Em 2022, quando escrevi sobre os últimos dois Uncharteds de cabeça fria, comentei que gostaria de jogar novamente os três primeiros e escrever um para cada. Pois dois anos se passaram, e só agora eu tive tempo de jogar novamente o terceiro. Escolhi o terceiro por ser o mais curto e cinematográfico. Além disso, acredito que foi o que joguei menos vezes. A questão é que mesmo assim, eu joguei o maledeto um monte de vezes.

Segundo meu save, minha última campanha foi em 2015, provavelmente quando escrevi a cobertura do relançamento para PS4. Faz oito anos desde a última vez, sendo que todas as anteriores foram jogadas ao longo de quatro anos. Achei que não lembraria de quase nada, mas estava muito errado, pois parecia que tinha jogado outro dia.

UNCHARTED 3: DRAKE’S DECEPTION

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Uncharted 3 não é meu Uncharted preferido (o segundo é), mas é politicamente bem importante para mim. Isso porque o jogo representa o ápice dos games de ação cinematográficos. O mais exagerado, o mais virtuoso, o mais caro e difícil de fazer. E tudo isso em pouco tempo.

Tudo que a Naughty Dog lançou depois dele foi ficando cada vez mais aberto, culminando em verdadeiros mundos abertos em Lost LegacyThe Last of Us 2. É como se a desenvolvedora que mais contribuiu para a evolução dos jogos extremamente dirigidos tivesse vergonha do seu passado. E acho isso uma pena, pois games assim são, para mim, o ápice da mídia. Logo depois, a tendência foi mundo aberto, microtransações e durações infladas. Basicamente todo mundo virou a Ubisoft. Mas em 2010 nem a Ubisoft era assim. Tinha espaço para criar e jogos como Uncharted 3 mostram o poder desta mídia interativa.

UNCHARTED 3 É O ÁPICE DA MÍDIA INTERATIVA

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É lindo a câmera se afastar para você ver o tamanho do que está escalando.

Uncharted 3 é um filmão. Você pode falar isso de forma negativa ou positiva. Na primeira, você pode acusá-lo de não ter interatividade suficiente, de não precisar da agência do jogador. Lembro de um review da época reclamando que ele escalava não porque sabia onde ia sair, mas porque era o caminho que existia.

Pensando positivamente, isso faz com que todo o jogo tenha um contexto. Cada navio afundando, prédio pegando fogo ou mesmo os tiroteios mais banais têm diálogos e motivações extremamente específicos. E você passar por este conjunto de cenas, a seu tempo, controlando o herói, faz com que jogar Uncharted 3 seja muito mais legal e emocionante do que, por exemplo, assistir a um Indiana Jones.

Vejo hoje esta questão da experiência X gameplay não como a parte “filme” impedindo o game de brilhar. Mas sim como a parte game brilha muito mais por ser totalmente dirigida. Mais até do que um filme, livro, gibi ou qualquer outra mídia não interativa.

A QUESTÃO MERCADOLÓGICA

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Sim, entendo o fato de que jogos assim são mais caros de desenvolver e têm um teto de vendas já que exigem apenas uma compra. Além disso, muita gente os joga apenas uma vez e ainda os revende depois. Tudo isso contribuiu para que jogos assim rareassem até deixarem de existir. E acho sinceramente uma pena, pois artistica e criativamente falando, nada hoje é feito com esta qualidade.

Games como The Last of Us 2God of War Ragnarok, com seus mundos abertos, sidemissions, colecionáveis, crafting e moedas variadas são muito inferiores a experiências mais contidas, como A Plague Tale Requiem. Mas isso é questão de gosto. O que me deixa triste ao jogar Uncharted 3 é como games assim se tornaram raros, a ponto de que não dá para ter certeza se veremos um único lançamento nessa linha em um ano inteiro. A Plague Tale Requiem é de 2022 e foi o último de que me lembro.

Sabe lá quando teremos outro. Afinal, nem na Naughty Dog podemos contar mais para games assim. Não que eles tenham lançado alguma coisa que não seja relançamento nesta década, mas o caminho que eles estavam seguindo já estava claro antes. Por que não podemos ter games mais abertos e outros mais dirigidos? Parece-me que há público para ambos, mas como sempre estou dentro de um público que não é mais acatado.

