É curioso que esta crítica O Pior Vizinho do Mundo tenha sido meu próximo texto depois da minha crítica Os Fabelmans. Se você se lembra, a crítica em questão era meu pequeno tratado sobre a criatividade e o tratamento que a sociedade dá a essa habilidade elusiva, tão buscada, mas tão pouco valorizada.
Digo isso porque O Pior Vizinho do Mundo é uma refilmagem estadunidense de um filme sueco baseado em um livro. Como uma adaptação da adaptação, feito apenas porque estadunidenses não conseguem ler legendas, é fato que a criatividade passou longe daqui, tendo ficado lá no livro original. Na verdade, como uma pessoa criativa, fico triste que tanto dinheiro tenha sido gasto simplesmente para “traduzir” um filme enquanto tanta gente com boas ideias não consegue fazer seus projetos decolarem. Mas enfim, isso é o que tem pra hoje.
TOM HANKS NA CRÍTICA O PIOR VIZINHO DO MUNDO
O Pior Vizinho do Mundo é uma comédia sentimental. É um gênero que, quando bem-feito, funciona muito bem. O humor faz com que a gente se afeiçoe aos personagens, o que torna a parte sentimental ainda mais emocional. E sim, este filme é bem-feito.
Tom Hanks é o Otto do título estadunidense (Ove no original sueco). Ele é um cara bem amargo, que se incomoda com tudo que está errado, e gosta de seguir as regras. Lembra muito protagonistas já bem conhecidos do cinema, como do antigo Um Dia de Fúria ou do mais recente Up – Altas Aventuras. Eu me identifiquei muito com ele. Como dizia a Monica, “as regras existem pra gente se divertir mais”.
Como o filme é inteiro contado do ponto de vista dele, ele nunca parece realmente um cara do mal, ou um babaca. Todas suas atitudes são perfeitamente compreensíveis. Dito isso, ele é bem rude com as outras pessoas. E este talvez seja o ponto que mais me incomodou.
RUDERIA
A história basicamente começa quando novos vizinhos aparecem no bairro. O casal chega sendo simpático e querendo fazer amizado com Otto, mas ele é extremamente rude e hostil com eles. Eles reparam nisso, e até comentam. Porém, por pura força bruta, acabam se enfiando tão profundamente na vida dele que desenvolvem uma amizade.
Na vida real, acho que seria muito difícil que alguém que fosse tratado com tanta hostilidade ao conhecer alguém sequer quisesse ter outros contatos com aquela pessoa. E não são apenas os novos vizinhos. Todo mundo que mora na região trata Otto muito bem, ao mesmo tempo que ele trata todos muito mal. O único que é mais babaca é o sujeito da imobiliária, e ele está aqui só para o filme ter um personagem para chamar de vilão.
GRAN TORINO
Na verdade, ao ver o pôster e tudo que eu comentei acima, você provavelmente pensou em muitas outras histórias parecidas. O rabugento com coração grande, que acaba sendo amolecido e se torna um fofoió. Isso não pode ser considerado spoiler porque, convenhamos, é o caminho mais básico para essa história.
E como eu disse lá no começo, a criatividade passou longe daqui. Não posso dizer se o livro original é tão “historinha básica” quanto o filme, mas pelo menos nesta versão pasteurizada para o gosto gringo, a coisa é totalmente básica. Segue as formulinhas mais óbvias para fazer rir, emocionar e chorar. Mas pelo menos faz isso bem.
É aquela história de que às vezes um arroz com feijão bem feito é mais gostoso do que um prato mais elaborado. O Pior Vizinho do Mundo é daquelas comédias bonitinhas, que te levam em uma jornada emocional, e se pá você vai terminar a sessão lacrimejando e feliz. E isso tem seu valor, até porque não é fácil de conseguir. Por outro lado, a gente já tem um milhão de adaptações de Intocáveis em vários idiomas, né? E Intocáveis, o original pelo menos, é bem mais legal que O Pior Vizinho do Mundo, ainda que este até valha a sessão se você souber o que está comprando.
