Sleeping Dogs

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O DataDelfos, ágil como sempre, constatou que 85% dos delfonautas gamers que entenderam a piada no subtítulo desta resenha já estão fazendo pipi na minha foto antes mesmo de ler o texto, afinal botar uma chamada afirmando (sutilmente) que Sleeping Dogs é melhor que GTA pode ser considerado por muita gente uma heresia absurda.

Porém, se você faz parte dos 15% que preferiram entrar aqui e ler minha opinião sobre o game antes de fazer pipi na minha foto, me acompanhe por esta resenha, onde eu explico porque achei o game do quadradênix melhor do que seu onipotente concorrente da estrela do rock.

Se depois de ler tudo você não concordar comigo, aí sim pode fazer pipi na minha foto. Quer dizer, eu preferiria que você não fizesse, mas eu não tenho controle sobre o seu pipi. E nem quero ter!

HISTÓRIA

A trama do game acompanha Wei Shen, um jovem policial de Hong Kong que passou a maior parte de sua vida nos Estados Unidos, mas agora está de volta à sua terra natal para uma missão pra lá de arriscada: se infiltrar no coração da Sun On Yee, uma das tríades mais poderosas do crime organizado chinês, na esperança de entregar seus chefes para a polícia e desmantelar o grupo por dentro.

Porém, isso não é tão fácil quanto parece, pois mesmo sendo um policial, Wei viveu naquele ambiente, e conhece boa parte dos caras que hoje em dia são os chefões da máfia. A trama do game brinca bastante com estes dilemas morais, e o fato do protagonista conhecer um pouco dos dois mundos (polícia e crime organizado) coloca sua lealdade em xeque a todo momento.

Embora este lance de policial infiltrado soe bem clichê, a história funciona muito bem, é empolgante e conta com personagens densos e interessantes. Além disso, o fato de controlarmos um policial infiltrado no coração do crime organizado nos dá carta branca para fazer coisas socialmente questionáveis, como roubar carros, dirigir na contramão, espancar pessoas inocentes, invadir propriedades e tudo mais que a gente não se atreve a fazer na vida real.

Um aspecto negativo da trama é que o game conta com apenas um final. Nos outros games da série (Sleeping Dogs deveria ser uma sequência da franquia True Crime, mas acabou trocando de editora e de nome por problemas no seu desenvolvimento) tínhamos dois finais de acordo com nossas escolhas. Desta vez, porém, você não pode decidir se quer que seu lado “gansta” fale mais alto que seu lado “good cop”, pois há um final padrão, e você terá obrigatoriamente que cumprir missões para ambos os lados da Força.

BEM-VINDO A HONG KONG

Uma coisa que fica evidente assim que o jogo começa é seu cuidado em retratar Hong Kong de maneira estilizada, porém realista. O visual da cidade é incrível, com placas de neon brilhando em todo canto, comerciantes vendendo comidas estranhas em barraquinhas, bares onde podemos cantar em karaokês e casas de massagem que podem ser com ou sem final feliz, se é que você me entende. =D

A cidade do game é dividida em quatro distritos principais, que são interligados. Embora no geral a cidade não pareça tão grande como a Los Santos de GTA San Andreas, ela oferece uma ótima mistura de ambientes: temos um belo litoral (como em Vice City), subúrbios dominados por bandidos (como em Los Santos) e áreas onde grã-finos desfilam em seus carrões.

Alguns lugares são excepcionalmente interessantes, como o Night Market, um enorme “camelódromo” onde você pode comprar diversas coisas. Tudo falsificado, claro! Neste local podemos ouvir comerciantes anunciando DVDs e bugigangas, diversas lojas de roupas falsificadas e quiosques que vendem alimentos de procedência questionável. Os NPCs conversam sobre fatos do cotidiano, passeiam, comem, falam ao celular, fumam e desempenham outras atividades sem graça dignas de um verdadeiro NPC.

Neste ponto, GTA oferece uma experiência mais imersiva, pois seus transeuntes são mais “orgânicos” que os de Sleeping Dogs. Porém, há alguns indivíduos realmente espirituosos na multidão, e você invariavelmente vai ouvir coisas do tipo “deixa eu te vestir, bonitão” quando você passar por alguma loja de roupas cuja proprietária é uma mulher fogosa ou “é preciso ter colhões para usar isso” quando você inevitavelmente resolver sair na rua de cueca e chapéu de palha.

