O jornalismo metálico

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O Corrales e o Rock – Quase uma autobiografia.
O Guilherme e o Rock – Antes true tarde do que nunca.
O Cyrino e o Rock – Saiba como o Rock entrou na vida do Cyrino e não saiu mais.

“E mais, o delfonauta não tem idéia de como o mercado editorial no meio metálico é fechado”. A partir dessa frase, que pode ser encontrada – no meu texto sobre o Dia do Rock desse ano, eu entraria em uma série de divagações que nada teriam a ver com a proposta do dito cujo. Porém, quando eu pensava em jogar fora para sempre esses parágrafos, o Cyrino sugeriu que eu dividisse o texto em dois, mantendo no primeiro a minha relação com o Rock e no segundo a parte relacionada ao jornalismo roqueiro. Concordamos que os delfonautas teriam interesse em saber um pouco mais como as coisas funcionam nesse meio. Após uma rápida pesquisa na nossa comunidade do Orkut, constatamos que haveria esse interesse. Então, se você é um destes interessados, me acompanhe na divagação abaixo. E divirta-se, se for capaz.

Se você está pensando em criar um site, um fanzine ou qualquer tipo de veículo para falar sobre Metal, prepare-se, pois a estrada será dura. É extremamente difícil conseguir CDs para resenhar, bandas para entrevistar, credenciais para shows e coisas do tipo. E o pior, para conseguir isso, não é necessário um trabalho sério, mas apenas amizade com as pessoas que cuidam da assessoria de imprensa do material em questão. Ora, é comum vermos uma assessoria credenciando outra para o show no lugar de um veículo que faria uma resenha caprichada. Com essa “necessidade de amizade”, impede-se que o mercado se torne mais variado, pois são sempre os mesmos veículos concentrando a comunicação, exatamente como acontece na grande mídia brasileira, que é completamente dominada, se não me engano, por apenas seis famílias. E daí, os bangers, tão orgulhosos de estarem fora da sociedade, vêem que estão apenas em um âmbito menor englobado – e funcionando como – no maior. E digo isso mesmo conseguindo entrevistas, CDs, DVDs e credenciais pelo DELFOS, como aqueles que nos acompanham sabem, pois sei o quanto tive que batalhar para atingir esse nível (sem fingir ser amigo de ninguém nem puxar saco. Fiz questão de conseguir tudo pela qualidade do nosso trabalho) – e mesmo assim algumas portas continuam fechadas – ou você nunca reparou que algumas gravadoras têm mais lançamentos resenhados por aqui do que outras? Acredite, isso não é favoritismo. Pelo menos não da nossa parte.

Obviamente, não me refiro a todas as assessorias, até porque ainda não entrei em contato com todas, e sem dúvida já encontrei algumas que fazem seu trabalho muito bem. Mas também já recebi e-mails de assessoras reclamando da resenha de um show (que era, no geral, positiva, mas é claro, apontava algumas falhas), nos acusando de não sermos profissionais e ameaçando não credenciar novamente. Não é estranho que alguém que espera que um veículo de imprensa rasgue elogios a um evento apenas porque foi credenciado para cobri-lo acuse esse mesmo veículo de não ser profissional? Ora, uma credencial me parece um preço muito baixo para um jabá.

E mais, outras assessorias têm o costume de pedir, como condição para a credencial, links para as publicações de todos os releases enviados (sim, todos – e, para quem não sabe, é comum as empresas enviarem um mesmo release várias vezes, sem nenhuma novidade ou diferença marcante). E mesmo que o veículo envie, eles ainda assim podem não credenciá-lo. Eu caí nessa uma vez, quando o DELFOS era muito menos profissionalizado do que é hoje. Enviei alguns links e a garota respondeu dizendo que eles tinham enviado outros releases além daqueles e que precisavam disso. “Exigências da organização do show”, disse ela. E, no fim, acabamos não sendo credenciados para o evento em questão.

