Death Stranding é um jogo curioso. Lançado originalmente em 2019, era algo difícil de descrever. O resultado de um diretor que teve carta branca para fazer o quer quisesse, mesmo que o que quisesse não fosse nada comercial. Isso fez com que muita gente odiasse o jogo. Vi jornalistas comentando coisas como “agora que escrevi o review, nunca mais vou jogar isso”. Mas justamente por ele ser tão diferente de todos os outros jogos de alto orçamento, eu fico realmente feliz que ele exista. Inclusive, gostaria de viver em um mundo onde mais criadores de games tivessem esse tipo de carta branca com orçamento ilimitado.

Agora, com o lançamento de Death Stranding Director’s Cut em setembro último, eu tenho a oportunidade de falar sobre este jogo, tão divisivo e tão especial. E, meu camaradinha, eu tenho muito a falar.

DEATH STRANDING E EU

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos

Eu não tive oportunidade de cobrir Death Stranding quando de seu lançamento original. Porém, conforme lia os reviews, fiquei feliz com isso. Assim como Red Dead Redemption 2, tudo que lia sobre ele parecia ser exatamente o que eu odeio em games, pura perda de tempo. Porém, assim como Red Dead Redemption 2, quando fui jogar por conta própria, no meu tempo livre, acabei me surpreendendo muito com o que encontrei, e gostando muito da obra final.

Porém, como joguei Death Stranding no meu “tempo livre”, minha campanha era constantemente interrompida por outros jogos. Este é um game longo e denso. Assim, durante as semanas que levei para terminá-lo, tive que cobrir vários outros lançamentos. Por isso, no meio da campanha de Death Stranding, eu parava por alguns dias para analisar outras coisas, e voltava depois, quando a lista estivesse limpa.

Por isso, demorei alguns meses para chegar ao fim de Death Stranding. E, considerando a quantidade exagerada de mecânicas e ferramentas que estão nesse jogo, isso não foi legal. Tinha muitas coisas que eu esquecia entre partidas, e precisava meio que reaprender a jogar cada vez que o pegava de volta.

DEATH STRANDING DIRECTOR’S CUT

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos

Isso não aconteceu com Death Stranding Director’s Cut. Para esta versão, eu recebi um review code da Sony, então eu a peguei para cobrir mesmo. Como você pode perceber, este texto demorou um pouquinho para sair. Tive problemas de saúde nesse meio tempo que atrasaram ainda mais, porém, sabendo se tratar de um jogo longo e denso, me programei para jogar e terminar todos os mais curtos que tinha na lista antes, para poder de fato morder com força e jogar a Director’s Cut com a atenção que Death Stranding merece, e que não tive oportunidade de dedicar na minha primeira visita a este mundo.

Assim, eu exportei meu save de PS4 para “coletar meus troféus”, mas na hora de jogar, não tive dúvida. Ao invés de só testar as novidades da nova versão, quis fazer toda a campanha do início.

O PURO SUCO DE HIDEO KOJIMA

Death Stranding dividiu opiniões, e eu definitivamente não sou um fã de longa data do diretor Hideo Kojima. Mas do que conheço, Death Stranding me parece um destilado de todas as características do sujeito. É verborrágico, é bobo, é mundano porém sci-fi, e exagera na quantidade de mecânicas. É também extremamente técnico e bem-feito. Mesmo sendo um jogo de PS4, pouquíssimos jogos de PS5 se assemelham a ele em questão de qualidade visual e sonora.

Se você, como eu, gosta de games como turismo virtual, com a possibilidade de simplesmente existir em mundos diferentes do nosso, poucos conseguem fazer isso tão bem quanto Death Stranding.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos

Inclusive, embora ele traga concessões a jogos de ação, isso não é o foco, e é justamente algo que afasta Death Stranding do que ele tem de especial.