Uma coisa que incomoda um pouco é o excesso de chuvas: chove muito na Hong Kong de Sleeping Dogs! Acredito que a produtora fez isso para mostrar o belo efeito de asfalto molhado (que reflete lindamente as placas de neon e os faróis dos carros) e a modelagem de roupas molhadas, mas pô, exageraram um pouco na dose, pois São Pedro não consegue passar um dia sem fazer pipi sobre a cidade!

I’M A SUN ON YEE, MOTHERFUCKER!

Não adianta: por mais que você queira ser um cara do bem, o lado negro da Força sempre é mais divertido. Justamente por isso, as missões da Sun On Yee conseguem ser muito mais divertidas que as missões da polícia, pois geralmente envolvem muita pancadaria, perseguições insanas, corridas clandestinas e invasões a propriedades privadas.

Não que as missões da polícia não contem com um pouco disso tudo, mas conforme você acompanha a trajetória de Wei dentro da Sun On Yee, o Dark Side se torna muito mais interessante, até porque o contato que temos com ele é muito maior. Mesmo sabendo que eles são “os vilões” da história, gangstas como Jackie, Mrs. Chu, Uncle Po e Winston são os personagens mais carismáticos do game, e você vai acabar simpatizando e se importando com eles.

É também na Sun On Yee que você aprende as coisas mais legais, pois o game conta com um sistema de evolução dividido em três aspectos: sua evolução como policial lhe rende habilidades geralmente associadas a armas de fogo, enquanto sua evolução na tríade garante novas habilidades de luta. Por fim, sua experiência “Face” lhe rende benefícios passivos, como recuperação mais rápida de energia, descontos em lojas e mais força em seus golpes.

O clima começa pesado na Sun On Yee – afinal, você é um novato – mas conforme você cumpre missões e sobe na hierarquia da tríade, as coisas vão ficando mais interessantes. Há todo um clima de Poderoso Chefão na gangue, o que mostra que valores como honra e respeito são mais importantes para os “bandidos” do que para os “mocinhos”.

LUZ, CÂMERA… PORRADA!

Sleeping Dogs é um game extremamente cinematográfico, e conta com diversos recursos de iluminação, câmera lenta e outras firulas que deixam momentos de perseguição e pancadaria realmente impressionantes.

O game tem toda a pegada frenética e estilosa dos filmes do John Woo e, como tal, temos muita porrada em Sleeping Dogs e caramba delfonauta, como a pancadaria é divertida! Sem exagero, eu não me divertia tanto batendo em capangas genéricos desde Batman: Arkham City. Verdade seja dita, o sistema de combate de Sleeping Dogs é fortemente chupinhado inspirado pelo game do Bátima com seus ataques e contra-ataques, mas aqui as coisas são muito mais brutais!

Enquanto o Cavaleiro das Trevas se contenta em deixar seus inimigos inconscientes, Wei Shen não mostra ressentimento na hora de quebrar braços e pernas dos adversários, empalá-los em ganchos, enfiar a cara deles em fornalhas, serras e exaustores, atirá-los de cima de prédios ou em tanques repletos de enguias (?!), esmagar a cabeça deles em aquários, paredes e portas de geladeiras, afogá-los em privadas, eletrocutá-los… Enfim, a lista de coisas dolorosas que podemos fazer com eles é imensamente pintuda!

Claro que nem sempre podemos fazer tudo isso: a maior parte das coisas legais descritas acima são “enviromental actions”, ou seja, dependem de elementos do cenário para serem feitas. Mas não tem problema, pois mesmo a porradaria mais básica é extremamente divertida, e você não conseguirá deixar de sorrir sadicamente nem mesmo após a centésima perna quebrada.

No vídeo abaixo você confere um pouco da trüeza da pancadaria deste jogo:

Uma pena que o realismo perdeu seu voo para Hong Kong: mesmo depois de quebrar violentamente a perna de um inimigo – possivelmente deixando uma bela fratura exposta – ele irá simplesmente levantar e continuar lutando após alguns instantes. Pelo menos isso não acontece nos outros movimentos de finalização descritos acima, pois seria bizarro ver um sujeito com a cabeça queimada continuar lutando… a menos que ele seja um zumbi. Mas relaxe, pois Sleeping Dogs é um dos poucos games atuais que NÃO tem zumbis… ainda (um DLC de “terror” já foi anunciado).

