Experiência X Gameplay

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Um tempo atrás, eu li um texto de David Jaffe, diretor do primeiro God of War, em que ele falava um pouco sobre a dualidade experiência x gameplay nos videogames. Aqui está o texto completo, caso deseje ler antes de continuar este aqui.

Um detalhe desse texto me chamou muito a atenção: em um dos post-scripts, ele diz que as pessoas vivem perguntando se ele aceitaria voltar para um novo God of War. Ele responde que não voltaria com a fórmula atual, mas apenas se fosse algo mais focado no gameplay, e até cita que faria algo semelhante a Darksiders.

MITOLOGIA GREGA NO APOCALIPSE

A primeira versão deste texto foi escrita no dia oito de março de 2013. God of War: Ascension saiu na semana seguinte (12/3/2013) e, curiosamente, eu estava jogando Darksiders pela primeira vez (sim, o primeiro, e sim, estava atrasado). No momento em que escrevo essas linhas, tenho pré-comprada a nova aventura de Kratos e acredito que vou começar a jogá-la assim que terminar o Darksiders (como de fato fiz). Assim, embora tenha lido há alguns meses o texto supralinkado do David Jaffe, estou num momento em que essa comparação que ele fez faz bastante sentido para mim.

Qual é o ponto ideal entre experiência e gameplay? Na minha resenha de Uncharted 3, por exemplo, eu cito que ele está muito preocupado em parecer um filme. Tanto, aliás, que ele deixa de ser um jogo em muitos momentos. A série Uncharted sempre esteve bastante próxima de uma aventura cinematográfica, mas é fato que a balança entre gameplay e experiência foi pendendo para este último a cada nova aventura e, em minha opinião, teve um equilíbrio perfeito no segundo jogo.

Em Darksiders, eu acabo de terminar a Twilight Cathedral e de destruir Tiamat, o famoso dragão com peitinhos que tanto incomodou o Pixáiti em sua resenha, e nessa fase, o conceito proposto por Jaffe ficou realmente claro.

God of War é um jogo bastante linear. Todas as pessoas que terminaram o primeiro jogo passaram por aquele momento inesquecível em que você está escalando o Templo de Pandora e, lá embaixo, vê o colossal Cronos carregando o templo (e você) em suas costas, sem ter ideia da sua batalha.

Isso é muito legal, porém, para passar por isso, e mesmo chegar até o final, basta seguir o caminho do jogo. Você não precisa de um mapa do templo para navegar por ele. Não precisa sequer prestar atenção no caminho, pois é basicamente seguir sempre em frente.

Na Twilight Cathedral, em Darksiders, é totalmente o oposto. Quando eu peguei o mapa, e vi o tamanho do lugar, admito que fiquei um pouco receoso. “Como vou explorar tudo isso?”, pensei. Aos poucos, e com calma, no entanto, você começa a conhecer o castelo. Você encontra passagens fechadas, e algum tempo depois adquire as habilidades necessárias para passar por ali. Aí precisa lembrar onde estavam para conseguir voltar. Desta forma, Darksiders exige muito mais atenção do que God of War.

Uma pessoa que não está acostumada com videogames talvez não consiga terminar a aventura de Kratos por falta de habilidade. Talvez ela morra demais. Em Darksiders, no entanto, ela pode literalmente ficar presa na Twilight Cathedral porque o jogo não deixa claro para onde você deve ir, e se mover em um espaço digital, por mais que pareça banal para nós, gamers, é algo bastante complicado para alguém que não está acostumado com a mídia.

Lembro na primeira vez que joguei um desses jogos em que você pode andar em qualquer direção. Era Super Mario 64, e até mesmo andar para frente era difícil. Senso de localização, então, era praticamente impossível. Admito até que nunca consegui terminar Doom (a época era a mesma), não porque eu morria muito, mas porque em algumas fases mais complexas, eu literalmente não conseguia achar as chaves e o caminho. Hoje, jogando os Dooms antigos na coleção BFG Edition, eu consigo achar tudo tranquilamente, e isso deixa claro como estar acostumado com a localização em um espaço digital faz diferença.

