South Park: The Stick of Truth

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A longeva série South Park tem uma carreira igualmente longeva nos games, porém com jogos sofríveis, algo surpreendente considerando o apreço que seus criadores Trey Parker e Matt Stone têm pela diversão eletrônica.

Pois este South Park: The Stick of Truth vem para mudar isso. Pela primeira vez, todo o estúdio responsável por South Park se envolveu na criação do jogo. Trey Parker e Matt Stone escreveram o roteiro e fizeram a dublagem, junto com todos os outros dubladores originais (que, convenhamos, não são muitos). Com isso, temos aqui um South Park que soa e aparenta ser South Park e, mais importante, passa a sensação de se estar em South Park.

THEY TOOK OUR JOBS!

The Stick of Truth é um RPG, mas um RPG bem light o que, para mim, caiu como uma luva. Se você já leu minha resenha da série South Park, sabe que eu sou fã do desenho, e se você já leu minhas matérias sobre games, deve saber que não sou um grande connoisseur de RPGs.

Para falar a verdade, minha experiência com RPGs de videogame se limita a jogos que flertam com o gênero, mas que ainda assim têm muita ação. Falo de títulos como Borderlands ou Deathspank, que até me divertem, mas tem muita coisa neles que não me agrada. The Stick of Truth é minha primeira experiência com um RPG mais puro (com combate em turnos e tudo) que jogo do começo ao fim, então para mim sua falta de profundidade foi totalmente positiva. Imagino que a Obsidian tenha feito isso para deixar o jogo mais acessível, e deu certo, pois eu dificilmente teria pego ele para jogar se fosse como um Final Fantasy da vida.

Praticamente tudo que me desanima num RPG (e coloco aí os supracitados Borderlands e Deathspank) foram diminuídos ou totalmente eliminados de The Stick of Truth. Refiro-me a coisas como as sidemissions aparentemente infinitas, nas quais você entrega a missão completa para um personagem e ele imeditamente passa uma nova, e o ciclo se repete fazendo o jogador sentir que não há nenhum progresso.

Aqui não, cada personagem que passa uma sidemission passa apenas uma (a única exceção é o Al Gore, que passa três), e a quantidade delas não chega a acumular ao mesmo tempo a ponto de deixar o jogador perdido. Acredito que durante todo o jogo você nunca vai ter mais do que umas cinco missões pendentes, o que é bem light para um RPG, mesmo os de ação.

Outra coisa que não gosto é a quantidade de tempo que esses jogos obrigam você a passar no menu, comparando estatísticas de equipamentos, armas e roupinhas, para no final das contas acabar jogando a maioria fora. Aqui isso também ficou bem mais leve. Você até pode trocar de roupa ou de armas, mas não é tão frequente e não tem tantos slots a ponto de encher o saco. Além disso, não há limite para a quantidade de itens carregados, o que elimina totalmente a necessidade de administrar o inventário.

Pode parecer que eu estou listando coisas que o jogo não tem, mas para mim essas características foram verdadeiras features, possibilitando que eu o preferisse a qualquer outro RPG que tenha jogado antes.

TIMMY!

Claro, cabe falar um pouco também de sua história e ambientação. Aqui você é um garoto que acaba de se mudar para South Park. Você logo faz amizade com o Butters, que te apresenta para Cartman e companhia. Os meninos estão jogando um live-action RPG. Cartman, Kenny, Butters e outros têm em sua posse o graveto da verdade (um galhinho comum), ferramenta que possibilita que seu possuidor controle o universo. Mas os elfos malvados comandados por Kyle, Stan e Jimmy também querem o graveto. A guerra é iminente, e a porradaria vai ser por turnos, igual faziam na idade média.

Os melhores momentos de The Stick of Truth, assim como no desenho, envolvem a visão fantasiosa que os meninos dão a coisas mundanas. Por exemplo, a poção de saúde é um pacote de salgadinhos; um dos poderes do Kyle é conjurar um espírito do norte, que nada mais é do que seu irmão Ike (ele é canadense, lembra?) e assim por diante.