MUNDO ABERTO COMO TEM QUE SER

Death Stranding é um jogo de mundo aberto. Porém, ele é totalmente diferente de um Far Cry 6 e de todos os outros jogos do gênero. Eu já falei muitas vezes aqui que um jogo de mundo aberto tem que ter locomoção especial. É um dos motivos pelos quais os games recentes do Homem-Aranha são tão legais. Se é simplesmente para dirigir ou andar a cavalo do ponto A ao B, não tem porque ser mundo aberto. Death Stranding leva isso muito a sério, e transforma simplesmente andar em sua principal mecânica. Assim, Death Stranding é um walking simulator literal, mas é também a mais ambiciosa, realista e endinheirada produção do gênero.

E quando eu li sobre isso, sabe o que veio à minha cabeça? O mestre dos meus pesadelos, I Am Bread. Imaginei que jogar Death Stranding seria uma constante batalha contra os controles. Mas não é isso. Death Stranding transforma andar em sua principal mecânica, sim, mas faz com que isso seja uma ação ativa, estratégica. Você não briga com controles ruins, como em I Am Bread, mas apertar botões causam interações necessárias com o cenário. Como em um jogo de tiro você deve mirar na cabeça para ser mais eficiente, Death Stranding faz com que você pense por onde andar, e como andar, para ser mais eficiente. Críticos de walking simulators dizem que “andar não é gameplay“. Pois eu acho muito difícil que alguém diga que andar em Death Stranding não é gameplay.

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Como na vida real, você precisa desviar das pedras e procurar o chão mais plano para conseguir andar sem se machucar.

Some isso ao visual espetacular, ao excelente design de som e às ótimas músicas licenciadas, e Death Stranding passa uma sensação de isolamento e solidão que talvez não exista igual em games desde Shadow of the Colossus.

A CONCESSÃO À AÇÃO

Inclusive, todo o resto que ele apresenta, do stealth dos fantasmas à ação dos inimigos humanos, afasta Death Stranding do que ele tem de especial. Na minha primeira campanha, comecei a jogar na dificuldade média, mas fui abaixando conforme percebia que essas cenas nada acrescentavam. Na Director’s Cut, munido deste conhecimento prévio, já escolhi de cara a menor dificuldade. Eu queria brincar de andar de forma estratégica, não queria correr risco de tomar uns tiros no caminho e ser assassinado.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos

Essa minha decisão fez com que eu gostasse mais do jogo o tempo inteiro desde o início. Claro, eu andava com armas, mas quando encontrava inimigos, sabia que poderia vencê-los sem nenhuma dificuldade. O foco nessa minha campanha não estava em tiros ou stealth, mas simplesmente em andar. Em focar na missão de atravessar os EUA rumo ao oeste.

Isso aumentou muito o que Death Stranding tem de bom para mim. Quando joguei pela primeira vez, a presença de inimigos era sempre uma pentelhação à parte, algo que me fazia parar de curtir o que estava curtindo para resolver o problema. Tirar essa preocupação da cabeça desde o início fez com que essas partes terminassem rápido, e eu pudesse simplesmente curtir a solidão que o jogo constrói tão bem.

DEATH STRANDING E A JOLLY COOPERATION

E daí vem talvez o que Death Stranding tem de mais especial. Assim como quase tudo lançado nos games na última década, ele traz fortes influências de Dark Souls. Mas não é um soulsborne, longe disso. Ele simplesmente pega uma mecânica, a de permitir que jogadores se comuniquem e se ajudem, e usa isso do seu próprio jeito, se tornando assim muito mais especial.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos
Olha o tamanho dessa estrada. Ela só existe porque eu e mais uma galera a construímos em “jolly cooperation”.

Construir coisas como estradas dão um trabalhão. Você precisa carregar material pesado, o que deixa o jogo mais difícil. Porém, é um trabalho feito em conjunto entre você e os outros jogadores. E quando vocês chegam lá, quando uma estrada longa é construída, a coisa fica realmente especial. Viagens e missões que seriam árduas e demoradas passam a ser cumpridas em poucos minutos, porque você simplesmente dirige do ponto A ao B.

