Pouco depois de eu escrever as matérias da semana passada, nas quais elaborei sobre a influência de Dark Souls, eu resolvi tirar um final de semana para jogar pela primeira vez Super Metroid. Pois é, embora eu já tenha jogado e escrito sobre dezenas – talvez centenas – de metroidvanias, eu fui jogar Super Metroid pela primeira vez em 2018. Digo mais, poder experimentar este jogo pela primeira vez foi um dos principais motivos por eu ter comprado o Super Nintendo Classic Edition.

Super Metroid, Delfos
Eu, correndo para comprar um SNES Mini enquanto o chão desaparecia aos meus pés.

Qual não foi minha surpresa ao perceber nele fatores que se tornariam intrinsecamente ligados com os jogos da série Soulsborne. Não, eu nunca vi o diretor de Dark SoulsHidetaka Miyazaki, falar explicitamente desta influência, mas me pareceu tão claro quanto ouvir Queen e depois conhecer Savatage ou Blind Guardian. Em todos estes casos, o influenciado faz algo novo e diferenciado, mas trabalha a partir de um ponto de partida bem claro – e igualmente excelente.

A INFLUÊNCIA DE SUPER METROID EM DARK SOULS

Esta influência vai muito além do gênero. Afinal, você, eu e todo mundo que já jogou, sabe que os Dark Souls são metroidvanias. A diferença é que eles não bloqueiam o avanço com passagens que requerem upgrades que o jogador ainda não tem, como é mais tradicional, mas bloqueiam áreas através do perigo, recheando-as de inimigos que você ainda não vai conseguir vencer.

Isso a gente já sabe. Porém, Super Metroid, que saiu originalmente em 1994 para o Super Nintendo, veio antes do conceito de mundo aberto existir. E de fato, o gênero que se convencionaria chamar de metroidvania pode ser encarado como um proto-mundo aberto. Porém, nem todos conseguem fazer um trabalho tão redondo quanto Dark SoulsSuper Metroid.

Super Metroid, Delfos

Dark Souls é constantemente elogiado por ter um mundo enorme totalmente conectado. Você está na Undead Parish, longe da sua base, a Firelink Shrine, e daí pega um elevador e, surpresa, popa na Firelink ShrineSuper Metroid também tinha essa característica.

O clássico de Super Nes rola quase inteiro no planeta Zebes. Mais especificamente, rola abaixo da terra deste planeta. E você não recebe direcionamento nenhum. Após o prólogo, sua nave pousa em Zebes. Vai explorar, meu filho.

DIREITA OU ESQUERDA?

Sua primeira decisão é entre ir para a direita ou para a esquerda, sem nenhuma dica ou sinal. Eu fui para a esquerda e, quando me dei conta, já estava vários níveis abaixo da superfície, morrendo de curiosidade para saber o que teria acontecido se escolhesse o outro caminho. Porém, após muita exploração e vários upgrades, eu peguei um elevador e, surpresa, popei na superfície.

Assim como a Firelink Shrine de Dark Souls, a superfícia é a área segura de Super Metroid. Com uma rápida visita a sua nave, você pode recarregar todas as suas armas, a sua energia, e de quebra ainda salvar o jogo. Há estações de save espalhadas pelo mapa, mas a nave é o único lugar em que você pode reabastecer por completo. É um alívio voltar à superfície.

Super Metroid, Delfos
Super Metroid tinha alguns dos maiores chefes da época.

E depois desse começo, a coisa só abre mais. Pouco tempo depois do início, você vai ter quatro, cinco, às vezes até mais caminhos para explorar. E nenhuma ajuda do jogo para te guiar, a não ser pelo fato de que algumas passagens estão fechadas por obstáculos até o momento intransponíveis.

Aliás, se Super Metroid, graças a Pazuzu, não é tão perigoso quanto Dark Souls (durante toda a campanha devo ter morrido menos de cinco vezes), sua dificuldade vem justamente de seu level design. Era comum eu sentir que explorei todos os caminhos disponíveis e não ter a menor ideia de para onde ir.

REVISTAS DE VIDEOGAMES

Super Metroid foi uma sensação em 1994. Ele era capa das revistas de videogames com frequência, e várias delas traziam detonados, dicas e artigos sobre o jogo. Meus amigos viviam falando dele. Hoje entendo o porquê. Ele estava muito à frente da sua época (tanto que criou um dos gêneros mais populares hoje em dia). Mas também era facílimo empacar nele. Mapas e detonados eram necessários.

