Bem-vindo a uma edição diferente da nossa série “… de cabeça fria”. Nos últimos textos desta seção, eu costumava me surpreender positivamente com jogos que já tinham jogado. O caso de Bayonetta é outro. O jogo é legal, e reitero o que falei no texto de Vanquish de que vale muito a pena comprar esta coleção Platinum que inclui os dois jogos. No entanto, Bayonetta envelheceu bem pior do que Vanquish. E nas próximas linhas, eu vou explicar o porquê.

BAYONETTA OU CEREZA?

Bayonetta é um hack and slash exagerado e bem humorado de Hideki Kamiya e do Team Little Angels. Os dois agora fazem parte da Platinum Games, mas Kamiya e seu grupo foram os responsáveis pela criação do primeiro Devil May Cry.

Jogando hoje, uma coisa ficou bem clara para mim: Bayonetta é Devil May Cry com novos personagens, assim como Bloodstained é Castlevania. Curiosamente, Bayonetta não segue o estilo mais sério do primeiro Devil May Cry que Kamiya ajudou a criar, mas é uma versão totalmente turbinada e absurda do jogo, seguindo o caminho que a Capcom escolheu para a série a partir de Devil May Cry 3.

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta

A própria Bayonetta é praticamente uma versão feminina do Dante. Bonita, estilosa, sexy e fanfarrona. Hoje em dia a cultura pop não permite que criadores façam personagens mulheres que sejam sensuais, então Bayonetta é uma relíquia da década passada, enquanto o Dante se mantém atual.

Embora eu não tenha problemas com mulheres sensuais (na verdade eu gosto delas), é fato que tem vários momentos em que Bayonetta cai para o apelativo, como a enorme quantidade de animações em que ela abre as pernas e a câmera coloca isso em primeiro plano.

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta
Nenhuma outra personagem de videogames abre tanto as pernas.

Apesar disso, eu acho Bayonetta, a personagem, muito legal. Suas atitudes são muito engraçadas, e a atuação de Hellena Taylor tem a dose certa de confiança e feminilidade.

PINTUDICE

Bayonetta, porém, vai muito além do exagero e da pintudice mostrados em um Devil May Cry. Este é um jogo em que você vê o impacto dos seus golpes, e estes são medidos em gigatoneladas! É o tipo de história em que uma moça em uma moto vai subindo até chegar no espaço e que um inimigo resolve que a melhor forma de atacar é usando telecinese para fazer um satélite cair na sua cabeça. Exagero é até modesto, é o que estou dizendo. Este jogo provavelmente tem as cenas de ação mais absurdas de toda a cultura pop. Se você gosta desse tipo de baboseira, vai se divertir adoidado. E eu adoro!

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta

Os chefes, então, são um caso à parte. Bayonetta tem uma pá de chefes, mas os destaques são os “cardeais”, que têm um capítulo inteiro dedicado a cada um deles. São gigantes, mas isso é o de menos. O incrível é a variação que tem em cada batalha. Todas elas têm vários estágios, cinemáticos e cuidadosamente planejados, e muito raramente eles duram mais do que deveriam. Além disso, há checkpoints a cada mudança de fase, o que impede que se torne cansativo devido à repetição.

E isso me leva a um ponto que realmente me chamou a atenção, jogando Bayonetta hoje com o que eu sei da indústria.

BAYONETTA NÃO É UM JOGO DE ALTO ORÇAMENTO

Se você me perguntasse duas semanas atrás, eu diria que Bayonetta é uma superprodução, feita por um grande estúdio em seu auge e com um diretor famoso. Após tê-lo jogado novamente, eu provavelmente colocaria este mais ou menos no mesmo nível de orçamento de um The Surge 2. Talvez até menos.

A começar pelos gráficos. No meu texto sobre Vanquish, eu disse que ele não era particularmente bonito, mas que não havia envelhecido muito. Bayonetta, apesar de neste remaster rodar a 4K e 60 fps, envelheceu pacas. E digo mais, mesmo em seu lançamento, seu visual não era digno da época. Para ser sincero, Bayonetta parece muito com o primeiro Devil May Cry. Em outras palavras, são gráficos absurdamente bons para um PS2. Porém, claramente muito abaixo do que a geração do PS3 era capaz de produzir.

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta
Repare quão angular é o cenário.

