Vampire The Masquerade: Bloodlines

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Os vampiros, querendo ou não, sempre estiveram presentes em nossas vidas, seja na literatura, no cinema, nas lendas, naquele amigo mala que adora te sugar até o osso ou, é claro, nos videogames com a série Castlevania ou outros jogos do gênero. Na década de 90, aproveitando toda a euforia mundial do RPG de mesa, a famosa Editora White Wolf soltou uma releitura das histórias tradicionais de Drácula & Cia, tudo com um fundo histórico real e muita criatividade. Esse RPG se chamava Vampire: The Masquerade (ou Vampiro: A Máscara na versão tupiniquim) e caiu como uma bomba entre os jogadores de todo mundo. Chegou até a gerar alguns casos de loucura onde os jogadores se confundiam com os personagens e saiam por aí mordendo uns aos outros.

Com o sucesso na mesa, era natural uma versão para videogames e/ou computadores mais cedo ou mais tarde assim como a série AD&D com seu Baldur´s Gate ou até antes com o Eye Of The Beholder, e em 2000 chegava ao mercado pelas mãos da Activision o jogo Vampire The Masquerade: Redemption, razoável mas que não chamou tanto a atenção na época, especialmente pelo lançamento do fantástico Diablo II quase ao mesmo tempo e, convenhamos, qualquer coisa que tente competir com a série Diablo levará uma surra.

Agora, cinco anos depois, a empresa resolveu se redimir e planejou um RPG para os computadores onde a imersão seria a palavra chave: Vampire The Masquerade: Bloodlines, lançado em Setembro de 2004. O timing parecia perfeito já que o ano passado não produziu nenhum RPG marcante para os amantes do PC, mas será que desta vez a coisa funcionou?

Antes de explicar um pouco mais, algo precisa ficar bem claro: Vampire The Masquerade: Bloodlines foi feito sob medida para os apreciadores do RPG de mesa mais famoso sobre os príncipes das trevas. Se você já está familiarizado com as regras, limites e intrigas dos livros originais da White Wolf, então poderá aproveitar muito mais cada particularidade e detalhe do jogo da Activision.

Você começa, exatamente como no RPG original, escolhendo o clã de seu personagem e os atributos. Essa escolha pode ser feita diretamente (para quem já conhece as virtudes e defeitos de cada um) ou através de uma série de perguntas que guiam o seu caminho até a escolha final por uma raça “vampírica”. Infelizmente você só pode escolher os clãs da Camarilla (uma espécie de comunidade organizada dos vampiros, explico um pouquinho mais abaixo): Brujah, Gangrel, Malkavianos, Nosferatu, Toreadores, Tremere e Ventrue. Além destes clãs, o jogo original de mesa apresenta também clãs relacionados ao Sabá (os arquiinimigos da Camarilla, que desejam subjugar a raça humana) e aos Anarquistas, aqueles que não estão associados aos ideais de nenhum dos outros dois. Os integrantes do Sabá são os grandes vilões da primeira metade do jogo enquanto que as intrigas internas da Camarilla e a descoberta de um antigo e misterioso sarcófago tomam conta da segunda parte.

A partir da escolha dos clãs, devemos distribuir alguns pontos de atributos nas características de seu personagem. Esse começo é bem interessante, mas não tão complexo quanto Baldur´s Gate. A não ser pela própria escolha do clã que determina se você é um vampiro mais destinado à luta, à cultura ou às artes ocultas, o seu personagem e suas missões não variarão tanto no decorrer da história.