UM NINJA APARECE

Uma série que chama a atenção nessa discussão é Ninja Gaiden. Acredito que é a franquia que mais mudou entre o primeiro e o terceiro episódios (falo, claro, apenas de sua versão moderna, desconsiderando os clássicos do Nintendinho) e dessa vez não me refiro à dificuldade.

O primeiro era bem semelhante a Darksiders, ou mesmo Devil May Cry. A partir do momento que você chega no Vigoor Empire (o que acontece na quarta fase, salvo engano), você ficará naquele cenário pelo resto do jogo. No início, várias passagens estarão fechadas, e conforme você vai adquirindo itens, vai abrindo as possibilidades. Desta forma, para você prosseguir, será necessário prestar atenção no mapa, e de fato conhecer o lugar. E na exploração, vai acabar lendo livros e vendo detalhes no cenário que contam a história daquele lugar. O Império Vigoor de Ninja Gaiden tinha uma história, uma cultura.

A próxima edição, Ninja Gaiden II, simplificou muito. Agora as fases eram totalmente independentes e, uma vez que você terminava um cenário, não voltava mais para ele. Ainda existiam bifurcações, itens e livros, no entanto, onde o jogador mais atento poderia absorver mais da cultura e da história dos Greater Fiends.

E aí veio Ninja Gaiden 3, um jogo de porrada em sua forma mais pura. Apenas um caminho. Sem itens, lojas ou upgrades. E um monte de quick time events. E as críticas foram péssimas. Embora eu não faça questão de itens, é fato que Ninja Gaiden 3 é um jogo raso. O combate continua bom, mas a sensação de que você está lutando com os malvadões do momento apenas para derrotá-los, andar mais um pouquinho e lutar com os mesmos inimigos de novo enfraquece o jogo. Não ajuda também o fato de que em cada combate você tem que vencer centenas de inimigos, tornando cada luta uma arena, e o game em si uma sucessão de arenas. Isso deixa o jogo entediante e cansativo, e nem os enormes chefes ou momentos cinematográficos salvam o tédio, pois logo tudo volta ao normal. Acredito que David Jaffe tema que a série do espartano de saias esteja seguindo pelo mesmo caminho.

Killzone 3, por exemplo, teve uma evolução semelhante. Eliminou os colecionáveis e se tornou basicamente um jogo de tiro puro. Porém, a variação dos cenários, chefes e inimigos, além de uma melhor dosagem na quantidade de vilões em cada batalha, faz com que ele não se torne entediante como acontece com o ninja Ryu Hayabusa.

OS NÃO GAMERS

Essa conversa toda também me fez reparar em algo interessante. Repare que foi justamente quando os jogos começaram a abrir mão do gameplay em função de histórias, mundos abertos e movimentação de câmera que a popularidade dos games diminuiu bastante. Eu conheço várias mulheres, por exemplo, que curtiam jogar até a época do Mega Drive, e depois disso pararam porque ficou muito complicado. Todo mundo jogava Mario, mas muita gente parou na mudança para o Super Mario 64, quando gameplay e experiência começaram a se misturar (na época de forma ainda bastante crua, com coisas como a câmera manual, que possibilitava enquadramentos de cinema).

Basicamente todas as pessoas, por mais distantes que sejam do cenário gamer, gostam de alguns tipos de jogos. E esses jogos estão nos extremos entre experiência e gameplay.

Exemplo: todo mundo joga e gosta de Tetris. Você pode nem fazer questão de jogá-lo com frequência, mas com certeza já o fez, e se divertiu fazendo. O mesmo vale para outros jogos que são puramente gameplay, como Guitar Hero. Eu nunca conheci alguém que tenha de fato experimentado o jogo na guitarra/baixo ou bateria e tenha falado “não, eu não gostei disso. Fiquei entediado o tempo todo”.

O mesmo vale também para games que são totalmente focados na experiência, praticamente esquecendo o lado “jogo” do negócio. Caso sua namorada não jogue videogames com frequência, experimente convidá-la a jogar Heavy Rain, The Walking Dead ou qualquer um desses novos adventures totalmente focados na história. Você sabe, me refiro a esses bem dinâmicos, que a história se desenrola quase sozinha, não aos clássicos da LucasArts, com seus puzzles complicados. Aposto que ela não vai querer parar de jogar até terminar a história. Afinal, esses jogos são basicamente filmes interativos, e todo mundo gosta de filmes.

