O Renascimento do Judas Priest – Parte 2: A banda

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Antes de ler esse texto, não deixe de ler a primeira parte.

O ano de 2001 também viu outro ótimo lançamento da Rainha do Metal, o registro duplo ao vivo (muito bom mesmo), Live Insurrection, com todos aqueles clássicos do Judas Priest e do Fight que mencionei na primeira parte, em versões impecáveis.

Reza a lenda que a maior parte do Live Insurrection foi gravada mesmo em estúdio, com um overdub dos mais sacanas e toda a reação do público foi ensaiada e moldada para ficar da forma que saiu na versão final. Boatos à parte, o próprio Rob assumiu que regravou algumas partes das músicas em estúdio, exatamente como ocorreu com o famoso álbum ao vivo, Unleashed in The East, lançado pelo Judas em 1979. Mesmo com toda a polêmica girando sobre a autenticidade do CD, esse é um trabalho que merece figurar na prateleira de qualquer banger que se preze, especialmente pelo seu preço atual bem reduzido, se pensarmos que o CD é duplo e a qualidade sonora é excelente.

A ótima repercussão dos álbuns do Halford abriram espaço, em 2002, para a gravação do segundo álbum oficial da banda, Crucible, que se não era tão inspirado quanto seu predecessor (e não alcançou metade da repercussão do Ressurection), pelo menos seguia a mesma linha energética e mantinha Rob na linha do Heavy Metal exatamente como ele desejava após as frustrações do Fight e do Two, mas o melhor ainda estava por vir.

Do lado do Judas Priest, a carreira da banda logo após a saída de Rob Halford, dez anos antes, estava incerta. Muitos apostavam no fim definitivo dos ingleses – exatamente como aconteceu quando outro vocalista saiu de um outro certo grupo inglês chamado Iron Maiden, quase na mesma época – e as coletâneas surgiam aos montes (quando as coletâneas começam a aparecer, pode acreditar que alguma coisa não vai bem pois isso é uma estratégia das gravadoras para preencher as lacunas de possíveis trabalhos de estúdio de seus artistas), mas KK, Tipton e Hill, os integrantes remanescentes originais, achavam que o Priest era grande demais para acabar e, depois de merecidas férias de dois anos, em 1994, os ingleses lançaram um concurso oficial do substituto de Rob.

Milhares de vocalistas em todo o mundo participaram do concurso enviando fitas cassete com a gravação de músicas clássicas do Judas com suas próprias vozes, mas a lista final dos aprovados para o posto se reduzia a dezenas de nomes, alguns já consagrados, outros nem tanto como podemos verificar na lista a seguir:

Ralf Scheepers (Ex-Gamma Ray, atual Primal Fear), D.C. Cooper (Royal Hunt), Tim Lachman (Gargoyle), David Reece (Ex-Accept), Anthony O´ Hara (Praying Mantis), Tony Mills (Shy), Tim Owens (Winterbane), Devin Townsend (Strapping Yound Lad), Matthew T. McCourt (Mayhem), Sebastian Bach (Skid Row – esse é o mais curioso, alguém já imaginou a Barbie como vocalista do Judas?), Jeff Martin (Racer X), John West (Royal Hunt) e Ski (Faith Factor). Algumas publicações na época chegaram a cogitar outros nomes bem bizarros também como King Diamond, Rock´n´Rolf do Running Wild e Hansi Kürsch do Blind Guardian, mas estes eram apenas boatos e nunca confirmaram que sequer participaram do tal concurso pelo posto de Rainh…digo, Rei do Metal. Entre as apostas, um nome já era dado como certo em praticamente toda a imprensa européia: o alemão Ralf Scheepers.

Ralf era fanático por Judas Priest, tinha um timbre de voz bem variado – passeando tranqüilamente por todas as fases da banda sem grandes esforços (basta ouvir um disco do Gamma Ray e um do Primal Fear para perceber a variação de voz do cidadão), e também já contava com uma boa experiência na estrada e no estúdio, atuando na cena metálica desde os anos 80 em trabalhos bem interessantes. Sua entrada na banda era tão certa, que ele até saiu do Gamma Ray, para poder se preparar melhor ao cargo que almejava.