Eu fui bem longe em Super Metroid completamente cego. Cheguei até Maridia, mas foi nesta fase que ele se tornou obtuso demais para mim, e considerei necessário procurar por guias. A vantagem de jogar um clássico de quase 25 anos atrás hoje é que não faltam guias. Textos, vídeos, dá para descobrir tudo de Super Metroid com bastante facilidade.

E uma das coisas que me chamou a atenção é como era comum o caminho que avançava a campanha estar escondido. Hoje em dia, o caminho mais claro é sempre o correto, e os alternativos levam a itens e upgradesSuper Metroid seguia a lógica oposta: os caminhos mais claros levavam a upgrades ou a lugares sem saída, enquanto para progredir você precisava destruir paredes específicas de formas ainda mais específicas e sem nenhuma dica do jogo.

Isso não é exatamente um bom gamedesign, e os metroidvanias que viriam depois de Super Metroid melhorariam muito estes aspectos de qualidade de vida. Por exemplo, no jogo de Super Nintendo, o mapa marca áreas de interesse com um pontinho. Nessas áreas pode ter um chefe ou um upgrade. Porém, o pontinho não some quando você cumpre o objetivo e pega a recompensa. Isso faz com que, das próximas vezes que passar por ali, você sempre acabe checando a área novamente, o que não é divertido.

Super Metroid, Delfos
O famoso Ridley.

Ele também não trabalha tão bem os atalhos. Por exemplo, após vencer o famoso Ridley, que fica nas profundezas mais profundas de Zebes, é necessário voltar à superfície. Um metroidvania mais moderno teria um elevador ali, ou então a possibilidade de fast travel, mas Super Metroid exige que o jogador volte pelo mesmo caminho pelo qual chegou lá.

PROBLEMAS DE DESIGN

Isso são coisas de qualidade de vida, que obviamente melhorariam com o tempo em jogos mais novos. Porém, Super Metroid tem dois problemas de jogabilidade bem graves: o wall jump e o pulo duplo.

Séries como Ninja Gaiden já exploravam este tipo de jogabilidade tornando estas habilidades fáceis de executar. Super Metroid, sabe-se lá por qual motivo, falha miseravelmente em ambos. Nele, é possível dar pulos duplos ilimitados, mas era comum eu ficar apertando o botão de pulo feito um condenado e mesmo assim cair como se fosse um elefante grego. O jogo exige um timing muito preciso, que faz tornar o uso do pulo repetido um tanto aleatório. E o mesmo pode ser dito do wall jump.

Super Metroid, Delfos
A Spring Ball. The one that got away…

Algo que não é um problema, mas que me chamou a atenção – e que também o conecta a Dark Souls – é que é possível terminar a campanha sem ter visto tudo que o jogo oferece. Eu mesmo terminei sem adquirir a habilidade spring ball, que possibilita pular quando está em formato de bolinha. E só fiquei sabendo que perdi esta habilidade quando fui assistir aos guias e vi o sujeito que fez os vídeos a usando. Em qualquer Soulsborne você consegue terminar o jogo sem ter visto mundos inteiros, o que mostra uma semelhança na forma que a From Software e a R&D1 encaram gamedesign.

O PRIMEIRO METROIDVANIA NA ERA DOS METROIDVANIAS

Eu terminei minha campanha de Super Metroid realmente impressionado com o quanto o jogo inovava. Lembre-se, era uma época em que os jogos de ação eram do tipo “ande para a direta e mate tudo que se mexe”. Até mesmo Castlevania, que eventualmente batizaria o gênero ao lado de Metroid, era bastante linear nesta época, e só seguiria por este caminho em 1997, com Symphony of the Night.

Como eu já jogava videogame em 1994, embora não tenha jogado Super Metroid na época, consegui jogá-lo com a mente de um jogador de 16-bit, e entendi perfeitamente porque todo mundo pirava o cabeção tão forte com ele. Hoje, metroidvania é um dos gêneros mais comuns e populares que existem. Porém, naquela época era uma grande ruptura, trazendo aos jogos de ação uma complexidade que talvez só estivesse disponível em jogos mais lentos e metódicos, como os JRPGs.

A influência de Super Metroid vai muito além de Dark Souls. É um jogo que afetou diretamente o panorama do que a gente joga hoje em dia. Porém, Dark Souls talvez seja um de seus influenciados mais ilustres. Uma obra que, assim como seu inspirador, pegou algo que já existia e criou seus próprios conceitos – criando assim toda uma nova gama de influenciados.

A série “… de cabeça fria” envolve voltarmos a vivenciar algo antigo e que às vezes até já resenhamos aqui no DELFOS com a cabeça fria e com nossas experiências atuais. Se você gostou, mostre pra gente fazendo comentários e compartilhando, pois nos esforçaremos para fazer muitas outras.

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