TIROTEIOS, PERSEGUIÇÕES E REFERÊNCIAS

Sleeping Dogs jamais vai ganhar um prêmio de originalidade, visto que ele recicla elementos consagrados de diversos games. Além do mundo aberto de GTA e da pancadaria do Batman, temos outras “homenagens” a diversos games. Com a vantagem que aqui tudo é batido no liquidificador para formar uma coisa só, ou seja, temos as melhores partes de vários games em um jogo só!

Por exemplo, temos perseguições a pé que seguem um estilo bem Assassin’s Creed: Wei pode realizar saltos e acrobacias dignas de um bom praticante de parkour. E o melhor é que não é nada complicado: basta correr e apertar um botão assim que chegar a um obstáculo para que o personagem passe por ele de maneira fluida e estilosa.

Outros momentos que rendem boa dose de adrenalina são as perseguições motorizadas: seja de moto, carro ou barco, você acabará tendo de perseguir malfeitores. A dirigibilidade dos veículos poderia ser melhor, mas funciona. A câmera é que atrapalha um pouco caso seu veículo seja muito grande, mas como duvidamos que você resolva perseguir alguém pilotando um ônibus, isso geralmente não será um problema.

Para apimentar estes momentos, nosso intrépido Wei pode saltar heroicamente do seu veículo para outro, socar o motorista e assumir o controle de seu bólido. Tudo isso com você controlando, sem nada de quick time events! Já vimos isso em Just Cause, mas aqui tudo é mais pintudo!

Tiroteios sobre rodas também são bem frequentes e, embora exijam certa perícia do jogador, conseguem ser bem empolgantes. Seja perseguindo ou sendo perseguido, você certamente irá se divertir nestes momentos. As corridas clandestinas espalhadas pelo mapa também são bacanas – embora meio fáceis – e quanto melhores os veículos que você compra, mais corridas pode acessar.

Ao contrário de GTA – onde podemos encontrar uma metralhadora em qualquer lixeira – Sleeping Dogs só lhe dá uma arma de fogo quando você precisa dela. Nestes momentos, o game veste a carapuça de Max Payne, oferecendo tiroteios sangrentos que rolam naquele esquema busque cobertura, espere uma brecha e mate todo mundo. Tudo devidamente acompanhado de efeitos bullet time, claro.

Os tiroteios até são bacanas, mas vão ficando muito frequentes conforme você avança nas missões, de modo que o final do jogo tem muito tiroteio. Em um jogo com um sistema de luta tão divertido, ser obrigado a atirar tanto acaba sendo um pouco chato, e ser forçado a isso nas últimas missões tira um pouco do brilho da reta final do game.

Felizmente, muitas missões misturam toda essa mistura (?!) para dar uma variada: você começa perseguindo alguém a pé, continua a perseguição de moto, desce, surra alguns capangas, corre mais um pouco, se envolve em um tiroteio, pega o vilão, taca ele no porta-malas e o leva até a delegacia: só aqui podemos curtir momentos de Assassin’s Creed, Need for Speed (ok, forcei a barra nessa), Batman: Arkham City e Max Payne em uma única partida!

No vídeo de gameplay abaixo você confere uma missão que ilustra bem esta mistura:

SIDEQUESTS

Já ressaltei no início do texto a imersão proporcionada pela Hong Kong do game. Em uma cidade enorme como esta, há muito a se fazer, e você gastará muito tempo cumprindo missões paralelas, se encontrando com gatinhas, hackeando câmeras ou cumprindo eventos aleatórios que popam no seu mapa.

Em sua maioria, as missões secundárias são divertidas: você pode precisar colocar um bêbado para fora de uma loja, detonar o carro de um piloto ladrão, fazer as vezes de garoto de recados/entregas (coisa que praticamente todo game atual nos obriga a fazer), roubar carros que serão revendidos, cobrar propina para sua milícia, limpar a barra de algum comparsa, etc.

