Já está bem documentado aqui no DELFOS o meu desgosto pelo cineasta Lars Von Trier. Curiosamente, a ingrata tarefa de falar sobre os filmes dele sempre cabe a mim. E sabe o que é mais curioso? A Casa que Jack Construiu é mais um caso na longa incursão do dinamarquês em gêneros que me agradam.

A Casa que Jack Construiu, Matt Diillon, Lars Von Trier, DelfosVeja só, ele já dirigiu terror, histórias de fim do mundo e até um pornô. Porém, apesar de aparentemente termos gostos parecidos para gêneros (que foi, você não admira um bom entretenimento adulto?), sempre há o fator Lars Von Trier, que deixa todos estes filmes muito chatos. Para mim, os filmes dele sempre carecem de um maior apuro estético e narrativo. A Casa que Jack Construiu é uma profunda viagem pela mente de um serial killer chamado Jack (Matt Dillon). Parece interessante, não?

A CASA QUE JACK CONSTRUIU

Temos aqui o relato de cinco “incidentes” da vida do assassino, contados em primeira pessoa por ele mesmo, através de uma conversa na qual ouvimos os dois lados. Cada um desses causos envolve um assassinato. O foco não é nos crimes propriamente ditos, mas nas opiniões e análises feitas por Jack, ao mesmo tempo em que o sujeito que conversa com ele reproduz as prováveis reações da plateia aos atos hediondos que ele conta com naturalidade.

A Casa que Jack Construiu, Matt Diillon, Lars Von Trier, DelfosA coisa é bastante focada em cultura clássica, especialmente literatura e artes plásticas. A Casa que Jack Construiu traça paralelos com coisas do calibre de Dante Alighieri William Blake, ao mesmo tempo que discute materiais de construção e efeitos de luz e sombra.

Considerando que aqui no DELFOS basicamente estamos em uma conversa entre nerds, eu diria que A Casa que Jack Construiu está para a cultura clássica como os filmes antigos do Kevin Smith estão para a cultura pop. São referências quase ininterruptas.

Por um lado, todas essas analogias dão ao protagonista uma profundidade que não é normal vermos em um serial killer ficcional. Ao final dos longos 150 minutos de projeção, você vai conhecer muito bem o personagem, suas opiniões e motivações. Isso não significa que você vai gostar dele, mas vai pelo menos entendê-lo.

REFERÊNCIAS E MAIS REFERÊNCIAS

A Casa que Jack Construiu, Matt Diillon, Lars Von Trier, Delfos

Por outro, se você é um sujeito com um bom repertório cultural (e imagino que seja, afinal, está no DELFOS), sacar as referências feitas fazem você sacar o que vai acontecer em vários momentos. Para mim foi basicamente um filme auto-spoilerento. Por exemplo, o nome de um personagem importante praticamente entrega o final, tirando muito do apelo nonsense que ele busca alcançar.

E veja bem, nenhuma dessas referências é assim tão profunda também, e são bastante conhecidas mesmo por quem não é apaixonado pela cultura clássica. As duas que eu citei quatro parágrafos atrás, por exemplo, influenciaram jogos da Capcom e discos do Bruce Dickinson.

Além disso, a insistência nessas referências torna A Casa que Jack Construiu bastante pedante. Ora, estamos falando de um diretor que conseguiu a façanha de fazer um filme pornô pedante, então isso não é exatamente uma surpresa.

No entanto, ao focar suas referências em obras clássicas bastante conhecidas da população que curte cultura em geral, acaba parecendo uma criança com pouco conhecimento tentando impressionar um adulto com maior estofo cultural.

A Casa que Jack Construiu, Matt Diillon, Lars Von Trier, Delfos

Dito isso, eu até gostei de A Casa que Jack Construiu. Não é um filme que eu recomendo sem ressalvas. Além de pedante, ele é lento, longo e feio (com uma fotografia escura bem desagradável). Porém, apresenta um desenvolvimento considerável e bastante interessante de seu protagonista, algo que não se vê todo dia para uma figura que é basicamente um vilão.

Não me arrependi de tê-lo assistido, o que é mais do que posso dizer dos outros filmes do Lars Von Trier. Ainda assim, está longe, muito longe, de chegar perto de algo que eu realmente goste.

CURIOSIDADES:

  • A Casa que Jack Construiu é um filme bastante violento e chocante. Não espere aquela violência explícita de um Jogos Mortais, com tripas e coisas do tipo. A coisa é mais sutil, mas bem mais aflitiva. A cena do patinho, inclusive, me fez soltar um gemido de desgosto, algo que eu nunca faço no cinema.
  • The House That Jack Built é provavelmente o título mais comum de todos os tempos. Se liga na página dos homônimos no IMDB. Dar este nome ao seu filme é praticamente a mesma coisa de fazer uma cena com motoqueiros e tocar Born To Be Wild. Ou seja, mostra que você definitivamente não tentou fazer algo fora do lugar comum.
  • Born To Be Wild é uma música legal. Vamos ouvi-la.

https://www.youtube.com/watch?v=5UWRypqz5-o

REVER GERAL
Nota:
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
critica-a-casa-que-jack-construiuTítulo: The House That Jack Built<br> País: Dinamarca, França, Alemanha e Suécia<br> Ano: 2018<br> Estreia no Brasil: 1 de novembro de 2018<br> Duração: 2h35m<br> Distribuidora: Califórnia<br> Diretor: Lars Von Trier<br> Roteiro: Lars Von Trier<br> Elenco: Matt Dillon, Bruno Ganz e Uma Thurman.<br>