Você ouve discos errado?

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Um amigo seu chega para você e diz: “Ouvi o álbum da banda X. Ela continua horrível! Banda Y é muito melhor do que ela!”. Isso já aconteceu com você? Eu tenho quase certeza de que sim. Ou, caso a resposta seja negativa, eu tenho quase certeza de que você já viu pessoas comentando isso internet afora. Eles são os haters, e você, assim como eu, já está de saco cheio deles, não é verdade?

Contudo, depois de um tempo percebi que não dava para generalizar e dizer que todo mundo que faz isso é um chatonildoque só quer ver o mundo pegar fogo. Eu pensei assim por um bom tempo, até ter contato com pessoas super legais e mente-aberta que, ao ouvir falar da banda X, simplesmente mudavam e se tornavam haters. E isso era algo que não fazia sentido.

Eu passei dias rogando aos céus e jogando Bioshockem busca de uma resposta para essa pergunta tão contra-intuitiva: afinal de contas, como poderia uma pessoa esclarecida mudar da água pro vinho e agir como um pentelho de 13 anos? Como o pronunciar de sílabas do nome de uma banda podia causar alterações tão drásticas na maneira de lidar de uma pessoa? E eis que muitas orações e Big Daddies depois eu consegui pensar em algo, interessante o bastante para valer um texto – no caso, este que você está lendo. Bem, e se eu dissesse que a resposta para este problema é que os discos são ouvidos da forma errada?

O PEQUENO GRANDE PROBLEMA

Vamos seguir uma lógica simples: você é um fã de Hard Rock. A sua praia, no entanto, é ouvir aquele Hard Rock safadão bem old-school, que fala de mulheres, bebidas e jo-jo-jo-joelhos. Digamos que eu coloque você para escutar uma daquelas músicas experimentais do Steve Vai ou até um solo de cavaquinho do Jorge Aragão. Você vai gostar?

Responda. Respondeu? Perfeito, agora vamos continuar.

A resposta que você deu, muito provavelmente, foi “não”. Mas a resposta certa aqui é “não sei”. Não dá para saber porque tem muitas variáveis aqui: você pode acabar gostando do estilo de tocar do Vai e até achar bastante diferente o som do cavaco, ou você pode simplesmente parar e pensar “ei, isso não tem nada a ver com Hard Rock, que coisa chata”. Mas a questão é que, se reduzirmos ao máximo, as variáveis acabam derivando de apenas duas: você ouvir a música a partir do que você espera dela ou a partir de como ela é de fato.

Isso obviamente muda muito como as coisas funcionam. Se você for ouvir Jorge Aragão pensando nos solos cheios de bends do Slash, é claro que você vai se decepcionar. Da mesma forma, não dá para gostar da guitarra louca do Vai se você está pensando no Axl Rose cantando de saias. Agora, se você resolver avaliar a música por como ela se apresenta a você e pelo que ela é, as chances de você gostar aumentam bastante.

Você pode estar reclamando por eu ter pego um exemplo bem radical, então eu vou fazer um pouco diferente dessa vez. Volte a ser fã do Hard Rock safadão, por favor. Agora escute Estranged e Dust n’ Bones, que são músicas bem diferentes daquele Hard Rock safadão, mesmo sendo de uma banda como Guns N’ Roses.

Sentiu a diferença? Ainda são músicas de Hard Rock, mas ao mesmo tempo tem uma proposta e uma abordagem um tanto diferente de músicas como Paradise City e My Michelle. E você, ainda que sem perceber, cai no mesmo paradigma do Steve Vai do exemplo acima: você pode ouvi-las pelo que você espera delas ou pelo que elas de fato são.

SAINDO DA CAIXA

A questão é que nesse segundo exemplo a diferença é sutil, afinal de contas o Guns N’ Roses é uma banda de Hard Rock, e “sair da caixinha” para ouvir uma música deles não é tão instintivo quanto seria ao se ouvir algo distinto como no exemplo anterior. E agora talvez já tenha ficado claro o porquê de ser algo tão necessário.

Pense comigo: por que o Slipknot é uma banda que sofre tanto com esse sentimento hater? As pessoas olham para a banda, veem como uma banda de Metal, mas quando param para ouvi-la torcem o nariz e reclamam. Isso se deve porque as pessoas esperam ouvir algo, e não param para ouvir a banda pelo que ela pretende apresentar. Se você é fã de Pantera e ouve Slipknot, é óbvio que vai notar diferenças, que apesar do que parece, não indicam que uma banda é boa e outra ruim, apenas que as propostas delas são distintas.

Da mesma forma, isso explica como as pessoas torcem o nariz para os famigerados Load/Reloaddo Metallica e Risk do Megadeth. Ninguém quer saber se a banda agora quis fazer um disco mais pop e fez um disco bom seguindo essa proposta – o que todo mundo faz é achincalhar e reclamar por não serem discos de Thrash Metal. Neste caso, assim como no anterior, se repara que o problema foi que ninguém procurou entender a proposta inicial, apenas tacou a pedra baseando-se unicamente no que ela achava que deveria ser feito.

O que me incomoda mais quando eu vejo isso acontecendo é que a pessoa que está falando mal do trabalho está fazendo isso sem nem ao menos entender a proposta do mesmo. Você não precisa gostar e muito menos é obrigado a engolir o que as bandas lançam por aí, mas tem que entender a proposta. Existem trabalhos bons e trabalhos ruins, é óbvio, mas para julgar isso é primordial saber o que o artista quis dizer com a obra.

ARTE PELA ARTE

Lembra das perguntas do fã de Hard Rock lá em cima? Eu imaginei que no primeiro exemplo você diria “não” pelo simples fato de que essa maneira errada de ouvir está tão enraizada que parece ser natural que alguém muito fã de um estilo não consiga abrir os olhos para outras coisas. Pensando assim, é claro que um fã de Hard Rock nunca gostaria de Jorge Aragão, mas o que eu pretendo com esse texto é mostrar que não precisa ser assim.

Música, assim como escultura, pintura e cinema, é uma arte. Vamos tomar a ideia de que arte é a manifestação de sentimentos e sensações humanas através de uma linguagem específica. Sabendo que arte é manifestar o que se sente, é mais do que óbvio que não existe arte certa ou arte errada. Então, qual critério você usaria para saber se uma obra é boa ou ruim?

É simples: analisar uma obra qualquer requer que você entenda o que o artista quis mostrar e aí saber se ele conseguiu de fato fazê-lo.É isso que dá margem para dizer que o St. Anger é mesmo horroroso – o que você deve concordar – e que o Risk é melhor que qualquer trabalho posterior do Megadeth – o que você não deve concordar tanto.

MAS É CLARO, A OPINIÃO SEMPRE SERÁ PESSOAL

Com este texto, contudo, eu não pretendo dizer que você não deve ter opinião pessoal, muito pelo contrário. Em última instância, é óbvio que cada um fará uma análise pessoal de uma banda ou um disco, afinal de contas, cada um é cada um (duh!). Mas se você sai da zona de conforto você pode descobrir que aquela banda da qual você fala mal pode ter trabalhos bons e aquela outra banda que você adora já fez alguns trabalhos bem ruins – e aqui eu falo, por opinião pessoal, de bandas como Trivium, Slayer e Pantera.

Olha, todo mundo tem o direito de não gostar de um álbum, mas sabendo de todo o esforço e dedicação aplicados na confecção do trabalho, o mínimo que se espera é que quem critique saiba os objetivos dele. Se vamos apreciar a arte, que seja sem cometer vícios de crianças de cinco anos de idade.