Para os leigos no jornalismo, essa pesquisa dos releases que cada veículo publicou é chamado de clipping e é responsabilidade da assessoria de imprensa, não dos veículos. Aliás, normalmente essa função é feita por um estagiário mal pago, o que é um absurdo, já que o clipping é importantíssimo e uma pessoa que faz isso deveria ser paga de acordo com essa importância, sendo estagiário ou não. Agora você trocar isso por uma credencial é ainda mais absurdo e desonesto do que pagar apenas um salário de estagiário.

Cada veículo é responsável por escolher quais dos releases que recebeu são importantes para seu público. A mídia trabalha para o público, não para as assessorias, portanto devem explicações para o primeiro, NUNCA para o segundo. Aliás, as assessorias é que trabalham para facilitar o trabalho da mídia, daí o nome ASSESSORIA DE IMPRENSA, caramba! Se um veículo é credenciado para um show, sua única obrigação é fazer uma matéria sobre isso. Agora que não sou mais um foca ingênuo iniciando no jornalismo, sei disso e me recuso a fazer o clipping para essas assessorias preguiçosas. Prefiro simplesmente deixar o DELFOS sem uma matéria sobre aquele show em questão, por mais importante que ele seja. E se todos os veículos tivessem essa consciência, ao invés de ficarem tão desesperados em ser credenciados, o mercado não estaria tão ridículo como está hoje.

É preciso acabar com essa idéia que as pessoas, principalmente os veículos iniciantes, têm de achar que ser credenciado é assistir a um show de graça. Se os jornalistas encaram assim, as assessorias também encaram e, por causa disso, começam a agir de acordo, como se credenciar alguém fosse um favor. Não, não é. Só quem já cobriu um show sabe quanto trabalho isso dá. Você paga caro pela credencial, pode não ser em dinheiro, mas é, sem dúvida, com trabalho. E normalmente jogando fora seu final de semana, pois se um show é de sábado, um profissional de um veículo diário sério (como nós) escreveria a resenha no domingo (ou selecionaria/editaria as fotos, dependendo da função do cara) para que a publicação seja feita na segunda. E na boa, o ingresso para um show não vale um final de semana inteiro de trabalho, sendo que na segunda tudo volta a funcionar e você não teve o merecido descanso que apenas domingos e feriados são capazes de trazer. Ok, não estou dizendo que cobrir shows é um trabalho horrível, mas é um trabalho, sim. Simplesmente não é a mesma coisa ir a um show como público ou como jornalista, pois no segundo caso, você passa mais tempo escrevendo no seu bloquinho de notas e pensando no que falar na resenha do que curtindo.

Quando eventualmente não somos credenciados, a mensagem é sempre a mesma, de todas as assessorias: “Devido ao grande número de solicitações e à cota para imprensa ser limitada, não foi possível seu credenciamento para o evento”. Ora, cota para imprensa é tão ridículo quanto cota para estudantes. A resposta para o credenciamento sempre sai às vésperas do show, quando já é bem possível saber se vai lotar ou não. E, considerando como é raro um show lotar, sempre tem espaço para mais gente da imprensa. As assessorias deveriam considerar é que, quanto mais imprensa colocarem lá, mais visibilidade darão para o evento, sem contar que um público mais heterogêneo ficará sabendo como foi. E isso tudo a custo zero.

Aliás, aproveitando o gancho em relação ao que disse sobre veículos iniciantes, é engraçado notar a síndrome de Dante (personagem do filme O Balconista) deles, tentando fazer seu papel parecer muito mais épico e altruísta do que realmente é. “Não, a gente está nessa para apoiar o Metal nacional”, “Queremos ajudar as pessoas a ficar informados”, “Não temos fins lucrativos” e por aí vai. Delfonauta, não seja ingênuo.

É ridículo, mas ainda é tabu falar de dinheiro no nosso país. Lembro de uma entrevista onde o dono do jornal O Estado de São Paulo (possivelmente o maior jornal do Brasil) dizia que não era rico. Foi difícil segurar a risada quando ouvi isso. Será que alguém é burro o suficiente para acreditar nisso?

