Ultracore é um caso em que a história real envolvendo sua criação é mais interessante do que o jogo em si. Originalmente chamado de Hardcore, ele foi desenvolvido pela Digital Illusions (hoje chamada de DICE, a desenvolvedora de Star Wars Battlefront) para Mega Drive, Sega CD e Amiga.

Hardcore foi cancelado pela editora Psygnosis em 1994, porque ela acreditava que, com a aproximação da geração 32 bit, as vendas seriam mínimas. E o jogo estava quase pronto. Desde então vídeos e roms do produto semi-final vagaram pela internet. Em 2018, a editora Strictly Limited Games adquiriu a licença e lançou o título, agora rebatizado de Ultracore, para acompanhar o lançamento do Mega SG. Em junho de 2020, o famoso jogo perdido de Mega Drive chega ao PS4 e ao Switch.

ULTRACORE

Ultracore é um jogo de tiro bastante complexo para a época. Ele não chega a ser um metroidvania, mas está longe de um Contra da vida. É dividido em fases, mas elas são bem abertas e complexas. Há portas trancadas, chaves, alavancas que abrem caminhos e uma pá de passagens secretas. Apesar de o gameplay parecer Metroid, o level design lembra o primeiro Doom.

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Incluindo portas trancadas com cartões coloridos.

O jogo até é divertidinho, ainda que não seja nada especial. Seu principal problema é a mira. Ao invés de você poder mirar em oito direções mexendo o direcional, como em Contra e quase todos os run and guns da época, você precisa parar e começar a atirar, e só depois mover o direcional. Se estiver correndo e apontar para cima, seu tiro vai continuar indo para a frente. É pouco intuitivo e bem ruim, causando muitas mortes injustas, que só acontecem por causa da falta um controle mais responsivo.

O visual, convenhamos, é feinho, mas as músicas são muito legais. E, nesta nova versão, você pode alternar entre a trilha em chiptune ou a que seria usada no Sega CD. Esta foi a única aparente alteração feita no jogo.

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Atirar para cima nunca foi tão pentelho em um shooter.

O principal problema de jogar Ultracore hoje, no Switch – ou no PS4 – é que ele continua sendo um jogo de Mega Drive. E, por mais que eu tenha vivido a época, e muitos dos meus jogos preferidos sejam do console, eu sou da opinião de que eles são injogáveis hoje em dia. Tanto que mesmo quando são relançados, sempre trazem savesrewinds e outros mimos que os tornam mais acessíveis. Ultracore não traz nada disso. Ele é um jogo de Mega Drive como seria no Mega Drive.

UM JOGO DE MEGA DRIVE

Em outras palavras, ele simplesmente não salva. Mesmo coisas básicas como o menu de opções ou as leaderboards são zeradas e devem ser reajustadas cada vez que você abre o jogo.

Como num jogo de Mega Drive, ele tem apenas cinco vidas e três continues. E este é seu principal problema. Perdeu todas as vidas é game over e tem que começar de novo. A única apaziguada que ele dá são passwords – passwords, cara! – que possibilitam continuar do início de uma fase da mesma forma que você chegou nela. Por exemplo, eu cheguei na terceira fase com poucas vidas. Então usar a password que recebi torna praticamente impossível avançar mais. E para piorar, olha o tamanho dessa password!

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O código para continuar o jogo é literalmente mais longo e mais complicado do que o que eu usei para baixar o jogo.

Eu sou o primeiro a valorizar jogos retrô. Se você lê o DELFOS sabe disso. Mas coisas como passwords foram deixadas para trás por um motivo. Voltar a usar passwords tendo a possibilidade de salvar é como usar disquetes hoje em dia. A coisa está morta, e deve continuar morta. E sinceramente duvido que alguém sinta falta de “arrumar” as opções do zero a cada nova partida.

HÁ OPÇÕES

Veja, por exemplo, jogos retrô como Streets of Rage 4. Ele tem vidas limitadas, mas elas valem apenas para cada fase e você pode recomeçar da fase em que perdeu naturalmente pelo menu, mesmo que pare de jogar. Você não precisa anotar códigos enormes para simplesmente continuar seu jogo. Aliás, mesmo se você jogar Streets of Rage 2 hoje, em uma coleção legalizada ou até em um emulador, você pode salvar, usar rewinds e outras coisas que permitem saborear o que o jogo tem de bom, minimizando os terríveis vícios da época (muitos deles, como passwords, existiam apenas por incapacidade técnica, não por opções criativas).

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Eu perdendo a última vida do meu último continue.

Eu sinceramente teria vergonha de lançar um jogo que funcione literalmente como no Mega Drive hoje em dia. E, para completar, Ultracore não é barato, custando US$22,99. Desta forma, por melhor que seja sua gameplay – e ela nem é tão boa assim, fica impossível indicar Ultracore por qualquer motivo que não seja o caso curioso de ser um jogo nunca lançado de Mega Drive.