Metal – Uma Jornada Pelo Mundo do Heavy Metal

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A cabine desse filme aconteceu no mesmo dia de um outro filme maior e, por mais que ele realmente me interessasse, o DELFOS é trabalho, não diversão. Portanto, levando em consideração a falta de interesse geral dos brasileiros em relação a documentários e o restrito circuito em que este entraria em cartaz (coisa de sete cinemas no Brasil inteiro), acabei escolhendo resenhar o outro.

Contudo, depois da estréia, fui bombardeado por e-mails pedindo uma resenha delfiana – e até mesmo na nossa comunidade orkutiana o assunto surgiu. Diante da voz do povo, nada mais poderia fazer além de usar meu limitado tempo livre para ir ao cinema assistir ao dito-cujo e, conseqüentemente, escrever o texto que agora se encontra na tela do seu computador. Pois é, delfonauta, essa é a dedicação que esse site tem a você: fazer todo o possível para que nada que o interessa fique de fora do nosso cardápio. Mas sem mais delongas, vamos ao filme.

Este talvez tenha se tornado o mais famoso documentário sobre Heavy Metal já realizado. O fato de ter sido criado por um antropólogo declaradamente headbanger sem dúvida acrescenta ao interesse do público. Afinal, o cara é um de nós e, por causa disso, não faria julgamentos preconceituosos ou apresentaria idéias ignorantes sobre esse estilo tão apaixonante.

Infelizmente, o que ninguém imaginava é que o documentário seria vítima justamente do oposto disso. Por ter sido feito por um fã do estilo, muitas vezes o filme adquire os contornos fanáticos tão comuns aos fãs de Metal. O final, que mostra o diretor Sam Dunn no Wacken enquanto diz algo do tipo “não importa se você entende ou não o Metal, pois, a julgar pelos 40 mil fãs ao meu redor, eu diria que não precisamos de você” é tão patético que chega a lembrar os discursos humorísticos do Manowar ou do Massacration – só que seguindo a escola “comédia não intencional” do Ozzy Osbourne.

Outro problema que se apresenta aqui é o fato de ser um filme estadunidense e, como todos nós sabemos, esse país já tem uma intrínseca dificuldade em entender o Metal. Isso faz com que algumas divisões bisonhas sejam apresentadas. Por exemplo, você acha que W.A.S.P. seria uma banda de Shock Rock da época e do movimento do Alice Cooper ou deveria estar ao lado de Twisted Sister com as bandas de Hard Rock pesadão dos anos 80 – que, por sua vez, está ao lado do Poison, no grupinho Glam Metal? ¬¬

Mas fica pior. O que dizer de um cara que chama Van Halen de Pop Metal? Ou Nirvana de Grunge Metal? Ou até o Smashing Pumpkins de Alternative Metal? Cacilda! Se a idéia do cara era fazer um documentário sobre Rock, beleza! Mas por que forçar a entrada de grupos que ninguém, nem mesmo os estadunidenses, consideram Metal? E por que diabos falar (e até entrevistar) das bandas de Hard Rock (que até pode ser considerado um subgênero do Metal) sem nunca reconhecer o termo?

A armadilha da nacionalidade volta a aparecer pelo fato de que os estadunidenses não reconhecem a existência do resto do mundo. Poucas partes do documentário abrangem outros países e quase todos os entrevistados são dos EUA ou, no máximo, da Inglaterra. E isso chega a ser até um tanto irritante, afinal de contas, temos aqui extensas entrevistas com bandas como Slipknot e Lamb of God, enquanto outras como Helloween ou Blind Guardian nunca são citadas e têm apenas seu logotipo apresentado na árvore genealógica do Metal. E acho que ninguém discute qual dessas duplas é menos importante para a história do estilo, certo?

Esses problemas prejudicam muito o filme, mas também seria errado da minha parte tirar dele todo e qualquer valor. Em determinado momento, por exemplo, o cara teve a genial idéia de entrevistar uma groupie. Infelizmente, pouco da entrevista com a moçoila acabou sendo utilizada na versão final.

