Um dos aspectos mais importantes para a construção do personagem Dexter, seja nos livros ou na televisão, sempre foi a presença do chamado Passageiro das Trevas, como ele se referia à sua ânsia de matar, quase como se fosse uma entidade è parte.

Pois este é justamente o tema de Dexter no Escuro, terceiro volume da série literária de Jeff Lindsay. Ao comparecer em mais uma cena de assassinato para fazer seu trabalho de técnico forense, alguma coisa nela assusta tanto seu Passageiro das Trevas que ele simplesmente foge, abandonando Dexter.

Aí ele vira algo semelhante a Austin Powers quando perdeu seu mojo. Fica sem a capacidade de identificar outros como ele e deduzir seus modos de agir. Ou seja, perde toda a perspicácia que o tornava tão eficiente em encontrar e despachar outros assassinos. Também passa a finalmente apresentar sentimentos, o que pode ser até bem-vindo, visto que seu casamento com Rita está próximo.

Toda essa narrativa tratando o Passageiro das Trevas não como um aspecto da psicologia de Dexter, mas como uma entidade separada, uma possessão que apenas usa o corpo do protagonista como hospedeiro é bastante absurda, e a meu ver, torna-o bem menos interessante. Ainda bem que optaram por não seguir este caminho na televisão.

E toda a subtrama que tenta explicar suas origens, envolvendo um culto a um deus antigo, consegue ser mais estapafúrdia que as últimas temporadas da série na telinha.

Lembra quando, na resenha de Querido e Devotado Dexter, eu comparei Jeff Lindsay a George Lucas, dizendo que ele era um bom criador de conceitos, mas péssimo na execução? Ironicamente, Lindsay se prova aqui um sujeito de extremos. Dessa vez mandou muito mal conceitualmente e, no entanto, melhorou muito como escritor, na parte técnica do ofício.

A narração em primeira pessoa da ótica de Dexter está hilária. O personagem vira quase um comediante aqui. E quando ele perde seu Passageiro das Trevas, consegue ser ao mesmo tempo cômico e também passar o nervosismo e a confusão que o protagonista sente ao perder seu “melhor amigo”.

Acertou em cheio no sarcasmo e na ironia e ainda consegue dar mais nuances a alguns dos personagens secundários, levando especialmente Astor e Cody, os filhos de Rita, por um caminho bem interessante e totalmente inesperado. Ainda repete alguns dos equívocos dos livros anteriores (mais uma vez vou bater na tecla do desfecho muito corrido), mas dessa vez os achei bem menos acentuados.

Agora é tudo uma questão de Jeff Lindsay unir as histórias mais pés-no-chão e centradas no gore dos dois primeiros livros com a evolução narrativa que conseguiu nesse (a qual, espero, continue melhorando ainda mais) para termos um livro da série que realmente consiga agradar em todos os aspectos.

Dexter no Escuro ainda não é esse livro, mas mesmo chegando perigosamente perto de danificar seu personagem de maneira irreparável, com uma péssima escolha de caminho tomado, mostra uma promissora evolução de seu autor. E no final das contas, o senso de humor afiado apresentado nas páginas garante a diversão da leitura.

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