Além de tudo isso você ainda pode hackear dezenas de câmeras espalhadas pela cidade para acabar remotamente com pontos de venda de drogas. Hackear as câmeras é um pouco chato (há um minigame pentelho de tentativa e erro envolvido), mas você pega o jeito com o tempo. Plantar escutas em locais estratégicos é outra coisa chatinha de se fazer, mas necessária para descolar informações importantes.

Temos ainda rinhas de galo, uma espécie de pôquer jogado com Mahjong e o melhor de tudo: clubes da luta! Cada distrito tem um, onde você entra basicamente para surrar capangas genéricos pelo simples prazer da pancadaria. Como a pancadaria do game é muito divertida, acredite, você vai querer fazer uma visitinha a estes lugares sempre que voltar ao seu jogo, apenas para dar uma “aquecida”.

Outro ponto que GTA faz melhor está na área de relacionamentos: no game da Rockstar você pode cultivar um relacionamento com alguma moçoila. Aqui, conhecemos quatro ou cinco teteias, mas cada uma delas só aparece uma ou duas vezes em momentos específicos, e você não pode manter contato com nenhuma delas. Considerando que foi feito todo um alarde em cima destas personagens (uma delas é dublada pela gatíssima Emma Stone) era de se esperar que elas fossem um pouco mais relevantes para a trama.

HONG KONG ROCK CITY

E já que falamos de dublagens ali em cima, devemos ressaltar que o departamento sonoro de Sleeping Dogs é excelente: o estrelado time de dubladores (que inclui ainda Tom Wilkinson e Lucy Liu) faz um ótimo trabalho, e as cutscenes contam com diálogos inspirados, muitos palavrões e ótimas “transições” entre o inglês e o mandarim.

Quando estiver andando de carro, moto ou barco, você poderá ouvir música. Temos pelo menos uma dezena de rádios que contam com uma lista bem eclética de músicas: de Beethoven a Dream Theater, passando por Queen, Black Stone Cherry e SoulFly até bandas de hip hop chinês. Tem opções para todos os gostos.

Faltam aquelas rádios “jornalísticas” e políticas que conhecemos em GTA, com DJs revoltados e figuras famosas, mas fazer o quê? Talvez tenha faltado tempo para isso, visto que este – e outros detalhes – mostram que houve certa correria para finalizar o jogo.

Por exemplo, os NPCs: o visual deles é muito (muito, mesmo) inferior ao do protagonista. Expressões um pouco estranhas/artificiais em cutscenes também deixam um pouco a desejar, bem como o famoso efeito ragdoll em quedas, e coisas do tipo. Nada disso afeta a experiência de jogo, mas deixa claro que faltou um pouco de polimento na finalização. E falando nisso…

FINALIZANDO

“Pô, Pixáiti, você falou que Sleeping Dogs é melhor que GTA, mas em nenhum momento explicou exatamente o porquê!”

Calma, delfonauta reclamão, estamos chegando lá: para mim, Sleeping Dogs é melhor que GTA simplesmente por ser mais divertido que GTA. Seja socando capangas genéricos, participando de corridas ou comprando roupas, em todos os momentos de minhas mais de 40 horas de jogo eu me diverti mais do que em GTA, que muitas vezes conta com aquelas missões que você faz mais pela obrigação do que pelo prazer.

Sleeping Dogs quase não tem isso: ele é uma amálgama de tudo que é divertido e prazeroso no mundo dos games. Temos a liberdade de um sandbox, a velocidade de um game de corrida, os tiroteios de um shooter e a pancadaria de um beat em’ up, tudo em um jogo só, que para completar é muito bonito, imersivo e gostoso de jogar. Se tivesse recebido um melhor polimento em certos aspectos, aí seria Selo Delfiano Supremo com louvor!

Já que não é mais um True Crime, Sleeping Dogs pode dar o start para uma franquia que tem tudo para ser incrível. Não ouso dizer que este jogo ameaça a supremacia de GTA na preferência dos gamers, mas ele sem dúvida levanta o patamar dos games do gênero, oferecendo recursos que GTA não oferece, mas bem que poderia oferecer. Sem dúvida um game que todo delfonauta de bom gosto deveria experimentar!

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