Em outro momento interessante (e talvez o único em que ele sai do eixo mainstream dos EUA/Inglaterra), Sam vai até a Noruega entrevistar membros de bandas de Black Metal – e inclui aí alguns dos babacas que queimaram igrejas nos anos 90 e até um padre que trabalhava em uma delas (mais uma sacada genial do nosso amigo). E esse trecho acaba servindo para confirmar o que a maior parte de nós já sabe: Black Metal é sem dúvida um estilo de música muito legal, mas a maioria dos que o praticam é mais burro do que uma minhoca com deficiência mental e acabam queimando o filme não apenas do Metal como um todo, mas também do satanismo como religião. E é fato que qualquer um que conheça satanistas de verdade sabe que, via de regra, estes são muito inteligentes e nada têm a ver com esses otários que vivem cometendo assassinatos na Noruega.

Outros assuntos abordados são a censura da sociedade, as capas violentas, o apelo sexual e homoerótico de bandas como o Manowar (que infelizmente não é entrevistado), as bandas que se vestiam como mulheres, como o Mötley Crüe e o Poison e até mesmo uma breve história do gênero onde ele, como quase todo mundo, aponta o Black Sabbath como a primeira banda de Metal da história – o que devo dizer que discordo, até porque a ex-banda de Ozzy influenciou muito mais o Metal extremo e Gótico do que o Heavy Tradicional propriamente dito, que é muito mais semelhante a bandas como o Rainbow ou o Uriah Heep.

Provavelmente para justificar sua escolha por Black Sabbath como o pioneiro, logo no início, ele apresenta o Metal como um estilo particularmente sombrio, o que eu, com meus quase 1000 CDs do estilo, não engulo. Assim como existem bandas sombrias, existem muitas bandas alegres e outras que estão no meio termo. Isso simplesmente não é uma característica importante do Metal (embora talvez o seja no Metal estadunidense, que é o foco da análise do filme).

No final, muitas coisas acabam ficando de fora. Praticamente toda a cena européia é ignorada e o cara fica basicamente restrito ao circuito mainstream das bandas que passaram por grandes gravadoras. E a maior parte desses caras não parece ter muito a dizer. Bruce Dickinson ou Lemmy, por exemplo, não acrescentam nada à discussão, ao contrário de outros como o sempre interessante Dee Snider e o próprio Rob Zombie, que se mostrou ser muito mais inteligente do que eu lhe dava crédito. Também foram entrevistadas pessoas de fora do meio, como jornalistas (cuja maioria também não acrescenta nada) e antropólogos – esses sim estrelam alguns dos melhores momentos da película.

Faltou abordar coisas como a fascinação pelo público do Metal por fantasia, suas relações com RPG ou mesmo a causa de tamanho fanatismo por parte da camada menos privilegiada (no quesito inteligência) do público. Até o que é abordado aqui, como os flertes com a música clássica e a importância de Richard Wagner para a cara do Metal não é feito com a devida profundidade. Talvez um gênero com tanta riqueza cultural como o Metal merecesse não um documentário com pouco mais de 90 minutos para o cinema, mas uma série de TV, com um jeitão National Geographic. Daí ele poderia dedicar episódios inteiros para coisas pelas quais passa apenas por cima no filme, como as groupies ou a supracitada relação com a música clássica.

Como um balanço geral, temos aqui um filminho divertido, mas muito superficial e que não vai acrescentar nada a quem já tem algum conhecimento sobre o gênero – isso sem falar nas várias informações erradas, algumas que vão chegar a irritar aqueles que sabem do que estão falando. O problema é que, ao ignorar boa parte dos nomes que são realmente importantes (ou você acha que todas as bandas fundamentais para o estilo vieram do eixo Inglaterra-EUA e assinaram com gravadoras como a EMI ou a Sony?), também não é uma boa porta de entrada para apresentar a cultura metálica para alguém que não conhece nada. E as supracitadas informações erradas podem dar uma concepção completamente falsa para um leigo.

Portanto, minha recomendação é: se você se interessa pelo filme, assista tendo o que disse nesta resenha em pauta e sem esperar por uma aula sobre o estilo. E, de forma alguma, use este filme para introduzir alguém no mundo do Heavy Metal. Existem outras formas melhores de fazer isso.

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
metal-uma-jornada-pelo-mundo-do-heavy-metalPaís: EUA<br> Ano: 2005<br> Gênero: Documentário<br> Diretor: Sam Dunn, Scot McFadyen e Jessica Joy Wise<br> Distribuidor: Europa<br>