O PS4 mil e o mercado de consoles no Brasil

0

Quando a Microsoft anunciou o Xbox One, mostrando uma centena de apetrechos extremamente amigáveis à família, mas completamente repugnantes aos olhos dos gamers, a Sony soube tirar vantagem disso como ninguém e, durante a E3 2013, utilizou o PlayStation 4 para humilhar a concorrente de uma forma completamente devastadora, mostrando mais games consagrados, mais mimos aos fãs e até mesmo um preço melhor. Com isto, a Sony conquistou o respeito e a admiração de muitos, inclusive aqui no Brasil, onde o termo “PlayStation” virou praticamente sinônimo de videogame.

Quando foi anunciado que o Xbox One, que custa 499 dólares, seria vendido no Brasil pelo absurdo preço de 2.199 reais, o preço mais alto do mundo para o console, o favoritismo pelo negão da Sony só aumentou. Afinal, o PS4 é 100 doletas mais barato, logo ele chegaria custando algumas Dilmas a menos, não?

Este seria o caminho lógico da coisa, porém, nada que acontece no Brasil tem lá muita lógica, e no dia 17 de outubro de 2013, a Sony enfiou uma faca nos corações (e nos bolsos) dos gamers brasileiros ao anunciar que o PlayStation 4 será vendido em nossa terra por míseros quatro mil reais! Com licença, amigo delfonauta, eu vou ali no canto chorar por uns dias e voltar mais tarde.

MAS AFINAL, POR QUE TÃO CARO?

A resposta que eu e mais um monte de pessoas temos a esta pergunta é: porque deputados adoram encher seus bolsos e cuecas de grana para construírem castelos no meio do nada e, justamente por causa desta sede insaciável por dinheiro, nós, os cidadãos de bem, somos prejudicados.

Não é segredo nenhum que a carga tributária no nosso país é gigantesca e absolutamente tudo o que nós compramos é muito, mas muito mais caro do que em uma grande parte do mundo. Porém, ao contrário do que acontece em países como a Suécia, aonde os impostos também são muitos altos, nós não vemos o governo devolver a gigantesca “contribuição” que nós fornecemos em investimentos em saúde, educação e infraestrutura. O nosso próprio ditador supremo já fez um excelente texto sobre este tema alguns anos atrás.

Porém, dói dizer isto, delfonauta, mas infelizmente nosso governo não é o único vilão desta história. Embora a Sony tenha declarado que ”60% a 70% deste preço é por causa dos impostos”, o pessoal do Olhar Digital desmentiu isto, pegando o valor do PS4 lá fora e aplicando sobre ele todos os impostos, o videogame chegaria aqui custando “apenas” 2 mil reais. Ainda assim é um número muito alto, mas é literalmente a metade do que o preço anunciado, o que nos faz pensar que a Sony está tentando extorquir o bolso dos brasileiros e, em parte, a culpa disso é nossa!

A MINHA FELICIDADE É UM CREDIÁRIO NAS CASAS BAHIA

Toda esta história do PS4 me fez ver que o problema no Brasil é mais grave do que apenas a carga tributária. A verdade é que muitas empresas multinacionais aumentam sim o preço de seus produtos que serão vendidos aqui no Brasil. E nós, sem opção, acabamos comprando. Mas por que as empresas fazem uma maldade dessas?

Em um post bastante interessante feito em seu blog, Leonardo Rossato diz que estes preços inflados existem por causa da má distribuição de renda: há uma elite de pessoas podres de rica que podem e compram de tudo a qualquer preço, fazendo com que as empresas maximizem seus lucros vendendo pouquíssimas unidades. Enquanto isso, pobres mortais como nós são obrigados a lidar com os preços inflados, afinal, se tem gente que consegue comprar, significa que o preço não é tão alto assim, não é mesmo?

Este argumento tem lá a sua base de fundamento: eu conheço pessoas que foram a uma loja de eletrônicos e compraram, à vista, um Macbook e iMac. Ao mesmo tempo! E eu aqui contando moedas pra comprar um PC com um i5… Porém, a meu ver, nós das classes baixas e média somos tão culpados quanto a elite dos milionários, porque embora não possamos pagar os produtos que eles nos vendem de uma só vez, podemos pagá-los em diversas prestações, dando lucro não somente às empresas mas aos bancos também.

Hoje em dia é muito fácil parcelar tudo, principalmente aparelhos eletrônicos. TVs, notebooks, videogames, máquinas de lavar, enfim, não há nada que custe mais de 500 reais que não possa ser divididos em muitas vezes no cartão. E isto contribui para que as fabricantes vendam produtos a preços completamente inflados e ainda consiga empurrá-los para as classes baixa e média. Afinal, 2.000 reais é muito dinheiro por uma TV, mas dividindo em 24 vezes de 104 reais não pesa tanto no orçamento, não é mesmo? No final, esta TV vai sair por quase 2.500 reais, mas pelo menos eu não tenho que dar dois mil reais na hora e isso não vai fazer mal pra ninguém, não é mesmo?

Mas eu não entendo de economia. Eu entendo de videogames, e é disso que agora eu quero falar.