Sejamos sinceros: manter um veículo sério e de qualidade no ar é trabalho integral para várias pessoas, ou seja, se não rolar dinheiro, não dá para continuar por muito tempo, por mais altruísta que você seja. E é preciso que o público entenda que não tem nada de errado com isso e até ajude seus veículos preferidos para que os caras possam continuar com o trabalho. Sem essa “colaboração” do público, o site (ou qualquer veículo) não cresce, não vinga, não rende e, eventualmente, vai acabar morrendo, pois a equipe vai precisar pagar suas contas, independente de qualquer razão altruísta que possa existir para a sua existência. E daí você fica sem sua fonte de informações preferida, seja ela qual for. No caso do DELFOS, você pode nos ajudar indicando o site para seus amigos, anunciando aqui, clicando nos anúncios ou comprando qualquer coisa no Submarino através deste link ou de qualquer outro link de produtos que a gente coloque no site. Qualquer coisa que você comprar através desses links, nos ajuda. Por exemplo, se você entrar em um link para um CD do Iron Maiden e acabar comprando um DVD do Harry Potter, já nos ajuda. Você não paga nada a mais por isso (o preço dos produtos é o mesmo) e ainda ajuda a gente a continuar fazendo esse trabalho do qual você tanto gosta, ou seja, todo mundo ganha.

Sobre o envio de CDs, é ainda pior que as credenciais de shows. O custo de um CD enviado para um veículo resenhar é irrisório, já que normalmente são CD-Rs de péssima qualidade (que nem tocam no carro, para você ter uma idéia) com um adesivo com a capa do disco colado em cima. E mais, além da tradicional e irritante frase de “Você está ouvindo o CD X” que é colocada sobre a música de minuto em minuto, ainda vem escrito na capa ou no release que a propriedade do promo é da gravadora e deve ser devolvido se solicitado. Então por que diabos regulam tanto o envio, cacilda?

Ao entrar em contato com uma gravadora metálica para ver porque não recebia material deles há tempos (por algum motivo, eles pararam de enviar, sem nem falar nada – e fizemos até entrevistas exclusivas com os artistas deles), o responsável me disse que não estávamos no mailing deles, mas que se eu mandasse os dados do veículo, ele poderia passar para a diretoria para ver se eles aprovavam a nossa inclusão. Enviei os dados e estou esperando alguma resposta, seja positiva ou negativa, até hoje. Isso foi em abril desse ano. Ah, além disso, o cara disse que se não rolar a aprovação eu posso comprar os CDs a preço de custo. Ok, embora eu duvide muito que seria REALMENTE o preço de custo, comprar CDs mais barato é sempre legal. Mas que eles não esperem uma resenha caso eu venha a comprar algo nesse esquema, pois agora o DELFOS felizmente pode se dar ao luxo de resenhar só o que recebemos, com algumas poucas exceções, pois não deixaríamos passar, por exemplo, o lançamento do novo disco do Judas Priest ou alguma outra coisa tão importante quanto.

Infelizmente, não temos nem tempo nem equipe para disponibilizar e ficar fazendo resenhas para lançamentos de uma gravadora que nos ignora. E tenho certeza que o delfonauta dedicado concorda e apóia essa nossa decisão, mesmo que isso eventualmente faça com que você fique privado de curtir aquela detalhada análise, como só nós sabemos fazer, daquele disco super legal que saiu recentemente. Mas pode ter certeza, se não sair resenha, é porque não recebemos o CD, já que tudo que chega aqui é resenhado. O mesmo vale para shows, se não sair resenha, podemos até ter ido ao concerto, mas fomos como público, não como imprensa.

Em defesa das assessorias, colocaria o fato de que hoje qualquer um pode ter um site. Com isso, se torna mais difícil separar aqueles que fazem um trabalho sério (como a gente) dos que querem apenas ir a shows e ganhar CDs de graça. Mas aí entra a importância de um clipping bem feito e por alguém imparcial (não pela equipe do site em questão, já que links são facilmente forjados). As assessorias têm a lista dos veículos credenciados para um show ou daqueles que receberam os promos. Basta checar esses veículos para ver se as matérias relacionadas saíram ou não. Aqueles que não publicarem nada, simplesmente são excluídos do mailing. É fácil, vai. Não tem motivo para tanto drama.

