Como já disse antes, Stephen King criou o pseudônimo de Richard Bachman para publicar aqueles trabalhos que ele considerava diferentes de sua obra costumeira, seja por estilo ou por voz narrativa diversa. Talvez mais que todos os outros, seja neste O Concorrente onde essa intenção fica mais clara.

Aqui você não vai encontrar absolutamente nada de terror, ou mesmo de suspense. Trata-se essencialmente de uma história de ficção científica com toques de ação, algo pelo qual King definitivamente não é conhecido. Mas nem por isso o deixa de fazer com sua qualidade costumeira.

King, usando a voz de Bachman, prevê um futuro nada lisonjeiro para os EUA. No ano de 2025, as diferenças de classe são gigantescas, com os mais pobres relegados a guetos violentos, sem condições de pagar por coisas básicas como comida e medicamentos, respirando um ar super poluído e cancerígeno e tendo de se sustentar através de subempregos.

A única diversão do povão, que também faz a cabeça das classes mais abastadas, são os sádicos reality shows de um canal de TV aberta, onde os participantes são torturados e mortos em troca de dinheiro para suas famílias. Ben Richards é mais um cidadão das classes baixas da população que decide tentar a sorte se inscrevendo para os programas da emissora, pois precisa do dinheiro para comprar remédios para a filha doente.

Delfos, O Concorrente

Como Richards possui um perfil físico e mental acima da média, acaba selecionado para participar de O Foragido, o programa de maior sucesso da emissora, uma caçada humana onde ele tem de fugir e se esconder, enquanto a polícia e a população tentam matá-lo ou entregá-lo por uma gorda recompensa.

Por ser um livro relativamente curto (reza a lenda que King o teria escrito em meras 72 horas) e uma leitura rápida, todo o desespero e dinamismo da caçada transparece nas páginas, enquanto Richards tenta todos os subterfúgios possíveis para escapar e viver mais um dia.

O livro até tinha potencial para desenvolver mais a história, mas o autor parece ter preferido investir numa trama mais curta de propósito, para passar a sensação de um blockbuster testosterônico. É diversão pura, e até por isso acaba sendo um livro menor, até mesmo dentro da obra do próprio Bachman.

E mesmo assim ele ainda consegue criar um mundo interessante e bem detalhado, com uma visão crítica toda própria, especialmente da cultura dos reality shows. Vale lembrar, o livro foi escrito em 1982, muito antes dessa onda de programas de realidade surgirem. E nesses tempos de Big Brother, a leitura se prova mais atual do que nunca.

O Concorrente é King dando um rápido mas eficaz passeio por um gênero no qual não costuma transitar. Para os fãs do autor, vale por essa curiosidade de ler um livro focado na ficção científica ao invés do costumeiro terror e suspense. E para quem não é fã do cara justamente pelas temáticas comumente abordadas, este aqui pode ter chance de agradá-lo por fugir de seu convencional.

CURIOSIDADES:

– O livro foi publicado no Brasil pelas editoras Francisco Alves, com o nome O Sobrevivente, dentro da coletânea Os Livros de Bachman em 1992; e pela Suma de Letras em 2006, rebatizado como O Concorrente, versão analisada nessa resenha.

– O romance foi adaptado para o cinema em 1987 com o título nacional de O Sobrevivente. Com direção de Paul Michael Glaser, o longa é estrelado por Arnold Schwarzenegger, Maria Conchita Alonso, Yaphet Kotto, Jesse Ventura e Richard Dawson. Contudo, apesar da premissa do reality show ser a mesma, todo o resto acabou ficando completamente diferente da fonte original.