O fim dos consoles

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Games é um dos assuntos mais espinhosos de todas as nossas seções aqui no DELFOS, por um motivo bem claro: a indústria dos jogos é uma das mais sacanas de todas. O engraçado é que ela e seus jogadores também são muito azarados, e isso tem muito a ver com as práticas cara de pau e má condução de negócios da indústria.

A indústria anda passando por uma crise bem complicada que, como já aconteceu outras vezes no passado, deve mudar totalmente o mercado de games. E, com isso, estou dizendo que os consoles como conhecemos podem acabar de vez no futuro. Mas calma, porque embora algo do tipo possa realmente acontecer, o que vem a seguir ainda é uma incógnita. Vamos aos fatos que levaram um monte de gente a sugerir essa possibilidade.

RUMORES, TENDÊNCIAS E EVIL MONKEYS DE ANOS ANTERIORES

Nos últimos anos, mas em especial durante 2011, uma porrada de rumores sobre os novos PS4 e Xbox 720 começaram a surgir em todo site de games internacional. Sério, era um número absurdo, e deixamos de dar muita coisa durante o ano porque quase a cada semana havia um boato diferente.

Algumas notícias eram um pouco curiosas. Pouco depois da E3 2011, o presidente da Sony estadunidense, Jack Tretton, concedeu uma entrevista ao site Forbes e afirmou que não havia planos para um novo console tão cedo. Isso ia totalmente de acordo com o que a empresa falou no começo da geração sobre o PS3: o videogame teria prazo de validade de 10 anos. Como antes a transição ocorria a cada cinco, seis anos, ninguém na imprensa ou na indústria devem ter acreditado muito nisso.

Já na E3 2011, lembro-me bem de que estávamos bastante curiosos aqui no Oráculo para os anúncios de todas as empresas, mas que no geral tudo foi um grande banho de água fria. A Microsoft deixou o Homero entediado, a Sony anunciou uma TV interessante que depois ficou um pouco esquecida durante o restante do ano e também fez o grande anúncio do PS Vita, que antes se chamava NGP. A que se saiu melhor foi a Nintendo, que trouxe o Wii U e anunciou vários jogos legais para o Nintendo 3DS.

A impressão que ficou da E3 2011 é que a indústria está um pouco “perdida” e, assim, procurando caminhos para convencer os gamers (e talvez até ela mesma) que o mundo dos games ainda faz algum sentido. Já há algum tempo, a tendência dela é apostar na interatividade e criar novas formas interessantes de se jogar. Isso começou com a Nintendo e o Wii, e depois de um tempo a Microsoft precisou trazer o Kinect (que inicialmente se chamava Project Natal, devido à ideia de um brasileiro na equipe) e a Sony trouxe o Move.

Nenhum dos dois conseguiu se sobressair de alguma forma, mas o que isso significa, de certa forma, é que talvez o Wii tenha sido o real representante da nova geração dos videogames (!). Enquanto o PS3 e o Xbox 360 surpreendiam a todos com seus gráficos e FPS (jogos de tiro em primeira pessoa) ultra violentos (sim, estou generalizando, mas é por um bom argumento), o Wii ia pela contramão com seu controle diferente, jogos casuais e uma máquina bem inferior em capacidades técnicas.

MOTION CONTROLS NÃO SÃO TRÜES AINDA

O que essa geração conseguiu fazer com os motion controls ainda é insuficiente. Tenho um Wii e depois de muita jogatina percebi que, quando o WiiMote é usado para o bem, a experiência gamística melhora muito. Jogos FPS são excelentes no Wii, e a versão de Resident Evil 4 é a melhor já feita justamente devido aos controles (e sim, já joguei a do PS2 e GameCube). No entanto, quando os controles são utilizados apenas porque os desenvolvedores sentem necessidade disso, sem se preocupar se os movimentos vão realmente incrementar e melhorar a jogabilidade, os resultados são desastrosos. O melhor exemplo que consigo pensar é Donkey Kong Country Returns, um jogo que me traumatizou por obrigar o jogador a balançar o WiiMote para poder fazer os macacos rolarem. Delfonauta, isso é horrível!