Para surpresa de todos no resultado final, Scheepers foi rejeitado ao posto e a verdadeira história dessa porta fechada é ainda mais cruel do que parece, pois o vocalista foi aprovado em todos os testes mas faltou o principal: a audição com os próprios integrantes do Judas.

Na verdade, Ralf nunca chegou a fazer uma audição oficial com o Judas Priest, mas enviou três álbuns do Gamma Ray e mais um vídeo ao vivo no Japão, o Heading for the East. Um mês depois, a empresária dos ingleses, Jayne Andrews, enviou uma carta elogiando demais o trabalho do vocalista e confirmando que ele fora classificado para a reta final do processo onde seriam agendadas as audições nos meses seguintes. Pois é, mas a audição nunca ocorreu e depois de uma longa espera (quase dois anos), Ralf Scheepers recebeu uma carta de agradecimentos por participar do processo, mas infelizmente a empresa, digo, o Judas Priest, já tinha o seu novo vocalista, um jovem norte-americano, pouco conhecido na cena, chamado Timothy Steven Owens ou simplesmente Tim Owens. Isso, obviamente, deixou Ralf bem chateado e não é difícil encontrar por aí entrevistas onde ele expões suas mágoas em relação aos ingleses.

Nascido em 1967, Tim “Ripper” Owens (o Ripper foi um apelido dado pelo guitarrista Glenn Tipton) era integrante de uma pequena banda norte-americana chamada Winters Bane, mas ficou mais conhecido pelo seu trabalho cover de Priest onde muitos juraram que ele conseguia imitar com perfeição até os mais obscuros cacoetes de Halford. A relação do vocalista com o Judas começou ainda em 1983 quando seu irmão mais velho o presenteou com o álbum Screaming For Vengeance dos ingleses gerando uma química instantânea entre Ripper e o som pesado do Judas.

Tim tinha o seu dom no vocal, mas também era um pai de família responsável e trabalhava como analista de compras de um escritório de advocacia para sustentar sua esposa e a filha pequena. Seus colegas de escritório jamais pensariam que conviviam diariamente com o futuro vocalista de uma das mais importantes bandas de Heavy Metal de todos os tempos, já que mantinha seus cabelos curtos, não usava brincos no trabalho e escondia as tatuagens com as pesadas roupas sociais.

O destino de Tim cruzou com o do Judas em 1995, quando o vocalista mandou uma fita de vídeo caseira de péssima qualidade de um show que o British Steel (a banda cover) fizera em um clube de Erie, no estado da Pensilvânia.

Por uma incrível coincidência do destino, a responsável pela gravação desse show, foi uma garota chamada Christa Lentine, que se apaixonou pela performance de Ripper e sua incrível semelhança de estilo com Rob Halford e chegou até o vocalista dizendo que conhecia alguns integrantes do Judas pessoalmente (ela era namorada do baterista Scott Travis na época) e poderia dar uma forcinha levando a fita diretamente ao Judas Priest, sem intermediários ou burocracia.

A fita só chegou às mãos de Travis em Fevereiro de 1996 quando o baterista se preparava para viajar até a Inglaterra e ouvir a última rodada de audições. Lentine insistiu para que o namorado levasse junto a fita de Tim Owens e mostrasse aos demais.

Quando os integrantes do Judas Priest assistiram ao vídeo ficaram de cabelo em pé com a qualidade da performance de Tim Owens ao vivo e imediatamente ligaram para Lentine para saber se houvera alguma manipulação no áudio da gravação. O próprio Glenn Tipton declarou em uma entrevista alguns meses depois: “eu já vi coisas fantásticas na minha vida, mas nada como aquilo”. Apenas dois dias depois, Tim Owens já estava voando rumo à Inglaterra para se encontrar com seus ídolos da adolescência em uma fazenda.