FORMA X CONTEÚDO

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Essa sombra me impressionou muito.

Até agora falamos especificamente do conteúdo, mas eu tenho estudado também a forma dos games. O que envolve fazer coisas que muitos não percebem. Por exemplo, você sabia que uma das animações mais difíceis de se fazer é um personagem colocando uma roupa? Pois é.

Hoje temos muitas técnicas que ajudam a fazer coisas bacanas com menos trabalho do desenvolvedor. Coisas como ray tracingLumen e outras tecnologias ajudam em reflexos e sombreamento. Antes disso tinha que ser mais manual. E justamente por isso fiquei muito impressionado com coisas como a imagem acima, em que não apenas o personagem é sombreado pela árvore, mas pedacinhos de luz ainda a atravessam. A Naughty Dog era de um absurdo virtuosismo técnico muito antes de eu saber verbalizar isso. Eles estavam além da sua época não apenas no conteúdo, mas também na forma.

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Isso se torna bem claro na cena do barco, em que a física afeta os objetos da cena, que vão de um lado para outro enquanto você está no meio de um tiroteio. Este é o tipo de coisa que seria caro e difícil fazer até mesmo hoje em dia, mas cá está a Naughty Dog fazendo isso em 2011.

NATHAN DRAKE DE CABEÇA FRIA

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Se liga na água.

Por ser um jogo excelente, que para mim representava o glorioso futuro dos games (que nunca aconteceu), eu joguei Uncharted 3 muitas vezes. Assim, jogá-lo de novo em 2023 foi um tanto entediante. Tirando a parte técnica, que não tinha tanto repertório para perceber em 2011, eu simplesmente me lembrava de toda a história, todos os capítulos, até mesmo a localização de alguns tesouros.

Além disso, achei curioso que a Nathan Drake Collection não recebeu o mesmo amor de The Last of Us Remastered. O relançamento de The Last Of Us saiu para PS4 bem antes deste, mas recebeu um excelente suporte pós-lançamento. Se você rodá-lo hoje, vai ver que há muitas melhorias para PS4 Pro (e consequentemente PS5), como HDR nativo, maior resolução e taxas de quadros. Isso deixa o remake ainda mais desnecessário. Afinal, porque refazer o jogo inteiro se a própria versão de PS4 já foi tão melhorada? Ao mesmo tempo, porque escolher refazer o TLOU se Uncharted no PS4 ainda está preso a 1080 sem HDR?

TANTAS PERGUNTAS, E UNCHARTED 3 SEM RESPOSTAS

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Esta sombra não está realisticamente correta, mas deve ter dado muito mais trabalho para fazer do que os ray tracing de hoje.

Não tenho essas respostas, mas digo que ficaria mais animado se pudesse curtir a Nathan Drake Collection no meu PS5 com as melhorias que foram colocadas em The Last of Us Remastered (repare a diferenciação entre o Remastered e o remake, chamado de Part I).

Mas repare, este tédio que tive jogando Uncharted 3 em 2024 se deve apenas ao fato de que gosto tanto dele que já joguei sua história inteira muitas vezes. É verdade, muita gente não vê motivação para jogar algo assim várias vezes. Eu respeito isso. Mas gosto de reviver boas experiências. E o tédio em Uncharted 3 não é reflexo de um problema com o jogo em si, mas simplesmente no fato de que eu já tive esta experiência muitas vezes. Ainda assim, me vejo voltando a ele com muito mais tesão e facilidade no futuro do que, por exemplo, a Assassin’s Creed Valhalla.

Gostaria muito que em 2024 a Sony e outras desenvolvedoras de alto orçamento voltassem a variar seus cardápios, fornecendo aventuras mais intensas ao lado de outras mais abertas. Isso não deve acontecer tão cedo, mas pelo menos o mundo dos jogos de serviço está entrando em colapso. E mesmo jogos abertos e cheios de encheção de linguiça como God of War Ragnarok ainda são muito superiores a Destiny.

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