Como essa é a grande novidade nos games (e para falar a verdade, na tecnologia em geral), a interatividade e os controles por movimento são usados prioritariamente para convencer os gamers a comprar os jogos. A verdade é que os gamers hardcore sempre olharam para esses controles com as sobrancelhas levantadas, especialmente depois de verem que esse negócio não deu tão certo quanto poderia.

O problema é ainda maior porque a Sony e a Nintendo caíram na mesma armadilha com os portáteis. O PS Vita e o Nintendo 3DS foram dois grandes fracassos em vendas quando lançados (no caso do Vita, até o fechamento desse texto, ele tinha sido lançado apenas no Japão). Analisando os dois portáteis, é inegável o potencial deles. Mas o que falta, então?

QUEREMOS JOGOS EXCELENTES!

As empresas estão pecando em algo essencial para a sobrevivência dos consoles: faltam jogos bons, criativos e originais. Além da síndrome de FPS desta geração, que abusa de todo tipo de recurso, como fazer as dublagens com atores legais como Gary Oldman e Kiefer Sutherland, mas no fim, continuam sendo jogos FPS, temos também um exagero de sequências nos últimos anos. O tema virou assunto no GameSpot, um dos mais importantes sites de games e rendeu um interessante e engraçado vídeo, que vai logo abaixo.

Se o delfonauta não clicou no play, aqui vão alguns nomes dos jogos que aparecem no vídeo: Little Big Planet 2, Dead Space 2, Killzone 3, Portal 2, Infamous 2, Gears of War 3, Uncharted 3, Modern Warfare 3, Battlefield 3, Dragon Age 2. Bem, já deu para entender, né?

O GameSpot ainda argumenta que outros jogos “novos” são remakes de coisas antigas, como Syndicate, e isso acontece hoje em dia porque a economia mundial está na lama. Assim como no cinema, as coisas andam feias nos games. Diferente do cinema, os games são uma forma de entretenimento muito cara, e fica cada vez mais cara, tanto para os jogadores como para os estúdios e distribuidoras.

As empresas não querem perder dinheiro de forma alguma, então apostam em sequências e remakes de títulos consagrados para garantirem sua sobrevivência e lucro. E isso pode (e até já se tornou, de certa forma) um círculo vicioso que vai diminuir as vendas dos softwares.

Convenhamos, o que sempre vendeu consoles foram bons jogos e, em especial, jogos exclusivos. A grande crise dos videogames na década de 80 foi causada em grande parte devido aos inúmeros consoles e computadores e mais centenas de jogos de baixa qualidade dispersos entre essas plataformas. Os jogadores pararam de comprar, as empresas começaram a falir (como a Atari e seu moribundo Atari 2600) e a coisa só foi salva com a Nintendo, com o seu Nintendinho (ou NES nos States e Famicon no Japão), que vendia horrores e resgatou o interesse dos gamers pelos consoles com os primeiros jogos de Mario Bros., Donkey Kong e diversos outros títulos de first e third parties.

Esse foi o começo da era de ouro da Nintendo que, de tão poderosa, conseguiu que várias third parties de pedigree assinassem um contrato que limitava que as softhouses criassem apenas cinco títulos para o NES por ano. Eventualmente, com os lucros cada vez mais absurdos e a ganância cada vez maior das empresas, elas migraram para outras plataformas que surgiam (como o Sega Mega Drive/Genesis).

Hoje, de uma maneira geral, não há novos títulos exclusivos que determinem a compra de um videogame. O Nintendo 3DS, por exemplo, teve como grande launch um remake cara de pau de The Legend of Zelda: Ocarina of Time, clássico absoluto do Nintendo 64. O PS Vita tem uma gama de títulos de lançamento interessante, mas o carro-chefe mesmo é Uncharted: Golden Abyss. Oras, como assim?

Para corroborar com o argumento deste último parágrafo, confira uma pequena nota de um dos redatores do Game Informer, outro site de games importantíssimo, sobre o lançamento do PS Vita:

“O Playstation Vita da Sony sai em 22 de fevereiro nos States. Eu não acho que estarei esperando na fila para conseguir um. Eu já joguei o negócio, então não estou super ansioso para testar pela primeira vez. Mas também não estou empolgado para pagar algo próximo de U$ 300,00 para ter um. Acho que é um grande pedaço de hardware, e estou querendo muito jogar Uncharted: Golden Abyss e outros jogos, mas estou hesitante em comprar um novo sistema algum dia. Sinto-me meio ‘queimado’ com a aquisição do meu PSP – que acho que não usei nem perto de como devia. Eu também tenho um iPhone agora, e jogo um monte de coisa lá. Então, vou esperar. Provavelmente vou comprar um PS Vita quando o preço cair e sua biblioteca de jogos tiver aumentado, mas parte de mim gostaria de estar empolgada para um novo videogame.”