Já na sede da fazenda, os integrantes levaram Ripper a uma pequena sala isolada acusticamente e com um aquário onde o vocalista soltaria a voz e provaria se conseguiria repetir realmente ali ao vivo, o que estava registrado na fita de vídeo. A música escolhida era Victim of Changes, o clássico mor do álbum Sad Wings of Destiny de 1976. O vocalista não precisou nem cantar todos os versos e, mais ou menos na metade de sua execução, Tipton parou a fita master e disse pelo alto-falante que Tim Owens era o novo vocalista do Judas Priest. Toda essa história é detalhadamente contada no filme Rock Star, com Mark Wahlberg. Mas a relação da banda com esse filme é uma outra história que pode ser eventualmente contada aqui mesmo no DELFOS.

Em maio de 1996, a banda soltou um comunicado oficial de sua volta e anunciou Tim “Ripper” Owens como o novo vocalista. Logicamente, o contrato assinado entre Tim e os demais integrantes era muito mais alto do que qualquer coisa que ele já ganhara na vida, mas a divisão entre o lucro da “empresa” estava bem longe de ser justa.

A empolgação era tanta que o próprio pai de Tim Owens fez uma tatuagem no braço com o símbolo da cruz do Judas Priest. O novo vocalista dividia seu tempo entre sua cidade natal e um estúdio em Londres onde gravava o primeiro álbum inédito do Judas Priest desde o Painkiller, em 1990. Todas as músicas já estavam prontas há algum tempo, só faltavam mesmo os vocais e Tim não pôde participar do processo de composição.

Finalmente em 1997, o álbum Jugulator foi lançado em todo o mundo e, para a empolgação de todos os fãs, o CD ganhou até o Grammy de melhor performance de Metal. Parecia realmente que a volta da lenda da música pesada era pra valer.

A grande verdade é que o Jugulator era um bom álbum, mas totalmente diferente de tudo o que Judas já tinha lançado antes. Para apagar um pouco o passado, a banda investia em um som bem mais pesado, que explorasse bastante o potencial de Ripper e mostrasse que eles não tinham parado no tempo. Até o logotipo da banda estava diferente, mais ousado e moderno.

A repercussão do Jugulator foi boa, mas não tanto. Como já era esperado, o álbum dividiu a opinião dos fãs, em especial dos mais conservadores que não se conformavam com a troca de vocalista de sua banda predileta (mas se esqueciam que Rob Halford também não era o vocalista original, posto que pertenceu a Al Atkins) e com a nova sonoridade. Para os novos fãs, no entanto, em especial aqueles que conheceram o Judas pelo Painkiller, o novo trabalho soava bem interessante. Particularmente aqui no DELFOS, nossas opiniões são bem divididas. Eu não gosto do Jugulator (e nem de Ripper Owens, sim sempre fui uma viúva de Rob Halford), enquanto que o Corrales gosta bastante (Nota do Corrales: eu gosto do Ripper como vocalista, até mais do que do Halford, e de algumas músicas gravadas por ele, como One on One, porém quase todas as músicas que mais gosto foram originalmente gravadas por Halford). São questões de preferência mesmo.

Os anos de 1998 e 1999 foram marcados pelas longas turnês que se seguiram ao lançamento do Jugulator. Para coroar a nova fase e mostrar o potencial de Tim Owens, a banda lança em 1998 o famoso disco ao vivo duplo, Live Meltdown, muito bem recebido pelos novos fãs.

Infelizmente, para o desespero dos fãs do Judas clássico (meu caso), a banda investia em uma nova roupagem para as músicas antigas também, descaracterizando totalmente os antigos hinos e soando mais como uma banda cover do que como o próprio Judas original. Muitos gostavam dessa nova cara da banda, como o Corrales, outros, como eu, simplesmente ignoravam.

Após a bem sucedida turnê do Jugulator, o Judas Priest entra em estúdio no ano 2000 para a gravação do segundo e derradeiro álbum de estúdio da era Tim Owens. Para o novo trabalho, Tim pôde colaborar com algumas idéias e tentou trazer alguns elementos da música pesada norte-americana, entre eles o abominável Nu Metal.

O Demolition foi lançado no começo de 2001 e afastou ainda mais os fãs antigos, mesmo com um Ripper Owens mais inspirado e livre no sentido criativo da palavra. A repercussão desse trabalho foi muito baixa, mesmo entre os novos fãs, e pela primeira vez, começaram a surgir os boatos da volta de Rob Halford à banda, sempre desmentidos pela poderosa empresária que insinuava inclusive que a banda tinha o seu melhor vocalista em toda a história e que não haveria razões para mudanças.