No meio disso, entre Tetris e Heavy Rain, entre Rock Band e The Walking Dead, temos a imensa maioria dos jogos atuais, incluindo, é claro, God of War, Darksiders, Uncharted e Ninja Gaiden.

O PREÇO DA EXPERIÊNCIA

Outro ponto que me chamou a atenção no texto de Jaffe é que os jogos mais voltados ao gameplay vendem mais. Isso não deve ser novidade para ninguém, visto o sucesso de séries como Guitar Hero, Wii Sports, Angry Birds e o próprio Tetris, este já lançado para qualquer plataforma capaz de rodar jogos eletrônicos, mesmo que o foco da plataforma não sejam os jogos.

Ele diz que os jogos mais voltados à experiência em si, como os best-sellers God of War e Uncharted, também vendem bem, mas custam bem mais para serem feitos.

Isso coloca um novo item na nossa balança. Um item que pode explicar porque God of War III dura apenas seis horas, enquanto Darksiders dura 20. Provavelmente se God of War tivesse a duração de Darksiders, seria financeiramente inviável vendê-lo a US$ 60,00, e dificilmente o mercado aceitaria jogos mais caros.

Temos aí também uma potencial explicação para a indústria dos games estar tão preocupada em atingir o mercado casual. Afinal, você vende tão bem ou mais, e gasta bem menos para fazer. Em alguns jogos mais simples, como Angry Birds, isso se reflete no preço, mas Rock Band, por exemplo, ainda teve sua terceira edição sendo vendida a sessenta dólares no lançamento. É o mesmo preço de lançamento de Uncharted 3, mesmo tendo um custo de produção bem menor.

A criação de um Rock Band se resume a escolher, licenciar e criar a tablatura das músicas. Um Uncharted exige um diretor, roteirista, compositor, desenhistas, e mais uma pá de gente para criar as fases, layouts e todos os lugares pelos quais o jogador vai passar. No entanto, essa diferença de valor não é tão clara para o consumidor por um motivo bem simples: tempo de jogo.

Uncharted 3 deve render umas oito horas de diversão de ponta a ponta. Mas quantas vezes você vai jogá-lo? Talvez três, quatro? A maioria das pessoas joga apenas uma. E quantas horas de diversão um Rock Band gera? Cá entre nós, eu já devo ter gastado algumas centenas de horas com meus instrumentos de plástico. Além de todo o tempo que eu passei jogando sozinho, é super comum juntar amigos para tocar umas músicas, o que aumenta a vida útil do jogo e não rola com Uncharted ou God of War.

Diante de tudo isso, é fácil entender a tendência atual da indústria, e mesmo o desejo de David Jaffe de focar mais no gameplay do que na experiência. E isso também explica porque os gráficos do PS4 não parecerem tão superiores aos do PS3.

JOGO PARA TODOS OS GOSTOS

Particularmente, eu gosto de todos os pontos do espectro. Adoro as séries Uncharted e God of War, mas também considero Rock Band a maior diversão que você pode ter sem tirar as roupas. E digo isso mesmo tendo o hábito de jogar pelado.

Não gostaria que nenhum dos extremos do espectro morresse, assim como quero que tudo que existe no meio continue existindo. No entanto, temo a tendência de o futuro dos games ser apenas os extremos (Heavy Rain e Angry Birds) e que não tenhamos mais os jogos AAA tradicionais, esses que custam tão caro para serem feitos. E desde que comprei o PS4 em junho, os únicos jogos AAA que saíram foram Watch Dogs e Destiny. É muito pouco.

Para que jogos como Uncharted continuem existindo diante do cenário atual, seria necessário que estes jogos se tornem tão populares quando um Rock Band, o que acho bastante difícil. A alternativa seria aumentar os preços, o que, especificamente para nós, brasileiros, inviabilizaria totalmente o nosso hobby.

E você? Gosta mais de gameplay ou da experiência trazida por jogos cinematográficos? E, com a nova geração chegando, como acredita que será o futuro dos games?