Diz a história que, quando Stephen King começou a fazer muito sucesso na virada da década de 1970 para 80, ficou em dúvida se as pessoas o liam pela qualidade de seu trabalho ou apenas pela fama de seu nome, pela grife que rapidamente se tornou. Para resolver esta questão, inventou o pseudônimo Richard Bachman e publicou alguns livros com esta alcunha, antes que sua verdadeira identidade vazasse, como acabou por acontecer bem mais rápido do que ele gostaria.

Fato é que, fora responder à grande dúvida do autor (eles venderam pouco inicialmente e uma cacetada quando a verdadeira autoria veio a público. No entanto, receberam críticas melhores do que os trabalhos assinados como King antes de sua verdadeira identidade vazar), King aproveitava para publicar sob esta outra persona as histórias que ele sentia que não se encaixavam no seu estilo habitual e consagrado.

A Auto-Estrada, o terceiro de oito romances publicados com a identidade de Richard Bachman, comprova isso. Nada do terror habitual de King, este livro pende muito mais para um tenso suspense psicológico centrado num homem que se encontra no meio de um colapso nervoso que pode levar a grandes consequências.

Bart Dawes, o protagonista, é só um sujeito comum de cidade pequena. Casado, com um emprego numa lavanderia industrial e a trágica morte de um filho no passado, só quer levar sua vida na paz e sossego. Mas óbvio, isso não vai acontecer, ou seria uma leitura bastante modorrenta.

A construção da extensão de uma rodovia acabou por desapropriar os terrenos tanto de sua casa quanto de seu local de trabalho. Bart terá de arranjar em alguns meses tanto um novo lugar para morar quanto um novo terreno para a lavanderia. Terminado o prazo, os tratores passarão por cima de tudo.

Delfos, A Auto-Estrada

Mas o sujeito realmente não gosta de mudanças e não está nada feliz por ter de deixar sua casa. Considerando que sua primeira ação nas páginas iniciais do romance é comprar duas armas, e não apenas armas quaisquer, mas verdadeiras big fucking guns, pode-se imaginar que ele não vai reagir com muita sensatez a essa situação.

King, escrevendo como Bachman, consegue mostrar todo o panorama de um homem que está se esfacelando psicologicamente e não só tem plena consciência disso, como não está nem um pouco interessado em se recuperar de seu problema. Pelo contrário, em diversas passagens parece até desfrutar de sua insanidade recente. E mais, ele sabe exatamente onde seus atos o levarão e ainda assim segue em frente numa declaração equivocada de princípios.

A história toda possui um tom derrotista, melancólico na inevitabilidade de seu desfecho, o qual durante toda a leitura parece apontar para um só caminho, outro elemento que não é muito a cara da obra de Stephen King e, portanto, parece mais apropriado a Richard Bachman.

Fãs do Stephen King clássico de fato podem mesmo estranhar o tom menos terror e mais suspense e a levada mais para baixo da narrativa, mas isso é algo rapidamente superado pela qualidade da história. Para quem quer ler um trabalho diferente do escritor, A Auto-Estrada é uma boa opção.

CURIOSIDADE:

– O livro foi publicado no Brasil pelas editoras Francisco Alves (dentro da coletânea Os Livros de Bachman) em 1992; Suma de Letras em 2009, versão analisada nesta resenha; e em versão pocket pela Ponto de Leitura em 2013.