Para apagar a imagem de um disco fraco, nada melhor do que cair na estrada e lotar os shows dos velhos clássicos e foi exatamente isso que os ingleses fizeram ainda em 2001. As apresentações eram lotadas e a banda mostrava que sabia o que fazer em cima dos palcos. Essa turnê passou aqui pelo Brasil em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O Corrales lembra com carinho dessa turnê como um dos melhores shows que ele já presenciou e jura que foi inclusive melhor do que o show mais recente, com Halford.

A turnê seguiu em 2002 e passou por Londres onde a banda gravou um DVD e CD ao vivo na famosa Brixton Academy. O Live In London trazia uma performance inspirada, mas muito parecida com a encontrada no Live Meltdown e por isso não chamou muito a atenção dos fãs e nem da imprensa.

Por volta desta época, já havia ocorrido o famoso encontro entre Ian Hill, K.K. Downing e Rob Halford nas bodas de ouro dos Halford e um boato cada vez mais forte dava conta de que a Rainha do Metal realmente voltaria ao seu reino. As baixas vendagens do Demolition e do Crucible (último trabalho da banda Halford que você já acompanhou no capítulo anterior), apenas reforçavam essas idéias e, de repente, o site do Judas Priest deixou de ser atualizado diariamente assim como o de Rob Halford.

No começo de 2003, as principais revistas mundiais já davam como certa a volta de Rob Halford ao Judas Priest, fato que se confirmou oficialmente apenas em 11 de Julho daquele ano através da página da banda na Internet quando todas as pendências contratuais foram acertadas.

O primeiro show da volta do Judas Priest ocorreu em Hannover, na Alemanha, no dia 2 de junho de 2004 e você pode conferir minha empolgação por essa volta.

Quem sente falta de Tim Owens, pode conferir o seu trabalho agora no Iced Earth, para onde ele foi assim que soube que estava demitido do Judas Priest. Tim sempre procurou evitar polêmicas, mesmo quando os entrevistadores perguntavam sua opinião sobre Rob Halford, e deixou uma mensagem de apoio ao Judas e à nova velha formação em uma postura bem profissional.

Exageros à parte, Owens era um bom vocalista e a banda gravou pelo menos um novo trabalho interessante (sem contar os registros ao vivo), o Jugulator. Tanto os fãs quanto a banda preferem esquecer os anos “Ripper” e é muito difícil que alguma música composta neste período volte a dar as caras em algum show sob a voz de Rob Halford.

O Judas Priest fez alguns shows escolhidos a dedo em 2004, especialmente em grandes festivais, como o Ozzfest nos EUA (onde se apresentaram ao lado do Black Sabbath com sua formação original) e o Gods of Metal da Itália e tiraram o restante do ano para a gravação do novo trabalho de estúdio.

As informações do esperadíssimo primeiro trabalho de estúdio após a volta de Rob Halford foram sendo divulgadas aos poucos. O título seria Angel of Retribution e sua capa faria menção ao anjo da arte do clássico Sad Wings of Destiny. Aliás, não só a capa como a grande maioria das composições também mencionava os antigos clássicos da banda. O disco lembrava muito mais o Judas Priest mais introspectivo dos anos 70 do que a banda alegre dos 80. O lançamento do CD foi adiado três vezes, e o álbum finalmente chegou às lojas em Março de 2005. O novo “Angel” pode não ter correspondido totalmente às expectativas dos fãs, mas era um bom álbum e, na minha opinião pessoal, muito superior a qualquer coisa que a banda tenha lançado nos últimos 10 anos, como você pode conferir na minha resenha.

Brigas, separações, mas muita competência e energia. Esse é o resultado dos 31 anos de carreira dos mestres do Heavy Metal. Seja pela polêmica que cerca a banda, seja pela competência dos seus músicos que já passam dos 50 anos de idade, o Judas Priest é uma banda obrigatória para qualquer headbanger de plantão e são a prova viva de que o nosso estilo favorito está mais vivo do que nunca.

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