É por coisas assim que eu gosto muito mais de trabalhar na seção de cinema do DELFOS e porque eu passei para o Bruno a missão de escrever sobre o Dia do Rock nos anos anteriores. Esses foram só uns exemplos de coisas que são muito mais graves no jornalismo metálico do que nos outros meios em que já tive o prazer de trabalhar. No cinema, por exemplo, se você tem um veículo sério e publica as críticas dos filmes, você não vai ter dificuldade em receber convites para as sessões de imprensa, entrevistas coletivas e tudo mais (pelo menos não nas assessorias mais responsáveis – algumas nesse meio também não são tão profissionais, embora o grau de profissionalismo no cinema seja muito maior do que no Metal). E mais, duvido que alguém da Fox, por exemplo, vai ter a pachorra de escrever para mim para reclamar de uma resenha negativa que eu escrevi para algum filme deles. Claro que não. Eles sabem que a imprensa tem liberdade de opinião garantida por lei. E as assessorias metálicas também deveriam saber disso.

Aliás, convenhamos, o custo por pessoa é muito superior no cinema. Muitas vezes, as entrevistas coletivas são com artistas internacionais, as sessões de imprensa costumam ter comida à vontade, diversos brindes (alguns bem legais, já cheguei até a ganhar um gravador em um grande blockbuster) e coisas do tipo, tanto distribuídos no cinema, como enviados diretamente para a nossa base, também conhecida como o Oráculo de Delfos. Isso sem falar na reserva do cinema de um shopping, o que não deve ser barato nem simples de se arranjar. Enquanto isso, para cobrir um show, o jornalista não tem nem direito a um lugar para sentar (no caso de shows sentados). Imagine se, para cobrirmos a sessão de imprensa do Superman – O Retorno, os jornalistas tivessem que ficar em pé, que patético que seria? E acredite, tem muito mais gente querendo assistir um filme desses antes de todo mundo que cobrir um show.

Pode ter certeza, se o jornalismo metálico é fechado da forma que é, não é porque o custo de um promo é alto ou por que “as credenciais são limitadas”. É falta de profissionalismo mesmo. Na verdade, eu diria até abuso de poder, do tipo “se você não falar bem dos nossos CDs, não recebe mais nada. E aí quero ver como você vai continuar trabalhando”.

E digo para vocês com toda sinceridade: eu adoro trabalhar com o DELFOS, mas essas “assessorias que não assessoram” quem quer trabalhar sério são um grande problema. E não acho que ninguém da nossa equipe está aqui apenas para ganhar CDs ou ir a shows sem pagar, já que o próprio tempo acaba fazendo as pessoas se desinteressarem quando vêem o trabalho que isso acarreta. A gente continua com o DELFOS por dois motivos:

1 – É o trabalho que gostamos e conseguimos, nesses dois anos e meio de vida, através de muito sangue, suor e lágrimas, construir o site que gostaríamos de acessar.

2 – Nunca fomos hipócritas em dizer que o DELFOS não tem fins lucrativos. Sim, nós temos esperança de um dia conseguirmos receber algo com ele. Não CDs ou credenciais, mas dinheiro mesmo, o suficiente para bancar os custos do site (o que, felizmente, já está quase acontecendo) e também para compensar o nosso esforço. Afinal, é um trabalho desgastante (como qualquer outro), que acreditamos ser importante (como qualquer outro) e isso seria justo. É um sonho distante e sabemos que vai ser difícil de ser alcançado. Para que isso aconteça, sempre vamos precisar da ajuda de vocês, que a maioria dos veículos chama apenas de “fãs” ou de “público”, mas nós gostamos de chamar de outra forma: de amigos.

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