Justiça

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Desconfie SEMPRE de filmes que baseiam seus materiais de divulgação em prêmios que receberam ou foram indicados. Pense comigo, caro Delfonauta, o que são prêmios? Prêmios nada mais são do que um reconhecimento concedido por um pequeno grupo de pessoas que se julgam tão mais importantes do que você e eu que podem simplesmente dizer o que é bom ou ruim baseado unicamente em conceitos subjetivos (o próprio gosto) ou objetivos (interesses pessoais, principalmente de ordem financeira).

Justiça se encaixa exatamente nesse caso. O folheto entregue para os jornalistas na cabine fala detalhadamente sobre todos os prêmios que recebeu e foi indicado. Felizmente, ao contrário do que o folheto mostra, o filme tem muito mais a oferecer do que os prêmios que recebeu.

Trata-se de um documentário que visa demonstrar como a justiça brasileira, mais especificamente a carioca, funciona (ou não, dependendo do seu ponto de vista). Através de uma linguagem diferente, sem entrevistas e coisas do gênero, tão comuns em documentários, Justiça retrata simplesmente o que acontece diante das câmeras. Até que ponto as pessoas são naturais sabendo que estão sendo filmadas é um mérito no qual não vou entrar aqui, mas que gostaria que você tivesse em mente quando (e se) for assistir ao filme.

Na fita, acompanhamos principalmente, os casos do meu xará Carlos Eduardo, acusado de roubar carros, e de Alan Wagner, acusado de tráfico de drogas. Outros casos também são mostrados, mas com muito menos relevância. Chega a ser revoltante vermos a arrogância e indiferença com que os juizes tratam os réus – em uma cena onde o réu reclama que está recebendo apenas um sanduíche de mortadela por dia, a juíza dá de ombros e diz “O que você quer que eu faça?” – ou mesmo ficar sabendo de coisas que na verdade já sabíamos, mas para as quais preferimos fechar os olhos, como o suborno policial, chamado pelos réus de “acerto” e a agressão por parte dos oficiais da lei que chega a fazer um inocente confessar um crime para parar de sofrer (fato semelhante ao que acontecia na inquisição, onde pessoas eram torturadas até que admitissem serem hereges e então receber o doce alívio da morte. Será que evoluímos desde então, pergunto eu?).

Ao mesmo tempo, é igualmente revoltante vermos um indivíduo claramente culpado (ele confessa para sua advogada de defesa no decorrer do filme) jurar de pés juntos perante a juíza de que é inocente sem nem ao menos ter argumentos para sustentar suas alegações. Também é um absurdo ver a resposta da advogada que, mesmo sabendo que seu cliente é culpado, vai tentar absolver o mesmo e colocar nossas vidas (na verdade a dos cariocas, mas se você acha que isso não acontece aqui, você é mais ingênuo do que eu) em risco novamente. E vai saber quanto tempo vai demorar até ele não ter dinheiro para subornar os policiais e ser novamente preso. Sinceramente, atitudes assim é o que faz com que boa parte dos habitantes do Brasil (quiçá do mundo) fique com um pé atrás quando se trata de advogados.

Além dos prêmios, o material de divulgação também se gaba dizendo que Justiça é um filme isento de opiniões e manipulações, também comuns em documentários. Não é. Claro, ao contrário de Tiros em Columbine (o melhor documentário que já assisti) onde a manipulação é clara e está presente para todos que quiserem vê-la, aqui ela é mais escondida, porém não invisível. A escolha dos casos e mesmo a edição revelam a manipulação. Os depoimentos não são mostrados na íntegra e a ausência de algumas perguntas essenciais faz falta para o expectador pensante (estou assumindo que você é uma pessoa inteligente afinal, você não está em um site sobre a vida amorosa da Kelly Key) que está acompanhando o caso como se estivesse em um filme de ficção. E os mais incautos acreditam e são manipulados sem perceberem. É exatamente o contrário do DELFOS, onde você sabe que vai ser manipulado e é por isso mesmo que você entra.
Um outro defeito do filme é a presença de algumas cenas que nada acrescentam, em detrimento de outras que seriam realmente importantes. Em outros veículos que falam sobre cinema, você vai ler algo do tipo: “Com essas cenas, a diretora Maria Augusta Ramos quis demonstrar a aflição da alma humana ao lidar com os testes aos quais somos submetidos no decorrer de nossas vidas”, mas aqui você lê a verdade: essas cenas são chatas. E considerando que cinema é uma forma de entretenimento (mesmo o cinema de arte e intelectual tem como finalidade última divertir seu público), não existe nenhuma necessidade de incluir uma cena que não atenda aos dois princípios básicos: divertir o público e/ou amarrar o filme.

Mas não me entenda mal. Estou apontando os defeitos porque as qualidades são muito mais fáceis de serem percebidas. Justiça é um filme que prende a atenção e merece ser visto, pois faz pensar sem ser chato. E convenhamos, essa é uma tremenda qualidade em um país onde pensar significa decidir entre o filme da Xuxa e o da Sandy.

Aproveite e leia minha resenha para A Paixão de Cristo, onde abordei mais profundamente a questão da violência humana.

Justiça estréia em 25 de junho.