Um tempo atrás, o Corrales escreveu God of War de cabeça fria, e hoje vou pegar essa ideia e levá-la ao infinito e além.

O mote é analisar coisas depois de ter passado o fervor do momento. Agora, sem aquele impacto que lançamentos causam, podemos analisar a obra em questão de forma mais tranquila e objetiva, vendo seus acertos e erros e analisando o resultado final – como o próprio nome diz – de cabeça fria.

O legal deste formato é que, diferente de uma resenha, eu já posso falar sabendo que você já conhece o trabalho e vai saber do que eu estou falando, o que permite um diálogo muito mais denso e divertido. Assim, resolvi falar do lançamento mais recente da carreira solo de Andre Matos, The Turn of the Lights.

PARECE QUE O JOGO DE LUZES VIROU, NÃO É MESMO?

Beleza, falar “o lançamento mais recente” parece piada, porque o disco tem lá seus cinco anos de idade e já está até indo para a escola, mas isso é apenas um detalhe. O fato é que The Turn of the Lights, mesmo já sendo um trabalho um tanto antigo, não é exatamente fácil de ser assimilado. Muitos dos elementos do álbum são verdadeiramente únicos, e ainda que este não seja o magnum opus do vocalista, é provavelmente o seu trabalho mais vanguardista desde Holy Land.

E não digo isso à toa. Começando pelo começo, Liberty mostra muito bem como The Turn of the Lights não é um trabalho qualquer. Repare que, ao iniciar com uma música mais cadenciada e com mais nuances do que o usual, fica bem claro que o disco fugirá do lugar comum. O álbum poderia muito bem começar com Course of Life, uma faixa muito mais power metal, que as expectativas de 90% dos fãs seriam satisfeitas logo de cara, mas não foi o que aconteceu. Mas quer saber? Isso deixa The Turn of the Lights muito, muito divertido.

Andre Matos Banda

E um dos maiores responsáveis por isso é Rodrigo Silveira, que faz um trabalho estupendo nas baquetas. As linhas de bateria criadas para as músicas do disco valorizam deveras o ritmo mais lento delas, e fazem com que as faixas se diferenciem bastante do que normalmente é feito em bandas de metal. A maior prova disso é a faixa-título, que é a minha preferida e que perderia muito do seu apelo sem o trabalho de Rodrigo – ainda que sua performance excepcional não se restrinja a esta faixa e que outras, como Stop!, Unreplaceable e a versão nova de At Least a Chance sejam igualmente maravilhosas e demonstrem a diferença que as linhas do baterista fazem.

UM DISCO ONDE AS BALADAS SÃO FRACAS

Infelizmente, as baladas são um ponto fraco do disco. Você há de concordar comigo, mas nenhuma delas tem potencial para habitar um setlist de show, como a realidade tem demonstrado – alguém aqui, em algum show recente, viu Gaza ou Sometimes serem executadas? Pois é. A falta de baladas de qualidade faz com que o disco perca muito de sua coesão, o que é realmente um problema. Até porque a gente sabe que todo disco tem faixas ruins, mas isso não quer dizer que tenhamos que aceitá-las.

Uma coisa curiosa em The Turn of the Lights é que, pela primeira vez em muito tempo, vemos um disco de Metal onde as guitarras NÃO se destacam. E digo isso não pelas performances dos guitarristas Hugo Mariutti e André Hernandes terem sido fracas, mas sim porque as guitarras de fato não estão em primeiro plano. Mais do que fazer músicas que valorizam as seis cordas, aqui as seis cordas é que estão a serviço das músicas, focando-se muito mais em florear as linhas melódicas do que infestar o disco de riffs. O grande exemplo é a faixa On Your Own, onde a guitarra faz um papel que normalmente seria destinado ao teclado e inclusive sai de cena para deixar a bateria (!!!) ganhar destaque.

Esta é, de longe, uma das características mais únicas do disco. Ao fugir do padrão de guitarras proeminentes, há muito estabelecido no heavy metal, The Turn of the Lights sai do lugar comum. No entanto, isso só vale a pena ser citado como uma qualidade pois as linhas de guitarra estão bastante consistentes e interessantes, justificando a mudança na perspectiva sonora. E, entre singularidades e singularidades, uma se destaca acima das demais.

ANDRE MATOS NÃO ESTÁ CANTANDO AGUDO

Os vocais mais graves de Andre Matos são, provavelmente, a prova máxima de que o vocalista não precisa cantar agudo para imprimir sua marca. Vamos lá, para muitos fãs as linhas vocais do Andre devem ser agudas ou, se graves, que sejam com drive, ao estilo do que foi feito no Shaman. A questão é que, ao se desvencilhar da necessidade de cantar agudo ou com drive e apenas investir nas melodias, The Turn of the Lights demonstrou que o músico é fora de série por méritos que vão além da simples técnica vocal.

Mas isso, assim como as linhas de bateria e a guitarra em segundo plano, soa estranho à primeira vista. Estamos acostumados com aquelas músicas rápidas, com bumbo duplo constante e cheias de agudos, e ter que absorver tantas mudanças de uma vez é uma tarefa e tanto. Mas, bem… é por isso que estamos ouvindo de cabeça fria, não é mesmo?

O SALDO FINAL

O ponto central aqui é que as mudanças deram certo. Para além de serem uma evolução do que Andre já vinha fazendo no Shaman, as músicas soam bem, têm apelo e funcionam muito bem ao vivo. Já fui a alguns shows da banda-solo desde o lançamento do álbum, e posso assegurar que algumas das melhores músicas do setlist vinham justamente deste álbum, o que demonstra a sua força.

Eu iria além. The Turn of the Lights é, para mim, o melhor disco da carreira solo do Andre, pois, diferente de Time To Be Free, aqui ele sai de sua zona de conforto. Na entrevista com Andre – colocar link, o que significa que a entrevista tem que sair antes desta, ele disse que Mentalize era um disco muito futurista, à frente de seu tempo. Eu não concordo com ele – para mim, o Mentalize só é ruim mesmo. Mas essa frase é boa para caracterizar o The Turn of the Lights: ele é o Mentalize que deu certo.