Clássicos – Fallout

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O mundo acabou. Iniciou-se uma guerra nuclear, milhões de pessoas morreram, oceanos ficaram ácidos, a terra virou um deserto e todos se ferraram. Menos um seleto grupo de sortudos, que se refugiaram em abrigos nucleares dentro da terra e viveram felizes para sempre. Só que o sempre acabou quando o chip que filtrava água quebrou e um pobre coitado foi enviado para o cruel deserto radioativo em busca de um chip reserva. Pois é, você é o coitado.

Dez anos depois de seu lançamento, lá em 1997, Fallout: A Post Nuclear Role-Playing Game ainda é considerado por muitos o melhor RPG eletrônico já feito, superando até clássicos como Baldur’s Gate. Com uma temática pós-apocaliptica no estilão Mad Max e um enredo de primeira, o game já hipnotiza de cara, com sua dramática abertura narrando a guerra (War… war never changes), seguida pela divertida vinheta da mascote do game, o PipBoy, apresentando todo o universo fantástico em poucos minutos.

Chutado para fora de seu abrigo, você tem um mapa com a localização de outro abrigo que deve ter o chip, e um prazo de 155 dias para voltar antes que todos morram de sede. Lógico que entre você e seu chip estarão centenas de bandidos, animais, humanos afetados pela radiação (Ghouls), a Brotherhood of Steel (que não é um fã-clube do Manowar, mas uma irmandade de paladinos da tecnologia), e os grandes vilões do jogo, os Super-Mutantes.

Não espere nada fofo. O jogo é classificado como M (+17) nos EUA, e faz por merecer. Mate crianças, use drogas, engane padres bêbados, fale palavrões, faça sexo, atue em filmes pornôs, seja gay, enfim. A liberdade é total e tudo faz parte do clima do jogo, sem nada parecer forçado ou só para causar polêmica. O humor negro também é marca registrada.

Fallout possui uma história cativante e criativa, muito bem contada, através de centenas de personagens. Os gráficos são simples se comparados aos atuais, mas dão uma noção perfeita de mundo, com uma direção de arte linda. A ambientação de um mundo que acabou nos anos 50 é parte da alma do game. A grande sensação quando foi lançado foi o sistema de Talking Heads que consistia no surgimento de um rosto renderizado e expressivo que aparecia, com voz e tudo, quando você conversava com personagens importantes. Isso era uma revolução em 97.

O sistema de jogo é baseado em GURPS, de Steve Jackson, lançado aqui no Brasil nos anos 90 pela Devir. Você constrói seu personagem com sete atributos básicos (Força, Percepção, Resistência, Carisma, Inteligência, Agilidade e Sorte), escolhe três habilidades como armas de fogo, medicina e roubar, e pode escolher até dois perks, as divertidas vantagens/desvantagens de Fallout, como Finesse, que aumenta sua habilidade com armas de uma mão e diminui com armas maiores, ou Bloody Mess, em TODOS os personagens morrem em banhos de sangue de encher os olhos. Pode assustar à primeira vista, mas é bem instintivo, e uma vez completo seu personagem, o jogo se torna simples.

O combate se dá em turnos, e seu numero de ações é controlado pela sua Agilidade. Um personagem com Agilidade oito teria oito pontos, e como atirar com uma pistola gasta cinco pontos, poderia atirar e andar três casas, ou fazer qualquer outra coisa com custo de até três, como recarregar a arma. Sua chance de atingir um alvo é dada em porcentagem, e você pode mirar em um local específico, como o olho de um cachorro, ou as partes baixas de um rato. Dezenas de armas que variam entre futuristas e medievais compõem seu arsenal.

As possibilidades de Fallout são infinitas. Se você acha que é o máximo poder ser bonzinho ou malvado jogando Star Wars: Knights of the Old Republic, não sabe o que jogos de final aberto realmente significam. Todas as missões podem ser resolvidas de dezenas de jeitos. Foi contratado pelo xerife para investigar um mafioso? Consiga que ele confesse em seu gravador e mostre às autoridades. Ou mate-o e consiga provas em seu cofre. Ou vire a casaca e mate o xerife. Ou mate a cidade toda e pronto. Ninguém aqui vai impedir você de fazer nada.