É, algo definitivamente está errado. E olha que eu nem falei sobre o rombo da PSN ou das três luzes vermelhas ainda (e nem vou precisar!). Agora, vamos analisar com quantos olhos da cara se compra um videogame hoje.

SÓ VENDENDO RINS E OUTROS ÓRGÃOS MENOS ÚTEIS PARA PODER COMPRAR UM NOVO VIDEOGAME

O custo do PS3 foi altíssimo, e quase o matou no começo da geração. Quando lançado, ele era vendido a um preço sugerido que variava de U$ 500,00 a U$ 600,00. Se a Sony fizesse um PS4 que aumentasse significativamente as capacidades técnicas do produto, qual seria o preço dele? Praticamente ninguém pagaria um preço absurdo por um novo hardware, ainda mais quando já não há muito sentido em adquirir um novo console pelas razões citadas anteriormente.

A Microsoft e a Sony podem ter planos diferentes quanto às suas máquinas (mais disso logo abaixo), mas elas devem estar observando bem o mercado. O Wii U provavelmente vai responder muitas perguntas sobre o futuro dos games quando lançado mas, por enquanto, há muito mais coisas não respondidas a respeito dele. O principal, é claro, é o quanto ele irá custar.

Voltando à falta de criatividade nos games, é engraçado como vários dos jogos que me deixaram empolgado recentemente são indies (!). A diversão é o aspecto mais importante de qualquer jogo, e os jogos indie conseguem trazer isso, gráficos bonitos e inovação, como nos exemplos abaixo. Saca só:

Bastion:

Trine 2:

Limbo:

Outra coisa importante a ser pensada, falada pelo redator do Game Informer na notícia que coloquei logo acima, é que o mercado de telefones celulares também garante uma boa parcela do público casual que a Microsoft, Sony e Nintendo gostariam de atingir. E quer saber? Os joguinhos para esses aparelhos são legais. Joguei com um bando de amigos Plants VS Zombies no PS3 e foi uma experiência tão divertida quanto jogar o novo Mortal Kombat.

Plants VS Zombies:

ALGUNS DADOS INTERESSANTES

Muito bem, a indústria está em crise e muita gente não está pensando em comprar os novos produtos dela. Afinal, o que os gamers querem? Uma pesquisa realizada recentemente pelo GameSpot mostra alguns dados muito interessantes. Eles perguntaram a 2.546 leitores o que eles consideram importantes para os consoles da próxima geração e depois se eles acreditam que a Nintendo, Sony e Microsoft vão se preocupar com esses aspectos. Vou colocar os resultados na íntegra agora e depois comento:

Porcentagem das pessoas que responderam que algum aspecto é “muito importante ou importante de alguma forma”:

Retro compatibilidade – 83%
Gráficos melhores – 80%
Possibilidade de baixar games completos – 49%
Melhor integração com os motion controls: 32%
Jogos streaming – 29%
Integração com outras plataformas/aparelhos móveis – 27%
Compatibilidade 3D – 26%
Melhor integração social (XBL/PSN, Twitter, Facebook, etc) – 26%
Interfaces de toque (tablet/iPad) – 18%

Agora, a porcentagem de respostas sobre o que eles consideram que existirá nos próximos consoles. Olha que curioso:

Retro compatibilidade – 24%
Gráficos melhores – 74%
Possibilidade de baixar games completos – 55%
Melhor integração com os motion controls: 38%
Jogos streaming – 28%
Integração com outras plataformas/aparelhos móveis – 23%
Compatibilidade 3D – 42%
Melhor integração social (XBL/PSN, Twitter, Facebook, etc) – 46%
Interfaces de toque (tablet/iPad) – 21%

A surpresa é que o que os gamers mais querem e menos acreditam que vão ter é a possibilidade de jogar games antigos nos novos consoles! Por Satã! Isso é muito curioso. Oras, isso mostra como os bons jogos são a coisa mais importante – e todos os melhores deles estão no passado. Pessoalmente, para mim a retro compatibilidade é bastante importante, e concordo bastante com o restante das opções.

