O Contador de Histórias

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Sabe quando você vai ao cinema por pura obrigação, já mal-humorado e sabendo que não vai gostar do filme? Imagino que não, já que ninguém vai ao cinema por obrigação. Porém, foi assim que me senti ao ler a sinopse deste filme, pouco antes de me dirigir à cabine. Para você sacar meu drama, nem vou escrever eu mesmo a sinopse, mas simplesmente copiar o que veio no e-mail do convite. Se liga:

O Contador de Histórias traz para o cinema com emoção, lirismo e humor, a história deste encontro que começou com duas expressões que Roberto, apesar do farto vocabulário aprendido na instituição e nas ruas, jamais ouvira: ‘com licença’ e ‘por favor’. Palavras que começaram a mudar a vida de um menino e que hoje, 30 anos depois, continuam a mudar a vida de muitos outros meninos. Aos seis anos, Roberto Carlos Ramos é internado por sua mãe em uma instituição para menores carentes em Belo Horizonte. Dotado de imaginação fértil, chega aos 13 anos analfabeto, com mais de 100 fugas no currículo, várias infrações e o diagnóstico de irrecuperável. O encontro com uma pedagoga francesa mudará, para sempre, a vida de Roberto. Roberto Carlos Ramos hoje é educador em Belo Horizonte, autor de livros e reconhecido como um dos melhores contadores de histórias do mundo. Ele também é o narrador do filme que conta sua própria história – uma história transformada pelo afeto.

Acho que eu nunca gritei tantos “D’oh” na vida como quando estava lendo isso aí. Façamos uma listinha de tudo que tem de ruim no cinema nacional e que se encontra no parágrafo acima: menino pobre – check. Favela – check. Analfabeto – check. Apesar de tudo estar contra ele, venceu na vida – check. Menores carentes – check. Diferenças sociais – check. Crime – check. Ditadura – não check. Cacildis, pelo menos em um aspecto esse filme sai da temática óbvia do cinema nacional.

Sabe o que é pior? Apesar de ter um tema tão óbvio, batido, sem graça e comercial (ou seja, ter tudo contra ele, como o protagonista), ele conseguiu me conquistar. E me conquistou graças, justamente, à forma como essa história tão nhé é contada.

Sabe aquele jeitão fantasioso e infantil, que você com certeza já conhece de filmes como Peixe Grande e Amélie Poulain? Pois a história do nosso amigo Roberto Carlos tem vários momentos fantasiosos e fofos nessa linha, o que também chega a lembrar Scrubs. Tudo isso é complementado pelo doce narração do Roberto Carlos de verdade que, se não corresponde exatamente ao que vemos na tela, é apenas porque representa como uma criança interpretaria aqueles fatos. Aliás, o maior problema do filme é justamente não ter mais momentos assim.

Claro, esse tipo de narrativa, por si só, também não é grande novidade. Graças a Odin, no entanto, ainda não foi tão gasto, cuspido e jogado fora quanto a velha historinha do garoto pobre que venceu na vida graças à bondade alheia e, por isso, acaba fazendo a coisa valer.

Também vale destacar a trilha sonora, que já se tornou uma das minhas preferidas. Não só todas as músicas que tocam são legais, como todas aparecem no momento certinho, o que deixa tudo ainda mais tocante.

O meio Alfredo cortado se deve ao fato de ser baseado em uma história real. Acredito que finalmente descobri porque não gosto de cinebiografias. O troço inteiro parece um imenso press-release, algo para o homenageado levar embaixo do braço para divulgar seu trabalho. E ninguém gosta de press-releases. Talvez seja por isso que esse gênero normalmente é feito usando como tema pessoas já mortas.

No final das contas, O Contador de Histórias (qualquer semelhança com Forrest Gump não é mera coincidência) é um filme deveras legal e talvez a maior nota que já dei para uma produção nacional. Tem alguns problemas, mas todos acabam perdendo em relevância graças à fofura da narrativa.

Curiosidades:

– Será que não ensinaram para o Jú Colombo que monossílabas tônicas terminadas em “U” não são acentuadas? E não, delfonauta, essa palavra que você está pensando NÃO é acentuada, ao contrário do que a turminha da sua classe escrevia na lousa quando a professora não estava olhando.