O Crítico

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Muita gente acha que crítico de cinema é uma daquelas profissões perfeitas, tipo astro do Rock ou degustador de bacon. Afinal, o sujeito é pago para assistir a filmes e ainda pode malhá-los sem qualquer dó. Contudo, embora seja mesmo um trabalho muito legal, tem suas partes ruins.

Tipo ter de ver coisas que não necessariamente se encaixem no seu gosto pessoal e outras que você já sabe de antemão que vão ser um lixo. Ou seja, você é obrigado a ver certos filmes que de outra forma jamais assistiria. E depois de um tempo vendo longas-metragens praticamente todos os dias, acaba o encanto, mesmo para os do tipo que lhe agradam. É como comer pizza todo dia. No começo parece boa ideia, mas você inevitavelmente vai enjoar e querer passar um bom tempo sem ver uma na sua frente. E sim, o exemplo da pizza aconteceu comigo.

Nenhum filme que eu já tenha visto tratou as agruras de ser crítico de cinema tão bem quanto este, apropriadamente intitulado O Crítico, veja só você. Victor é o sujeito em questão, um típico profissional do ramo. Não aguenta mais ver tanto filme ruim, acha que não há mais nada que preste no cinema atual e, sobretudo, repudia comédias românticas.

Há inclusive uma ótima cena onde ele destrói o gênero listando todos os seus clichês. Em suma, o cara, como alguns críticos por aí (mas não este que vos escreve, pelo menos eu acho) também é um tanto pedante e até seus pensamentos (no filme, na forma da narração em over) são em francês porque é uma língua mais cool que o espanhol.

Devo dizer que a identificação com a película foi imediata. Para quem é ou já foi crítico de cinema, ou ao menos conhece os meandros, vai ver muitas situações bem similares ao que ocorre no cotidiano desses profissionais inclusive aqui no Brasil. Do grupo de colegas que se reúne depois de uma cabine de imprensa para falar a respeito do longa à boca livre que costuma rolar nas próprias cabines, está tudo lá.

O mais legal, para mim, foi que essa identificação não se deu só no nível profissional, mas a própria situação de vida pessoal de Victor chega a ser assustadoramente parecida com o momento que estou vivendo. Até mesmo o apartamento onde ele mora, constantemente assolado pelo insuportável barulho de obras no prédio parece ter saído diretamente do meu cotidiano, só para ficar em um exemplo.

Infelizmente, o longa que começa muito bem perde muito do pique e fica bem menos interessante quando o cara conhece uma mina e sua vida começa a virar justamente o amontoado de clichês das comédias românticas que ele tanto abomina. A ideia era justamente usar isso de forma irônica, como de fato o faz. Mas que o filme perde muito do charme quando essa, que é a trama principal, engata, isso não tem como negar.

Ainda assim, não chega a ser uma piora vertiginosa e dá para aguentar esses momentos mais água com açúcar numa boa. Mas seria bem mais interessante se fosse mesmo um trabalho focado na medíocre vida do sujeito. Mas, já que preferiram seguir justamente o caminho das comédias românticas, até que não faz feio como tal.

Desta forma, tanto para quem gosta do gênero quanto para quem tem interesse em saber como é o cotidiano de um resenhador de filmes profissional, O Crítico tem tudo para agradar em mais um bom exemplar do sempre interessante cinema argentino. Este crítico aqui recomenda.

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Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
o-criticoPaís: Argentina<br> Ano: 2013<br> Gênero: Comédia Romântica<br> Duração: 98 minutos<br> Roteiro: Hernán Guerschuny<br> Elenco: Rafael Spregelburd, Dolores Fonzi e Blanca Lewin.<br> Diretor: Hernán Guerschuny<br> Distribuidor: Esfera<br>