Isso quer dizer que a indústria está atirando nos próprios pés, porque se ela não se der bem com os jogadores casuais como estão planejando, estarão indo novamente totalmente contra os gamers hardcore, esses sim responsáveis pela sobrevivência dos consoles desde… sempre.

E, POR FIM, AS ESPECULAÇÕES

Lá no início do texto eu disse que, devido a tudo isso que falamos até agora, mais as dezenas de coisas ruins que rolaram nos últimos anos, e tendências chatas como essa ou essa, um monte de gente começou a especular que os consoles vão acabar em um futuro próximo ou, até mesmo, que neste ano será revelado que a Microsoft ou a Sony vão cair fora das guerras dos consoles. Vamos a alguns dados, separados em tópicos:

– Yugi Naka, o criador do Sonic, afirmou em uma entrevista ao site Siliconera que acredita que em 10 anos os consoles da Nintendo, Microsoft e Sony poderão deixar de existir. Ele acredita que o PC, iOS e Android podem ocupar os lugares desses consoles;

– Seamus Blackley, um dos co-criadores do Xbox original, formou uma equipe com vários programadores da época do Atari e fundou a Innovative Leisure (com a ajuda da grande THQ, que no momento também está em crise e irá demitir 240 funcionários até o fim do ano). Ele afirmou que os noventa e nove cents pagos por jogos de iPhone é o novo arcade, e que “as pessoas estão jogando nesses novos aparelhos e encontrando o prazer dos jogos de arcade”;

– O Games Radar supõe que o próximo Xbox pode não ser uma máquina de jogos, mas um “TV and music machine”. O maior argumento é que a última atualização do Xbox 360 mudou o layout da tela principal, colocando os games em destaque muito menor. Como o Corrales disse na notícia sobre a possível retirada de um dos consoles, o nome “Caixa X” tem muito mais a ver com uma máquina que dá todo tipo de entretenimento (e como o Homero disse nos comentários daquela notícia, isso se relaciona com o intuito da Microsoft de convergir seus aparelhos digitais).

– A Sony parece ter deixado claro que o PS4 vai demorar, e o site Benzinga faz uma análise deveras interessante a respeito do assunto. Ele aponta que a empresa teve problemas com o PS3 porque assumiu que o videogame venderia muito, descartando a possibilidade de ter problemas. Além disso, à época, o PS3 saía mais barato do que um blu-ray e as vendas do console podem não ter representado o público gamer real, afinal, quem compra um PS3 por causa do blu-ray não é gamer e não irá comprar jogos – e é daí que viria a real grana da Sony. Quem se interessa bastante pelo assunto e quer se aprofundar mais, recomendo a leitura, já que é bem interessante. Confira a íntegra do texto clicando aqui.

CONSIDERAÇÕES FINAIS, DIGO, ALGUMAS OPINIÕES BACANUDAS PARA O FIM DO TEXTO, PORQUE ISSO NÃO É UMA CONCLUSÃO ACADÊMICA E POR ISSO MESMO EU POSSO ESCREVER O INTERTÍTULO MAIS LONGO DA HISTÓRIA DO DELFOS

Acredito que todas as especulações discutidas aqui são todas absolutamente possíveis, mas que vai ser possível saber com mais clareza o que vai acontecer no futuro dos games após a E3 deste ano e do lançamento do Wii U.

As empresas de games são historicamente arrogantes e teimosas e, embora estejam um pouco mais receosas e preocupadas depois de tanto grana perdida em 2011 (em especial a Sony e a Nintendo), não vão desistir fácil de um dos negócios mais lucrativos do mundo. Elas vão dar pelo menos um último tiro no escuro, e dependendo de como se saírem (isso vai depender muito de como a crise econômica mundial estará), poderemos ver os consoles sobrevivendo por mais tempo ou morrendo inevitavelmente em uns 10 anos. Não acho que a Microsoft se dê mal nessa história, e seu plano de transformar o Xbox em uma máquina que até frita cebolas faz muito sentido para mim.

E agora é a hora de a gente discutir nos comentários sobre tudo isso. Qual é a sua opinião, delfonauta? O que deve acontecer nos games, afinal?