Você já sabe disso, mas sempre vale reforçar: esta análise Tell Me Why vai abordar o novo jogo da Dontnod Entertainment, criadora de Life is Strange. Publicado pela Xbox Game Studios, é o primeiro jogo da desenvolvedora a sair como um “exclusivo” (disponível para Xbox One e Windows, presente no Game Pass).

Tell Me Why é uma história interativa que, sinceramente, poderia se chamar Life is Strange 3. O jogo funciona da mesma forma, mas sua história, contada em apenas três capítulos, é mais contida, e passada na maior parte do tempo nos mesmos cenários. Os capítulos serão lançados semanalmente (em 27 de agosto, 3 e 10 de setembro), o que também é um contraste com Life is Strange, cuja história é normalmente contada ao longo de mais de um ano. Porém, a experiência de jogar, a qualidade, e mesmo o tema da história segue a linha da série famosa.

ANÁLISE TELL ME WHY

Tell Me Why conta a história dos gêmeos Tyler e Alyson Ronan. A narrativa é apresentada com uma informação chocante: ao cortar o cabelo como um menino, a mãe de Tyler não o aceitou como uma criança trans, e tentou matá-lo. Em auto-defesa, ele a matou.

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Os gêmeos Tyler e Alyson.

Dez anos depois, os gêmeos se reencontram pela primeira vez após a tragédia. Ao organizar a casa em que tudo aconteceu para venda, eles encontram novas informações sobre a mãe, e inconsistências na forma em que lembram os fatos. Talvez as coisas não tenham acontecido exatamente dessa forma.

Durante o resto do jogo você, alternando controle entre os dois, vai conversar com o povo da cidade que conviveu com a mãe, tentando montar o quebra-cabeça do passado.

A história é realmente muito boa. Embora eu seja um homem cis heterossexual, me identifiquei com a busca dos irmãos em desvendar o passado da mãe. Eu mesmo já perdi quase toda a minha família, e fico realmente chateado de tanta história ter morrido com eles, sem nunca ter sido dividida comigo.

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As doces lembranças da infância.

Esse tipo de organização da casa de uma pessoa que faleceu é uma atividade marcante, onde você inadvertidamente aprende muito sobre pessoas que acreditava conhecer bem. E o fato de eu, infelizmente, já ter passado por isso tantas vezes (inclusive com minha própria mãe), colaborou para a história apertar meu coração.

SOBRENATURAL

Como em todos os jogos da Dontnod, há um fator sobrenatural aqui. Não na história em si, mas os irmãos têm um superpoder que serve basicamente como uma ferramenta narrativa. Eles conseguem assistir a pontos importantes da sua vida como se fossem hologramas. A questão é que às vezes eles lembram das coisas de forma diferente, e cabe a você escolher em qual acreditar.

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Já falei que sou um grande fã de abraços quentinhos?

Essa importância dada às memórias, ao mesmo tempo que elas são mostradas como algo falho, me lembrou do melhor jogo da Dontnod, o injustamente (e ironicamente, dado seu título) esquecido Remember Me. Eu mesmo já percebi como lembro de fatos importantes do passado de formas diferentes do que pessoas que viveram essas coisas comigo. Memórias definitivamente não são confiáveis, e construir uma história forte em cima dessa falibilidade é realmente interessante.

GAMEPLAY

O ato de jogar em si é exatamente igual a Life is Strange. E este é o ponto fraco de Tell Me Why. O gameplay é focado em exploração dos mesmos cenários, que se repetem ao longo dos três capítulos, como a casa ou a delegacia. Basicamente, você clica em uma mesa ou em um detalhe do cenário, e daí aponta a câmera e aperta o A em cada um dos itens para ouvir os comentários do personagem sobre aquilo.

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Não é interessante passar a maior parte do tempo lendo cartas, jornais e folhetos.

Claro, eu sei que isso é um gameplay vestigial dos clássicos point and clicks que eu adorava na minha adolescência. Porém, outros adventures modernos, como os da Telltale, acabaram se afastando desse tipo de gameplay, em função de uma narrativa mais rápida, focada nos diálogos. Hoje em dia, eu particularmente prefiro o jeito da Telltale. Por outro lado, eu entendo a crítica que as pessoas fazem que “escolhas não são gameplay“, e talvez por isso a Dontnod ainda se sinta pressionada para rechear seus jogos com exploração vazia.

PUZZLES

E veja bem, minha crítica aqui não é aos puzzles ou áreas em que você precisa descobrir o que fazer para avançar. O que acho um pouco cansativo é passar a maior parte do tempo lendo folhetos, olhando para canecas e coisas do tipo. Isso desenvolve o mundo, sim, mas não é especialmente divertido ou intrigante.

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Eu não me orgulho de dizer que tive que ler esse livro inteiro para concluir a história do jogo.

Dito isso, os puzzles de Tell Me Why, todos focados em um livro com várias histórias e literalmente mais de 80 páginas, também são bem chatinhos. Eles exigem que você saiba a qual história o puzzle se refere, e então leia a história em busca de dicas para a solução. Eu sinceramente me senti fazendo uma prova com consulta. E isso não é divertido.

CURIOSIDADES TÉCNICAS

Ao contrário de jogos como Life is Strange, em que a imprensa recebe acesso a cada capítulo pouco antes do lançamento, a Microsoft possibilitou que a gente jogasse os três episódios de uma vez.

Isso trouxe consigo algumas curiosidades que provavelmente não vão acontecer com você. Em especial, eu só conseguia baixar um capítulo depois de jogar o anterior. Daí, ao clicar em “continuar”, o jogo me levava para uma página secreta da Xbox store onde eu podia baixar o próximo.

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Outra curiosidade é que, tirando o primeiro capítulo, eu não tive acesso a conquistas. Não sei se elas serão colocadas mais próximas do lançamento, ou se essa versão antecipada nunca vai recebê-las mesmo. De qualquer forma, isso é apenas uma curiosidade, que não deve acontecer com você.

MAS TEM UM PROBLEMA

O que pode ser um problema é que o jogo é, neste momento, interminável. Após fazer o que acredito ser a última escolha, jogando no Xbox One X, Tell Me Why trava por alguns segundos, em seguida saindo para a dashboard. Eu repeti esse erro mais de dez vezes, alternando entre as escolhas possíveis e, no momento do fechamento dessa matéria, não é possível assistir ao final do terceiro capítulo.

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Porém, de novo devo destacar que o último capítulo só vai sair em 10 de setembro. E eu ficaria muito surpreso se ele ainda fosse interminável após o lançamento comercial. De qualquer forma, é algo que eu vivenciei e, portanto, precisa ser registrado aqui, mas não deixe isso te desanimar para a versão comercial que deve ter o problema consertado. (ATUALIZADA: a Microsoft me informou nesta quinta-feira, 27 de agosto, que o problema já foi corrigido. Eu testei e de fato agora já é possível concluir a história.)

Tell Me Why é praticamente um Life is Strange mini. Tem todas as características dos jogos maiores, como uma narrativa tocante e personagens lindamente desenvolvidos e atuados. Mas também tem aquele gameplay focado em “olhar” para as coisas que, para ser sincero, me deixa um tanto entediado. De qualquer forma, se você gostou de Life is Strange e está a fim de mais uma excelente história dos mesmos criadores, Tell Me Why vale muito a pena.