O MERCADO DE CONSOLES NO BRASIL

Sejamos realistas, delfonauta: videogame no Brasil é e provavelmente sempre será visto como brinquedo. Sim, eu sei que games são cultura e que hoje milhares de adultos jogam videogame com a mesma paixão que tinham pelos jogos eletrônicos e que muitos desses jogos são cheios de violência, pensamentos filosóficos e definitivamente não são para nossos infantes. Mas embora sejamos milhares, há milhões de brasileiros que simplesmente não sabem, não compreendem isto, e encaram os games como algo para deixar a molecada entretida em um fim de semana chato.

Se você tem mais de 15 anos, é bem provável que praticamente todos os seus amigos e familiares tenham tido um PS1 e/ou PS2 durante a infância, e o abasteciam com games comprados por “déreau” na lojinha de esquina mais próxima.

Mas hoje em dia as coisas mudaram: piratear um jogo para console dá muito trabalho e, mesmo que você consiga, não vai poder jogar online, que é o grande atrativo para muita gente nos games de hoje em dia. Com isso, eu vi que muita gente hoje em dia deixou de ter um videogame em seus lares. E aqueles que têm, com a exceção dos nerds, são apenas adolescentes com um certo poder aquisitivo e jovens adultos que ainda não saíram da casa dos pais e logo podem usar seu salário de mil reais para comprar um PS3 parcelado e jogar somente Winning Eleven e FIFA com os amigos.

E quanto ao grande mercado das crianças? Bem, sendo bem sincero, as crianças não ligam mais para games. Aliás, nunca ligaram para eles, pelo menos não da maneira que eles devem ser jogados. A maioria das crianças, salvo aquelas que já nasceram com o gene nerd em seus corpos, não tem paciência para lerem histórias ou seguirem instruções, ainda mais em inglês. Eles só acham o máximo o fato de poderem dirigir um carrinho pela cidade e dar umas espadadas em um bichinho com dentões por algumas horas e depois desligar o console, muitas vezes nem se importando em salvar seu progresso.

Em meu texto sobre o fim dos games super produzidos, eu disse que os jogos casuais estavam matando os jogos cheios de enredo e gráficos realistas e disse que era bem capaz que, no futuro, apenas coisas como o Wii e o Kinect prevaleceriam. Mas agora percebi que a coisa é bem pior do que eu imaginava.

Eu estava conversando com uma prima da minha terra natal e ela comentou que alguns dos nossos primos menores, nascidos depois do ano 2000, estavam eufóricos por terem ganhado tablets de dia das crianças. Isto me fez pensar o que raios uma criança faz com um tablet? A resposta veio como um soco no meio do estômago: eles usam para jogar.

E não é mesmo uma solução bem mais simples para os pais? Um tablet é algo simples e prático, não precisa ficar instalando uma centena de cabos atrás da televisão, não precisa de uma TV para se jogar e dá para guardar em uma gaveta. Eles também não precisam de centenas de discos espalhados ou fitas espalhadas pelo quarto, já que os jogos para tablets são vendidos em formato digital e custam até mesmo menos que os famigerados “déreau” dos games piratas de outrora. Isto quando o jogo não está disponível de graça no Facebook.

Some esta profunda mudança de foco do público com o fato de que hoje em dia um notebook com placa de vídeo dedicada custa quase o mesmo preço de um console e que alguns dos games mais jogados do mundo, como o League of Legends, podem ser baixados de graça e temos aí uma grande mudança na demanda pelos consoles. E quando a demanda por um produto abaixa, seu preço sobe, como está acontecendo com os consoles.

Isto, claro, não justifica o fato de o PlayStation 4 chegar ao Brasil custando absurdos quatro mil reais. Aliás, nada justifica isso, além da ganância da Sony. Mas talvez, justifique o porquê de o Xbox One custar também absurdos 2.200 e porque jogar videogame talvez nunca se torne uma atividade barata no Brasil, apenas cada vez mais cara.

VEREDICTO

Muitas pessoas estão falando em fazer boicote ao PS4 e fazer com que ele encalhe nas lojas, forçando a Sony a abaixar o preço do dito cujo. Isso pode até funcionar, mas eu aposto um high five telepático que se a Sony baixar o preço para 3.200, algumas centenas de pessoas já irão correndo para os bancos pedindo aumento no limite de seus cartões de crédito para parcelar o videogame.

Se você faz tanta questão de um PS4, importar parece ser a solução mais óbvia, mas mesmo assim, não vai mudar o fato de que a Sony e outras tantas empresas estão nos fazendo de idiotas. E mesmo com este preço absurdo, eu não duvido que muita gente ainda vai se endividar e comprar o PlayStation 4 pelos quatro mil reais, só para ter um “status de gamer elite”. E se o videogame se elitizar, meu amigo, aí podemos dar adeus de vez a uma das nossas formas de entretenimento favorito.

Ainda bem que temos o Steam.

CURIOSIDADES

– Quatro mil reais é um preço tão absurdo que até mesmo as empresas tiraram sarro da situação, entre elas o Ponto Frio, o Walmart e o Banco do Brasil.