Inclusive, tem uma parte bem difícil, em que você precisa dar várias voltas entre algumas bases em uma montanha coberta de neve. É realmente árduo e desafiador andar naquela região. Porém, sabendo que aquilo envolveria várias voltas, na minha primeira viagem, eu fiz todo o caminho construindo várias tirolesas. Depois que elas estavam colocadas, as voltas seguintes passaram a não ser árduas, mas literalmente gostosas, inclusive com gritinhos de felicidade do nenê que acompanha o Norman Reedus.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos
Eu curtindo minhas próprias tirolesas.

Boa parte do meu prazer em construí-las, no entanto, veio de saber que outros jogadores as encontrariam. E, assim, poderiam usá-las e passar por uma das partes mais desafiadoras do jogo de forma rápida e lúdica se assim desejassem. E esse tipo de ajuda assíncrona é algo realmente especial, que não me lembro de ter visto parecido em outro jogo. Afinal, construir essas tirolesas afetou positivamente o jogo de centenas de pessoas que virão depois de mim. Muito mais, aliás, do que simplesmente deixar uma mensagem avisando de um perigo ou de um segredo.

DEATH STRANDING E A HISTÓRIA

Até agora eu foquei na parte game de Death Stranding. Mas ele é também uma história. E uma história bem típica do Hideo Kojima. As cutscenes são extremamente realistas e luxuosas, cheias de atores e rostos famosos, mas também são enormes, e interrompem o jogo com frequência, às vezes por mais de 40 minutos.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos
Particularmente, acho uma decisão muito estranha usar a cara do Guillermo Del Toro, mas outro ator para fazer o personagem.

O roteiro em si tem uma profundidade bem vinda. Ele aborda assuntos metafísicos, históricos e filosóficos, uma trinca que muito me atrai. Mas ao mesmo tempo é um texto bem imaturo, incluindo personagens com nomes como Deadman, Heartman e, pior de todos, Die-Hardman. Isso faz com que a história de Death Stranding seja ao mesmo tempo boba e pedante. É como se uma criança estivesse desesperada para mostrar aos adultos como é inteligente.

E a quantidade de rostos famosos, digna de rivalizar com as mais endinheiradas produções de Hollywood, parecem essa criança se exibindo, mostrando os contatos que tem, quão popular ela é, sabe?

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos
E assim como acontece em Hollywood, você acaba se apaixonando por algumas atrizes lindas de morrer.

Assim, a história de Death Stranding me é ao mesmo tempo interessante e incômoda. Eu acho que ela é um excelente ponto de partida, mas é prejudicada pela carta branca que o Kojima teve para fazer tudo do seu jeito. Sinto que o jogo ganharia muito se um roteirista profissional fosse chamado para fazer um script doctoring aqui. Especialmente, um editor precisava cortar boa parte dos diálogos e cutscenes para melhorar o timing da coisa toda. E convenhamos, é mesmo necessário rolar os créditos inteiros DUAS VEZES? E ter uma cutscene final de literalmente 180 minutos, contando a partir de quando você vence o último chefe? Sim, tem uns momentos pontuais em que você anda para frente ou movimenta a câmera, mas essas leves interações não mudam o fato de que é uma cutscene de literalmente três horas.

DEATH STRANDING DIRECTOR’S CUT E O ADICIONAL

Curiosamente, sabendo que o jogo já era longo demais, e que suas sidemissions pouco acrescentavam à história, optei por focar apenas nas missões principais. Eu fiz uma série de missões que não estavam no jogo antes, que depois descobri que eram uma colaboração com Cyberpunk 2077. Essas missões trazem alguns upgrades muito bem-vindos, como a possibilidade de vencer humanos silenciosamente de longe. Porém, pelo que pude descobrir, elas já estavam disponíveis na versão de PS4, embora tenham sido acrescentadas depois que eu joguei.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos
Essa sequência de missões acontece através de e-mails enviados por “J”.