Mas não é por que todas as missões podem ser resolvidas de várias maneiras que o jogo é fácil. A dificuldade de se infiltrar em uma base de mutantes e a implodir é a mesma de se entrar chutando a porta da frente com seu rifle de plasma em punho. Nada de preconceitos aqui. Terminar o jogo sem dar um tiro ou sem deixar nenhum ser vivo é uma experiência completa e desafiadora do mesmo jeito.

Mas fazer o que quiser não seria tão legal se ninguém reagisse. Através de vários fatores, como sua reputação (Karma), suas ações e seus atributos, os NPCs reagem de formas completamente diferentes. Achou divertido queimar aldeias e se juntar aos saqueadores? Espere só os caça-recompensas começarem a aparecer. Bancou o bonzinho e salvou as crianças, inventou a cura do câncer e se converteu à igreja? As pessoas serão simpáticas com você, vendedores darão descontos ou até mesmo itens de graça, e criancinhas vão brincar de ser você no meio da rua.

O que nos leva a outra coisa fantástica. Os Easter Eggs. Fallout faz referências a tantos universos e culturas que é impossível citar todos. De encontros com OVNI’s e cabeças de pedra falantes a citações explícitas a Monty Python e pequenos detalhes como nomes de personagens e outros fatos que estragariam a graça do jogo se eu contasse. Ouvir seu ajudante quase morto no meio do combate dizendo que queria ter um Limit Break é impagável. (Se você não sabe o que é um Limit Break, pare de ler livros e vá jogar videogame).

Resumindo, Fallout: A Post Nuclear Role-Playing Game é um dos poucos jogos dignos do termo RPG e um clássico absoluto. A inevitável seqüência, Fallout 2, lançado dois anos depois, amplia ainda mais o fantástico universo de possibilidades, mostrando o destino dos descendentes do personagem do original. O limite de tempo chato é retirado, e agora temos carros, um sistema inteligente de grupo, um mundo duas vezes maior, centenas de armas, um encontro secreto com os Cavaleiros que dizem Ni, e o governo dos Estados Unidos como inimigo. Clássicos são assim.

Lançado vários anos depois, Fallout: Tactics traz uma variação à série, tornando-se um game de controle de esquadrões e combate em turnos, com total ênfase nas missões da Brotherhood contra os Super-Mutantes e os Ghouls. A história passa para segundo plano, resumindo-se a um briefing berrado pelo general antes de cada missão (são 22). Considerando a proposta de ser realmente um game voltado ao combate, cumpre sua missão de forma divertida, apesar de ainda dever ao original e à sua primeira seqüência.

Depois do triste fechamento da Black Isle por incapacidade da Interplay em administrar seu dinheiro, investindo os milhões obtidos com Baldur’s Gate, Icewind Dale e Fallout em fracassos, a franquia entrou em triste decadência. Fallout: Brotherhood of Steel, para Playstation 2 e Xbox não merece sequer um parágrafo. Gasto no máximo duas linhas para dizer que é o pior lixo que você pode colocar em seu console e que, mesmo como fã die-hard de Fallout, não agüentei mais que algumas horas de jogo.

Para não deixar a franquia morrer, Fallout 3 está em produção pela Bethesda Software, famosa por Elder Scrolls IV: Oblivion. A empresa tem mantido as informações a sete chaves, mas deve ser por que não tem nada bom para mostrar. Sua exibição na E3 deste ano contou com um vídeo onde os produtores exclamavam como era fantástico dar três tiros com uma mini-bazuca nuclear em um super-mutante de oito metros de altura à queima-roupa. Duvidoso e triste.

Finalizando, a franquia Fallout é uma das mais queridas e cultuadas pelos fãs, e um clássico que todos deveriam jogar. É uma pena que a série tenha tomado caminhos duvidosos, mas é sempre bom lembrar que os originais e suas dezenas de finais estão por aí. É fácil de encontrar, barato, ocupa menos que 50mb no seu HD, e é o único jogo do mundo que deixa você chutar um rato no saco. Imperdível.

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