Bad Religion no Brasil: três motivos para correr em círculos

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No começo do mês, a produtora Free Pass anunciou que a nova turnê do Bad Religion vai passar pelo Brasil no comecinho do ano que vem. Os shows serão entre os dias cinco e nove de fevereiro, no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e – quem diria! – até em Santos.

Quando soube, imediatamente eu comecei a correr em círculos. Não só porque eles são uma das minhas bandas preferidas há uns bons anos, mas também porque eu passei este ano inteiro torcendo para que eles voltassem, pensando em como este momento seria adequado para vê-los ao vivo. Seria ainda mais legal do que foi em 2011, quando eles vieram da última vez. A razão disto eu andei explicando para muita gente nos últimos dias, e agora compartilho com os delfonautas.

3 – O PASSADO

Primeiramente, o mais óbvio: Bad Religion é muito tremendão. Os caras têm 34 anos de carreira, com 16 álbuns, a maioria ótimos. Inteligentes, ácidos e ao mesmo tempo divertidos e enérgicos. Basicamente uma das melhores bandas que o Punk estadunidense tem a oferecer e uma das poucas que transcendeu o gênero.

Os shows atuais ainda têm lugar para faixas do debut How Could Hell Be Any Worse? e do Suffer, os clássicos que influenciaram dezenas de bandas nas décadas seguintes. No Control, Generator, Recipe For Hate, Stranger Than Fiction, todos os álbuns considerados clássicos são representados nos setlists, misturados com outros mais recentes – e também ótimos – como o The Empire Strikes First. São tantos hits que eles conseguem tocar 30 ou mais músicas em cada show, e ainda assim você sai sentindo falta de alguma que eles acabaram deixando de fora.

A essa altura do campeonato, eles poderiam simplesmente fazer turnês do tipo legacy act durante metade do ano. No resto dos meses, Brett Gurewitz cuidaria de seus pupilos da Epitaph Records, Brooks Wackerman tocaria com o Tenacious D e Greg Graffin ficaria escrevendo seus livros e dando aula aos lucky bastards da Cornell University. Depois de uma carreira dessas, ninguém poderia culpá-los. E tenho certeza que os shows ainda seriam divertidíssimos.

No entanto, os caras continuam a todo vapor e sem sinais de estagnação.

2 – O PRESENTE

Em fevereiro deste ano, eles lançaram o True North, o décimo sexto álbum da banda. E que álbum, delfonauta! Não dá vontade de passar uma faixa. As músicas são curtas, mas muito bem escritas e construídas, sem desperdícios e sem te dar tempo para respirar.

True North já abre com estilo, Vanity só precisa de um minutinho para chutar bundas ao estilo punk clássico e Nothing to Dismay vai ser muito divertida de cantar junto no show. In Their Hearts Is Right, My Head is Full of Ghosts e Hello Cruel World trazem as harmonias e backing vocals legais que também já são característicos deles. Esta última é a única mais lenta e mais longa do álbum, e o clima dela lembra muito a clássica Sanity, do álbum No Control. Outras das minhas preferidas são Crisis Time, Past is Dead, a divertida Dharma and the Bomb e Dept. of False Hope com seu refrão poderoso.

As letras estão afiadas como sempre, trazendo temas mais introspectivos e relacionáveis, mas tocando também em questões universais, relevantes tanto para mim com 18 anos quanto para os fãs mais velhos que permanecem com eles. Greg continua um vocalista carismático e competente, e sempre com aquele vocabulário característico dele.

Sabe, muitas bandas punk podem te fazer pesquisar sobre política e história, ou ver o jornal com um pouco mais de atenção, mas o Bad Religion é a única que te manda para o dicionário. Greg não é o único frontman de Punk com uma carreira acadêmica, mas aqui isso transparece mesmo. =P

Até Fuck You, cujo título foi estranhado pelos fãs quando anunciado por parecer ‘imaturo’ demais para eles, acabou se revelando mais um desses casos: no fim, a música fala justamente sobre pessoas que reagem agressivamente a tudo por puro costume, e para ilustrar isso ele usa uma referência ao Reflexo Condicionado de Ivan Pavlov.

A sonoridade geral do álbum lembra muito os álbuns mais antigos da banda, mas se comparado, também mostra o quanto eles cresceram, evoluíram e amadureceram em todos os aspectos. Eles conseguiram conciliar suas marcas registradas com um som que ainda parece novo, mostrando porque eles ainda são relevantes depois de mais de três décadas. A impressão é que o True North foi uma mistura homogênea do clássico e do atual, o Bad Religion definitivo. Soou até como uma despedida.

1 – O FUTURO

Na última turnê em que eles passaram por aqui – eu fui e contei como foi, lembra? – Greg estava com a mania de nos assustar dizendo que eles tinham planos de gravar mais um álbum e depois se aposentar.

Ninguém levou muito a sério, mas não dá para negar que parecia mesmo ser o caso. Segundo eles contaram ao BR Page, o True North nasceu do fato de que aparentemente eles não ficaram 100% satisfeitos com o resultado do Dissent of Man e queriam tentar de novo de um jeito diferente. E seguindo uma sugestão de Tom Waits, eles estabeleceram um limite de cerca de dois minutos para cada faixa e tentaram criar o mais objetivamente possível, sem se estender muito, para focar mais na densidade conceitual.

Eu acho que foi o melhor processo de gravação de todos”, comentou o baixista Jay Bentley. “Nós realmente focamos em gravar músicas curtas, rápidas e concisas. Não tivemos que pensar demais e nos concentramos na entrega e no que as músicas transmitem. (…) O álbum se formou organicamente e quando terminamos no estúdio nós pensamos: ‘essa pode ser a melhor coisa que já fizemos!’”. Devo dizer que se este fosse realmente o último álbum, eles sairiam de cena com muita dignidade.

Mas na verdade a história não é tão drástica: eles ainda não decidiram se aposentar. Inclusive já voltaram ao estúdio recentemente, para preparar o Christmas Songs, uma regravação de uma série de clássicos natalinos que vai sair agora dia 29 de outubro. Interessante, no mínimo.

Isso já acalma um pouco nossos coraçõezinhos, mas ainda assim, não tem como não entender o recado. Os caras já estão entrando na casa dos 50 e todos têm outras ocupações e projetos para se dedicar além da banda. O fim pode mesmo estar próximo, e eles dizem que quando vier, será sem aviso.

O propósito de dizer ‘esta é nossa última turnê’ seria só incentivar publicidade, e se funciona, então não há razão para realmente se aposentar. Nós não curtimos isso. Se começarmos a usar disto, estaremos contrariando a longevidade e a vitalidade do qual falamos todo este tempo”, Greg explicou em entrevista à Billboard. “Não dá para prever como será. Em dez anos eu vou ter 58, e eu posso ainda ter vontade de fazer um álbum punk. Mas não dá para garantir que vamos continuar fazendo tantas turnês como agora, porque estamos desenvolvendo outras áreas da nossa vida”.

É como qualquer relacionamento. A gente pode acordar uma manhã e decidir que não quer mais ser parte disso, e aí acabou. Então nós vemos cada show como potencialmente o último”, Bentley comenta. “Temos um acordo: quando acabar, acabou. Sem turnês de despedida, sem balões, sem bobagens. Nós só vamos nos conformar e encerrar”.

Ou seja, nunca se sabe quando uma turnê pode ser a última oportunidade de ver o Bad Religion ao vivo. Por isso, eu com certeza não vou perder essa agora em fevereiro. E você? Vai estar lá também?