Para quem nunca jogou o RPG original, vou tentar explicar um pouquinho como funcionam algumas regras importantes do livro original mesmo não sendo um expert no assunto. A história do game começa exatamente no momento em que você é “abraçado” por uma deliciosa vampira. Segundo a regra oficial do livro, para alguém virar vampiro não basta apenas ser mordido como mostrado nos filmes de Hollywood, é necessário todo um grande “ritual” – o abraço – onde o sangue da vítima é totalmente drenado, mas uma pequena parte do seu progenitor é devolvida. Os seus problemas começam com a segunda parte da regra: para um vampiro de um dos clãs da Camarilla converter um humano normal, ele precisa de uma autorização prévia do príncipe local. Logicamente, a vampira que te converteu não pediu nenhuma autorização e, por isso, acabou executada. Você teria o mesmo destino também, mas recebeu uma pequena ajuda dos Anarquistas e, assim, a história se desenvolve.

Bom, já deu para sentir que Vampire, na verdade, se baseia em nossa própria realidade de falcatruas e intrigas políticas para recriar um mundo com personagens clássicos e lendários.

Ah sim, apenas por curiosidade, é importante lembrar também que o primeiro vampiro da história não foi o Conde Drácula como você deve pensar, e sim o Cain da Bíblia, aquele que matou seu próprio irmão Abel e foi amaldiçoado por Deus com a vida eterna e a sede pelo sangue. Quanto mais velho e mais próximo da linhagem original de Cain, mais poderoso o vampiro. Por isso, você deve entender o porquê de o sarcófago encontrado em uma determinada parte do jogo representar tanto mistério.

Toda a ação se passa na Los Angeles atual e a grande verdade é que Vampire The Masquerade: Bloodlines lembra muito um antigo jogo de Super Nes, também baseado em um RPG de mesa, chamado Shadowrun. Não sei se foi a ambientação urbana ou a música instrumental (lembra muito também a música da cidade principal de Shadowrun) mas isso é um bom sinal já que o velho jogo de Super Nes é um dos melhores RPGs de videogame de todos os tempos.

As músicas de Vampire são muito boas, especialmente esse tema instrumental mencionado, mas no decorrer da história você também encontrará trilhas de bandas famosas de Metal como o Lacuna Coil e o Tiamat, músicas perfeitas para o clima que envolve a jogatina já que toda a ação se baseia na noite (sim, a velha regra que os vampiros não devem tomar Sol também vale aqui). Os sons, em especial as dublagens dos personagens, também se destacam e não encontrei uma fala sequer com interpretação forçada.

Até aqui tudo parece perfeito, mas as coisas complicam um pouco quando falamos da jogabilidade. A princípio, a maioria das regras principais veio direto do livro original e, quem já conhece o RPG de mesa deve conhecer o significado da “Máscara” do nome. Para quem não conhece, basta dizer que é um conjunto de pequenas regras impostas pela Camarilla para os vampiros, entre elas, jamais se revelar para um humano. Esse conceito está muito bem representado no game e você não pode, por exemplo, sugar o sangue de suas vítimas no meio da rua para recarregar as energias, tudo deve ser feito da forma mais discreta possível. Ao quebrar a máscara (desobedecer a uma dessas leis que são bem explicadas no começo da aventura) você comete uma falta grave com a Camarilla, e quebrando a máscara cinco vezes, não tem dó, é game over.

Você pode escolher entre primeira e terceira pessoa na jogabilidade: no caso, a primeira é mais utilizada na hora de explorar os ambientes e nos combates com as armas de fogo, enquanto que a visão em terceira pessoa é obrigatória nos combates corpo-a-corpo ou com armas brancas.

Do lado esquerdo da tela fica a sua barra de energia (que se recupera sozinha bem lentamente) e do lado direito sua barra de sangue (que diminui aos poucos também). Fique esperto para não ficar sem sangue ou você perderá o controle sobre seu personagem e ele entrará em uma espécie de frenesi em busca de alguma presa e isso pode significar quebrar a máscara se a presa for aquela pobre velhinha caminhando na calçada no meio de dezenas de pedestres.

Exatamente como nos melhores RPGs, você tem sua missão principal na cidade, mas também pode realizar diversos side quests que rendem preciosos pontos de experiência para aplicar nos seus atributos (arrombar portas, manejo de armas de fogo, luta com as mãos, disfarce, carisma e por aí vai). Você não sobe de nível, apenas ganha esses pontos conforme completa missões e os aplica diretamente nos atributos, sem rodeios.

