Antes de começar a minha crítica Um Lugar Silencioso 2, vou contar uma historinha. A historinha que explica porque este é, para mim, o filme mais representativo da pandemia que enfrentamos atualmente.

CORONAVIRUS EM UM LUGAR SILENCIOSO

Era 5 de março de 2020 quando chegou ao meu e-mail o convite para a sessão de imprensa de Um Lugar Silencioso 2. Ela aconteceria em 16 de março, e o longa estrearia em 19 do mesmo mês. Pois sabe o que também resolveu acontecer no Brasil em março de 2020? Pois é.

Com o fechamento dos cinemas, a Paramount avisou no dia 12 de março que cancelaria a sessão para jornalistas, e adiaria a estreia por tempo indeterminado. Depois disso, a estreia chegou a ser divulgada e adiada várias vezes. Como curiosidade, um e-mail que resgatei aqui divulga as seguintes datas para três filmes, e nenhuma delas aconteceu.

Bob Esponja: O Incrível Resgate – 30 de julho de 2020
Um Lugar Silencioso – Parte II – 3 de setembro de 2020
Top Gun: Maverick – 23 de dezembro de 2020

Agora parece que a coisa vai. Afinal, ao escrever este texto, eu já assisti ao filme, e a galera da Paramount disse que não haverá um novo adiamento. Mas acho que essa história é um ótimo exemplo de como as coisas são voláteis e não seguem nosso planejamento. Caramba, é até estranho pensar que Um Lugar Silencioso 2 está guardado, prontinho para ser lançado, há quase um ano e meio.

CRÍTICA UM LUGAR SILENCIOSO 2

Crítica Um Lugar Silencioso 2, Um Lugar Silencioso, Cillian Murphy, Delfos

Na minha crítica Um Lugar Silencioso eu já tinha feito uma comparação com The Last of Us. Agora, na parte 2, o filme assume totalmente sua influência do clássico da Naughty Dog. E isso fica claro logo na primeira cena.

Um Lugar Silencioso 2 começa no dia que a humanidade foi atacada pelos monstros cegos. O foco é na família que protagonizou o primeiro longa, mostrando eles fugindo a pé, de carro, se escondendo em bares. É MUITO parecido com a abertura do The Last of Us 1, mas tem espaço para se destacar, graças a uma cinematografia e direção excelentes.

Em especial, a cena do ônibus é uma das mais bem orquestradas e aflitivas que eu vi em um filme do gênero em muito tempo. Ela dá o tom de que o que vamos assistir nos próximos 90 minutos será algo especial. Será mesmo?

COMEÇA EXCELENTE, E DAÍ…

Quando uma obra cultural começa muito bem, é sempre perigoso. Isso naturalmente impressiona de cara e aumenta as expectativas. E daí pode aumentar também a decepção. Um Lugar Silencioso 2, ao contrário da maioria dos filmes, não conta sua história em um crescendo. Pelo contrário, quanto mais tempo passa, pior ele fica. Isso culmina em um final  repentino que tenta criar expectativa para uma Parte 3, mas que só consegue demonstrar como as ideias e o capricho acabaram há pelo menos 40 minutos.

Crítica Um Lugar Silencioso 2, Um Lugar Silencioso, Cillian Murphy, Delfos

A questão é que ele não fica ruim imediatamente após a introdução. Durante pelo menos metade do filme, Um Lugar Silencioso Parte 2 é tenso e aflitivo, bem como deve ser. Verdade, aqui há muito mais diálogos e atores do que no original, o que o torna ao mesmo tempo mais comercial e menos especial. Mas ainda é um bom filme.

Nessa primeira metade tem vários momentos bem impressionantes, onde a história, a direção e o design de som combinam para criar cenas especiais. Um exemplo é a da armadilha de urso, que fará até o expectador mais durão segurar na cadeira em aflição.

ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO

Crítica Um Lugar Silencioso 2, Um Lugar Silencioso, Cillian Murphy, DelfosAs coisas pioram quando o grupo se separa. Pelo menos para mim. O que eu vou explicar agora me incomodou muito, mas ao mesmo tempo vejo a possibilidade de outras pessoas gostarem disso. Refiro-me a uma opção narrativa arriscada. Quem não arrisca não petisca, mas no caso de Um Lugar Silencioso 2, para mim a aposta não rendeu petiscos.

Quando o grupo se separa, mas especialmente no clímax, o filme começa a contar duas ou mais histórias de uma só vez. Sim, é comum filmes, TVs e até livros seguirem várias linhas narrativas ao mesmo tempo. A questão é que aqui há um esforço bem forte para manter as coisas paralelas.

Explico: se algo pega fogo em uma das histórias, vai pegar fogo nas outras também. Da mesma forma, se um barulho atiçar o monstro e a caçada começar, isso acontecerá ao mesmo tempo nas duas narrativas. É quase como o jogo The Medium e suas telas divididas, mas sem a mesma qualidade. E sem telas divididas, claro.

CRÍTICA UM LUGAR SILENCIOSO 2: NARRATIVA EM DUAS FRONTES

Um Lugar Silencioso 2 não é um filme complexo, mas essa narrativa em duas frontes totalmente paralelas acaba deixando as coisas mais confusas do que deveriam ser. E o maior dos pecados é que isso acaba diminuindo o impacto e o terror, ao invés de maximizá-los. Ah, e lembra a criatividade da cena do ônibus? Ela ficou por ali mesmo. Aqui o filme se limita a repetir várias cenas que todo mundo já viu muitas vezes (como o tiro que vem do nada, mostrando o herói quando o monstro cai).

Para piorar, o final estilo “acabou o dinheiro, termina o filme aqui mesmo” vem logo em seguida. São duas péssimas decisões que acabam agindo em sinergia para derrubar quaisquer expectativas que o início conseguiu causar.

E é uma pena, pois embora a proposta não seja especialmente criativa, um filme focado no silêncio tem muito potencial. Infelizmente, Um Lugar Silencioso 2 apenas demonstra que essa história deveria ter parado no filme anterior.