Só depois que eu terminei a campanha, fui consultar o conteúdo novo da Director’s Cut e vi que boa parte dele só era destravado em sidemissions específicas. O problema é que há tantas sidemissions, e todas elas são apenas “vá do ponto A ao ponto B”, que eu acabei não liberando quase nenhuma novidade. Por exemplo, existe um robôzinho que pode te acompanhar e carregar as coisas para você. Eu terminei a Director’s Cut sem nem saber que ele existia.

DEATH STRANDING DIRECTOR’S CUT E O ADICIONAL QUE EU VI

Alguns adicionais são comuns e claros. Por exemplo, há pequenas pontes que você pode construir, que exigem menos recursos do que as grandes pontes que existiam originalmente.

Death Stranding, Death Stranding Director's Cut, Hideo Kojima, Norman Reedus, Delfos
Nessa imagem você vê a ponte nova, à esquerda, e a ponte velha, à direita.

Porém, são coisas pequenas, basicamente novas ferramentas que você pode usar, mas que não acrescentam muito a um jogo que já transborda em mecânicas.

O mais relevante que encontrei foi uma série de missões de ação opcionais, liberadas cada vez que você destrava uma arma nova. Essas missões te colocam em um caminho linear para vencer inimigos no menor tempo possível. Não é o tipo de coisa que me apetece muito, mas pode fornecer algumas horas de diversão para quem se envolver nisso.

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Nessas missões, você tem uma arma, um limite de tempo e um número de alvos.

Há também um adicional que até me parece divertidinho, mas é muito mais inacessível do que os desafios acima: uma pista de corrida. Quando eu recebi um e-mail falando dela, o e-mail me convocava para ir a um lugar realmente longe e contribuir com uma pá de materiais para construí-la. Isso me pareceu muito trabalho para uma simples brincadeirinha secundária. Especialmente porque, mesmo que eu a construísse, ia precisar ir até lá sempre que quisesse brincar, o que neste jogo seria um trabalhão. Parece-me que seria mais inteligente se tivessem colocado essa pista acessível sempre onde tivesse quartos para descansar, como fizeram com os desafios de ação supracitados.

MATANDO O DEATH STRANDING

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Quem nunca quis trocar uns tirinhos com o Mads Mikkelsen?

E essa foi minha experiência com Death Stranding Director’s Cut. Além das diferenças citadas acima há, claro, melhorias de resolução e performance, incluindo um modo ultra-wide que coloca barras pretas em cima e embaixo e afasta a câmera, permitindo que você enxergue mais aos lados. Ah, e a implementação da vibração do Dualsense é bem legal.

Director’s Cut por Director’s Cut, eu diria que Ghost of Tsushima traz um conteúdo mais rico em troca do seu dindin extra. Afinal, ele não traz novas ferramentas, mas uma nova campanha. Porém, dos dois games, Death Stranding é sem dúvida o mais especial – o que é diferente de “melhor”. Ghost of Tsushima é um videogame de alto orçamento tradicional. Excelente, sim, mas há muitos outros parecidos. Death Stranding é único, e justamente por isso dividiu tantas opiniões.

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Ou dar uns socos no Troy Baker?

Particularmente, eu sou do time que fica feliz por Death Stranding existir. É um jogo arriscado em uma indústria aversa a riscos. É simplesmente diferente, uma experiência de alto orçamento como nenhuma outra, e que dificilmente veremos de novo, a não ser em outros casos como este, de diretores famosos com cheque em branco para fazerem o que desejarem. Assim, se você gosta de games, deve pelo menos dar uma chance para Death Stranding. Talvez você não goste, mas ele vai te afetar de alguma forma. E isso por si só é especial.