Infelizmente, o roteiro se perde um pouco na sua própria criação. Se os poderes de todos os personagens são interpretações fantasiosas de coisas mundanas, como o Butters consegue conjurar raios? E por que inimigos que não fazem parte do LARP da criançada, como zumbis, animais ou os soldados do governo acatam as regras do combate por turnos? Com um pouco mais de cuidado, essas coisas poderiam ter sido explicadas de forma engraçada, o que deixaria o jogo mais redondinho.

RESPECT MY AUTHORITY!

Também seria um exagero dizer que o roteiro do jogo é totalmente original. O que ele faz, na verdade, é pegar vários momentos marcantes da série e juntá-los em uma única história. Por exemplo, tem a fase dos duendes que roubam cuecas, tem uma fase em que você entra no orifício do Mr. Slave (com a musiquinha do Lemmiwinks e tudo) e assim por diante.

O jogo também traz de volta muitos personagens que não apareciam desde as primeiras temporadas, como o pai do Tweek. Só é uma pena que eles se limitem a repetir as mesmas piadas.

Existem piadas originais por aqui, é claro, e assistir às cutscenes ou simplesmente andar pela cidade é um prazer, graças ao visual nada menos que espetacular.

MAJOR BOOBAGE

É sério, delfonauta, o visual disso aqui é embasbacante. Quando eu via fotos e vídeos, já tinha dificuldade em diferenciar do desenho, mas vendo em ação, na sua frente, é totalmente impossível diferenciar. É simplesmente perfeito. Mesmo que The Stick of Truth tivesse saído para o PS4 (ou para o PS9, que seja), eu sinceramente não vejo como o visual poderia ser mais parecido com a série. É cuspido e escarrado o que vemos na TV, e isso se estende para a animação e para as músicas.

Boa parte das músicas do desenho aparecem por aqui (o tema principal, no entanto, está curiosamente ausente), tocando em rádios. Quando você está explorando a cidade ou em uma missão, também tem algumas músicas originais que se encaixariam perfeitamente em qualquer episódio.

Outra coisa muito legal é andar pela cidade e ver o tamanho dela e onde as crianças moram. Você sabia, por exemplo, que o Butters e o Cartman são vizinhos? Eu não. Muitos detalhes, até mesmo das temporadas mais recentes, como a Tower of Peace, estão ali para serem encontradas.

O layout da cidade não é totalmente fiel ao programa, no entanto. Reassistindo a alguns episódios, vi que o cinema fica bem na frente do correio, e no jogo não é assim, muito porque aqui não tem nada na frente de outra coisa. Todas as casas estão do mesmo lado da rua, provavelmente para simplificar a exploração. O hospital Hells Pass também está curiosamente ausente do jogo.

Os personagens também estão presentes em massa. Tem alguns que eu não vi (o que não significa que eles não estejam no jogo, já que eu terminei com 105 amigos no Facebook interno, de 120 possíveis), mas mesmo assim está bem completo. E a maior parte das referências são às primeiras temporadas, o que pode ser legal para quem não acompanhou a série em seus anos mais recentes.

Só é uma pena que o protagonista não fale, pois o jogo poderia ser ainda mais engraçado. Tem algumas piadas com o fato de ele não falar, mas protagonistas mudos estão em extinção nos games atuais, então não tem muito porque tirar sarro disso atualmente.

OH, MY GOD! THEY KILLED KENNY!

Vamos falar um pouco do combate. Ele é em turnos, na melhor tradição JRPG. No início do jogo, você escolhe uma classe, entre lutador, mago, ladrão ou judeu (eu escolhi esta última) e isso afeta seus superpoderes. Além do judeu, testei o mago, mas devo dizer que o judeu tem alguns poderes bem mais úteis. Meu preferido é a circuncisão, que deixa seus desafetos sangrando, o que faz com que eles percam vida em todos os turnos. Outro poder bem poderoso é a habilidade de conjurar as pragas do Egito. O mago, pelo menos, não tem nada tão poderoso ou tão legal.