E não para aí. Embora haja cutscenes com coreografias altamente produzidas e impressionantes, mais da metade delas são contadas com imagens estáticas, o que definitivamente não é comum neste tipo de jogo. Verdade, Bayonetta consegue deixar estas imagens estáticas bem mais estilosas do que outros títulos que fazem a mesma coisa, mas não muda o fato de que boa parte da sua história é contada de forma a cortar gastos.

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta
Um exemplo de uma cutscene estática em Bayonetta.

O incrível, aliás, é pensarmos como o time conseguiu realizar sua visão de forma competente com o orçamento que tinham. Graças a suas cenas de ação absurdas e cinemáticas, era muito fácil que este jogo acabasse sendo um dos mais caros da história. Afinal, “experiência é mais caro do que gameplay”, lembra?

Olhe, por exemplo, a imagem abaixo, e sonhe quão legal isso seria com a qualidade técnica de um God of War, mas também quão caro seria chegar a isso.

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta

GAMEPLAY

Minha verdadeira decepção com Bayonetta em 2020 veio por seu gameplay. Não que os controles sejam ruins, pelo contrário, mas sim por quão punitivo ele é. Um loop comum por aqui é aparecer inimigos e você vencê-los, mas no processo ficar com pouca vida. Assim, os próximos meliantes que aparecerem o matarão facilmente.

Os checkpoints são frequentes e nunca são uma questão, mas a rotina de vencer uma luta e perder a seguinte só para recuperar vida cansa rapidamente, e se repete durante toda a campanha. Isso seria resolvido se Bayonetta fosse mais generoso com itens de cura, mas estes são ridiculamente limitados, tornando muito mais viável morrer para se curar, do que simplesmente usar um item.

Ele traz também um excesso de QTEs, e falhar em qualquer um deles exige reiniciar do checkpoint. Isso se torna ainda mais chato pelo fato de que o jogo analisa seu desempenho e cada falha, mesmo em QTEs, afeta consideravelmente seu bônus.

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta

Esta mentalidade de escassez se espalha por todos os aspectos. Upgrades são ridiculamente caros, tornando super raro comprar qualquer coisa. Até mesmo skins, que são liberadas ao final do jogo, devem ser compradas, e cada uma custa cinco vezes o preço de um upgrade padrão.

ESCASSEZ PROGRAMADA

Assim, Bayonetta tem um monte de coisas legais que poderiam deixá-lo ainda mais divertido, mas a única forma de você brincar com elas é fazendo um grinding pesado. Bom, pelo menos ele não exige grinding para continuar a história, o que provavelmente seria o caso se ele saísse hoje (e, claro, você poderia adquirir todas essas coisas através de microtransações).

Platinum Games, Sega, Delfos, Bayonetta
O monstro das microtransações sempre está fungando no nosso cangote.

Muitos desses problemas, aliás, foram melhorados em Bayonetta 2, o que é um bom sinal, especialmente com Bayonetta 3 vindo por aí.

NINTENDO

Curiosamente, embora Bayonetta seja hoje uma série exclusiva da Nintendo, este remaster não está disponível para o Switch (você ainda pode comprar a versão antiga, no entanto). Isso repete a estranheza de quando Bayonetta 2 foi confirmado como exclusivo do Wii U, uma vez que, até então, o jogo original não havia saído para um console da Nintendo.

Apesar dos pesares, o primeiro Bayonetta continua um jogo muito legal, que realmente merece ser jogado por quem gosta de uma porradaria cheia de humor e sensualidade. É incrível a discrepância do que a Platinum Games mostrou com VanquishBayonetta, e o monte de porcarias que ela lançou depois dissoAstral Chain mostrou que a empresa ainda é capaz de criar bons jogos, então cabe a nós agora sacrificar bodes para que ela restaure o potencial que mostrou em seu surgimento. E uma boa forma de mostrar para eles do que a gente gosta é comprando esta nova coleção Vanquish e Bayonetta.

A série “… de cabeça fria” envolve voltarmos a vivenciar algo antigo e que às vezes até já resenhamos aqui no DELFOS com a cabeça fria e com nossas experiências atuais. Se você gostou, mostre pra gente fazendo comentários e compartilhando, pois nos esforçaremos para fazer muitas outras.

MAIS DA SÉRIE “… DE CABEÇA FRIA”:

LEIA TAMBÉM:

Vanquish

Bayonetta

Bayonetta 2