exemplo, de um supergolpe chamado “Trabalhador essencial”, que chama um motoboy para atropelar os negacionistas. Ou você ter, nas opções, a possibilidade de escolher entre “Estado de bem estar social” ou “Estado mínimo”. A diferença é o quanto você vai encontrar nas ruas de álcool gel e máscaras (resquícios de políticas públicas do passado), que dublam como a barra de vida e as 1ups. O sucateamento da saúde e educação pública é um assunto recorrente aqui em casa e é muito legal ver um jogo abordando esse tipo de tema, pela primeira vez na minha vida.

PUNHOS DE REPÚDIO PULLING NO PUNCHES

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Mas não dá para não voltar de novo para o grande elefante da sala. O fato de que, tirando sua temática e sua brasilidade, Punhos de Repúdio simplesmente não é muito bom. A arte é interessante, com seu visual “gibi adulto”, um estilo meio Beavis & Butthead. Porém, a música, por exemplo, é extremamente ruim, o que é uma falha grave em um beat’em up. Eu sinceramente já ouvi mais canais de áudio em Tamagotchis.

Agora o problema que mais afeta o jogo, e o que seria mais fácil de resolver, é a designação de botões. Nos consoles, ele está disponível apenas para Switch (as versões de Playstation e Xbox foram canceladas). E acredita que me colocaram o botão de pulo no A? Além disso, para pegar armas e outras coisas do chão, você precisa apertar B, não o botão de soco. Isso seria diferente, mas pode funcionar. Só que precisaria estar invertido. O B sempre pula. A função extra ficaria no A. E mesmo que por algum motivo os desenvolvedores acharem que tinha que ser assim, não vejo porque não permitir customização dos controles. Sabe o que eu tive que fazer?

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Isso.

Sim, eu tive que ir no menu de acessibilidade do Switch para mudar o comportamento dos botões do controle. Só que isso deixou tudo ainda pior, porque os controles são modificados no sistema, não no jogo. Então tudo que eu faria apertando o B e o A, dentro e fora do game, ficou invertido. Isso causava altos tilts na minha cabeça quando o jogo mandava eu apertar o A e eu precisava raciocinar se o que ele estava chamando de A era o A ou se na verdade era o B. Não foi legal, e é mais um motivo que aponta que Punhos de Repúdio foi feito pela política antes, e depois como um jogo.

POLÍTICA ANTES

E tudo bem também que Pulling no Punches tenha sido desenvolvido para passar uma ideia. Esta é a função da arte e da cultura no final das contas. Mas daí a pedir para as pessoas comprarem o jogo como um beat’em up, quando existem tantas opções melhores e mais polidas, complica bastante a recomendação.

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Embora não seja o caso, e certamente seria mais diplomático se fosse, Punhos de Repúdio parece algo que o governo atual faria. Algo institucional, para orientar as pessoas de forma lúdica, a ser distribuído de forma ampla e gratuita. Obviamente, não é isso. Punhos de Repúdio é um game comercial cujo maior diferencial é o quanto ele mostra o Brasil dos últimos anos. E é um ponto de venda bem forte, pelo menos para mim. Infelizmente, o game que recheia toda essa ideia, deixa muito a dever.