Normalmente você tem um amigo com você, que pode ser, em ordem de destravamento, Butters, Princesa Kenny (é, princesa), Jimmy, Stan, Kyle ou Cartman. Uma vez destravados, você pode trocar entre eles à vontade. Todos eles têm habilidades específicas, e muitas delas são visualmente bem legais, como quando a Princesa Kenny conjura um unicórnio. Já o Butters, além de poder virar o Professor Chaos, tem um toque de cura bem bonitinho, que é basicamente dar uns tapinhas nas costas do sujeito ferido e falar “passou, passou”.

Tem também os summons, suas habilidades mais poderosas, que encerram qualquer combate, com exceção dos chefes, imediatamente. Os summons, além de poderosos, são muito legais de assistir, e envolvem personagens como Jesus, Mr. Slave ou Mr. Hankey.

Nos combates, você controla tanto o seu personagem quanto o seu companheiro, e cada golpe precisa de algum comando seu, não apenas escolhê-lo no menu. São basicamente quick time events, e são legais, embora alguns exijam martelar um botão, o que nunca é legal. O golpe das flechas do Kyle, também, é um tanto difícil demais de se executar com perfeição, pois exige uma velocidade atroz.

YOU BASTARDS!

Infelizmente, o jogo tem suas cotas de glitches. Logo no início, no tutorial de batalha, meu jogo parou. Ele não travou, simplesmente não aceitava mais comandos e o Cartman não continuava o discurso. Tive que carregar um save para seguir em frente, mas o pior foi que eu não sabia que era um problema, já que o jogo não travou, e perdi um bom tempo tentando descobrir o que fazer.

Ele também deu um erro de dados corrompidos na primeira vez que eu rodei o disco, e me obrigou a apagar os dados de instalação. Só que ele ainda não tinha instalado, tinha apenas baixado uma atualização. Então fica a dica, só baixe a atualização depois de instalar para evitar que a mesma coisa aconteça com você.

Esses dois foram problemas pontuais, que só apareceram uma vez, mas teve um bem mais chato que aconteceu ao longo do jogo inteiro. Sempre que o jogo salvava ou às vezes quando mudava de tela, os movimentos ficavam truncados, com pequenas travadinhas, o que é bem chato quando o visual é uma parte tão importante na experiência. Isso talvez seja uma diferença que teria caso o jogo estivesse rodando em um console da próxima geração.

E já que falei do visual, vale destacar a visita ao Canadá, que emula o visual dos primeiros Zeldas. Muita gente vai adorar isso, mas como eu não joguei Zelda quando era criança, e considerei o visual de The Stick of Truth algo tão importante para a experiência, passei todo o tempo da minha visita ao Canadá querendo voltar a South Park.

LET’S FIGHTING LOVE!

Apesar das travadinhas, a versão de PS3 me divertiu tanto que, quando eu senti que o jogo estava acabando, comecei a fazer tudo bem devagarinho, para que ele durasse mais.

E ele não foi tão curto assim, durou umas 15 horas, fazendo todas as sidequests e a campanha principal. Pode ser pouco comparado a RPGs tradicionais, mas não é pouco comparado aos jogos que eu normalmente jogo. E, também ao contrário dos RPGs tradicionais, foram 15 horas que me divertiram bastante, sem filler que considero chatos, como passar boa parte do tempo olhando para os menus.

Talvez não seja uma boa recomendação para fãs hardcore de RPGs, mas para fãs de South Park, é uma excelente pedida.

CURIOSIDADE:

– Este jogo teve algumas cenas censuradas na Europa, mas pode comprar a versão brasileira tranquilamente, pois a nossa é a completa.

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