Meninas

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Há uns 10 anos, na época das BBS, troquei idéia por algum tempo com uma garota que tinha um filho. Foi a primeira pessoa da mesma idade que conheci a parir alguém. Inevitavelmente, acabei xeretando sobre esse assunto e a guria confessou que enganou o cara com quem estava ficando para ter um rebento que fosse “só dela”. O progenitor nem ficou sabendo que agora era papai o que, de repente, foi até bom para ele, mas essa história me deixou tão chocado que não a esqueci até hoje, embora nem me lembre do nome da mina. Imagina se toda guria desembesta a fazer isso, a quantidade de filhos perdidos que nós, homens, potencialmente podemos ter?

Bão, contei esse causo porque ele está, até certo ponto, relacionado com o filme que é objeto dessa resenha. O documentário Meninas tem como ponto de venda ter acompanhado por um ano o cotidiano de quatro jovens grávidas. Mentira, pois uma delas aparece muito pouco. Mas vamos falar um pouco mais sobre elas no próximo parágrafo. Me acompanha?

Luana, de 15 anos é a que abre o filme, conversando com uma atendente de posto de saúde. A atendente pergunta “foi planejada?”, ao que a guria responde com toda a naturalidade que sim. A seguir, a atendente pergunta a profissão dos pais. Luana fala com a maior naturalidade que o pai morreu, mas que era traficante (O.o). Na verdade, no decorrer do filme, fica bem claro que, embora a menina quisesse um filho, não foi planejada porcaria nenhuma (obviamente).

Evelin é a mais nova (13 anos) e vai ter um filho com o namorado, que é traficante. Aparentemente, para o povo da favela ser traficante é a mesma coisa que ser Rock Star para nós, pois são os mais desejados. Mas será que o carinha vai viver o suficiente para conhecer seu rebento?

Por fim, Edilene e Joice (14 e 15 anos respectivamente) estão grávidas do mesmo cara. O comedor se chama Alex, tem 21 anos e diz que ama Edilene. A pedofilia de um cara de 21 transando com uma mina de 13/14 anos é tratada com naturalidade por todos os envolvidos, que parecem não se preocupar com isso – a única exceção é o pai de Joice, que cita esse assunto. Aliás, essa é a guria que é sumariamente ignorada. Uma pena, pois essa história das duas grávidas do mesmo cara é a mais interessante. Já pensou você ter um irmão da mesma idade que você, que nem gêmeo é? Seria bizarro, né?

Pois entonces, tudo indica que se trata de um documentário deveras interessante, concordas? Pois, assim como eu, estarias assaz errado. Esse baguio é chato pra caramba. A diretora é Sandra Werneck, do elogiado filme do Cazuza, mas nem isso salva. Aliás, alguns dos problemas estão justamente aí. Exemplo: os cortes demoram muito para acontecer. A declaração da pessoa acaba, mas a câmera continua mostrando a cara dela por vários segundos. Alô? Alguém aí ouviu falar de edição? Dá impressão que isso foi uma desesperada tentativa de aumentar a duração do filme para mais de uma hora.

Agora o principal problema do documentário é que esse negócio de exploração da pobreza já deu o que tinha que dar há uns 10 anos. Admito que quando saiu Cidade de Deus eu já estava cheio disso, mas aparentemente o cinema nacional não consegue sair dessa fase.

Isso é ainda mais grave em documentários. Cheguei à conclusão que existe um motivo para algumas pessoas se referirem a pobres como “pessoas simples”. É justamente por elas serem simples mesmo e muito semelhantes umas às outras, sem a complexidade inerente aos indivíduos que tiveram mais condições de desenvolver suas capacidades (embora eu também já tenha percebido que mesmo pessoas das classes mais altas repetem sempre os mesmos discursos).

Há algumas semanas, tive a possibilidade de entrevistar uma prostituta (isso não foi feito para o DELFOS) e o que ela falou é exatamente o que as mamães falam nesse filme. É sempre o mesmo papo, os mesmos sonhos e esperanças, os mesmos choros falsos e sem lágrimas e as mesmas situações. Sem contar a quantidade de filhos que elas têm, que em alguns casos beira o ridículo (quantos filhos você acha que uma guria que pariu o primeiro aos 13 vai ter? Eu chutaria sete, no mínimo).

Talvez o filme não tivesse esse desagradável sabor de “mais do mesmo” se tivesse optado por registrar a gravidez adolescente nas classes mais altas. Por que não explorar a riqueza para variar um pouco? Ah, já sei, porque apenas pessoas mais abastadas têm condições e interesse de assistir a documentários. E nunca é agradável ver alguém retratado que poderia ser nossa irmã ou nossa filha. A Suzane Von Richtofen que o diga.

Dúvida cruel: Em determinado momento, o seio de uma das meninas é mostrado enquanto ela amamenta. Como todas elas são menores de idade, fiquei pensando sobre a lei de nudez de crianças, mas não cheguei a nenhuma conclusão. É legal mostrar o seio de uma guria se tiver um nenê chupando ele e, se tirar o bebê, não é mais? Curioso não? E mais, me lembro de uma novela há alguns anos que filmou a nudez de uma garota (que, se não me engano era a Taís Araújo) quando ela tinha 17 anos pois, já que ela faria aniversário antes do capítulo ir ao ar, não teria problema em mostrar. Isso não faz sentido nenhum. Significa que alguém pode filmar uma menina de nove anos nua, esperar nove anos até ela fazer 18 e então colocar na TV? Será que algum delfonauta tem conhecimentos legais e poderia esclarecer isso para nós?