Infelizmente, os controles não são precisos como deveriam, o acesso a alguns menus é lento e temos um considerável atraso na resposta do teclado o que pode ser muito frustrante durante as lutas ou no momento em que você precisa desesperadamente de uma bolsa de sangue para recuperar a energia. Alguns bugs envolvendo o algoritmo de colisão irritam, especialmente durante as batalhas onde seu personagem irá acertar vários golpes no vácuo se você preferir o estilo de luta com porretes ou espadas. Acredite, apesar do erro de programação, esse estilo de luta ainda é muito mais preciso que as inúteis armas de fogo disponíveis.

Exatamente como em todos os jogos modernos, este RPG também depende 90% de sua placa de vídeo para rodar satisfatoriamente. Infelizmente, também como na maioria dos últimos lançamentos, Vampire é bem pesado e recomenda uma absurda GeForce 6800 (placa que aqui no Brasil custa no mínimo R$ 2.000,00) para rodar com todos os seus detalhes no máximo.

Os que comprarem essa briga terão os melhores gráficos já vistos em um RPG de computador: cenários detalhados, ótimas texturas, boa movimentação dos personagens (alguns modelos NPCs são um pouco travados, mas beleza) e as melhores variedades de expressões faciais disponíveis no mercado.

Aliás, falando nos gráficos, Vampire the Masquerade: Bloodlines utiliza o engine de Half-Life 2, mas os resultados visuais não são tão bons quanto o jogo da Valve, mesmo com o game dos vampiros mais pesado e travado. Mais um erro de balanceamento na programação.

Como comentei, alguns bugs comprometem o resultado final e os gráficos também sofrem do mesmo mal: mais de uma vez tive que reiniciar o game por problemas estúpidos como quebra de textura de alguns personagens ou o pau em que o jogo trava e volta inesperadamente para o desktop do Windows (na parte onde você vai resgatar um arqueólogo). Esse último pau, aliás, aconteceu com jogadores do mundo inteiro pelo que pude verificar em alguns fórums na Internet e nem a própria Activision conseguiu resolver o problema quase 6 meses depois do lançamento. A única solução indicada pela empresa até o momento é digitar um código no console para “pular” este trecho. Por aí você tem uma idéia de quão grave são esses erros.

O patch para a versão 1.2 resolve em parte alguns dos problemas maiores (o tempo de carregamento absurdo e alguns paus da jogabilidade e da câmera), mas deixa muitos outros em aberto. Vamos esperar a competência da empresa em lançar uma atualização que resolva verdadeiramente todos esses empecilhos. A impressão é que Vampire foi finalizado às pressas, talvez por alguma exigência para que chegasse ao mercado dentro de um determinado prazo. Infelizmente, o tiro saiu pela culatra e o que temos é um jogo que tinha tudo para ser o grande destaque de 2004 (honestamente, me diverti muito mais com a história de Vampire do que com a aventura principal de Half-Life 2), mas cheio de erros de programação primários que comprometem demais a diversão dos jogadores.

Com muita paciência e driblando os inúmeros paus, Vampire não tem um desafio tão alto como muitos podem imaginar. Somente as últimas lutas são mais chatinhas, mas até lá, presume-se que você já acumulou habilidades suficientes para usar as poderosas magias (a disciplina conhecida como progênie) com o máximo de poder.

Se você gosta deste gênero, tem uma boa máquina e paciência para administrar os paus de Vampire The Masquerade: Bloodlines, vai fundo porque este é o melhor RPG de computador em anos, mesmo com todos os seus defeitos. Eu apenas lamento e fico imaginando quão bom seria se a Activision investisse apenas um mês a mais na correção dos bugs bobos antes do jogo chegar ao mercado…

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