Coringa – O Palhaço do Crime

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Stan Lee nos ensinou em 1962 que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”, mas Bob Kane mostrou 20 anos antes que também geram grandes vilões. Sim, porque o Coringa pode ser considerado o primeiro supervilão criado para as HQs. Tudo bem que o Lex Luthor apareceu no mesmo ano nas aventuras do Superman, mas ele é apenas um careca mafioso, sem nenhum poder especial a não ser o dinheiro, como todos os outros inimigos que os heróis enfrentavam no período. Agora, um vilão em termos de caracterização própria, “máscara” e uma motivação maior que o dinheiro (no caso do personagem em questão, a própria loucura), nosso palhaço do crime foi mesmo o pioneiro. Apenas para efeito de comparação, o Caveira Vermelha, inimigo clássico do Capitão América, deu as caras em 1941.

Lógico que a origem dos super-vilões é um pouco contraditória e muitos creditam este título ao Ultra-Humanóide das histórias do Superman, de 1938. Mas cá entre nós, este ainda não apresentava as características clássicas que definiriam o gênero e era mais um cientista louco, tanto que ficou sumido por décadas dos quadrinhos por parecer clichê demais.

Após os primeiros passos do Cavaleiro das Trevas, Kane, seu amigo Bill Finger (co-criador do Lanterna-Verde clássico) e o desenhista Jerry Robinson, começaram a trabalhar na criação de arquiinimigos para o herói. Algo na linha inglesa em que Sherlock Holmes tinha o seu Professor Moriarty, aquele antagonista que realmente represente uma ameaça, mas não na linha bobinha dos gângsteres que roubavam bancos ou cientistas loucos que criavam robôs gigantes assassinos.

A grande inspiração para o Coringa foi uma foto do ator Conrad Veidt, maquiado para o filme mudo O Homem Que Ri, de 1928. Na película, baseada no livro do Victor Hugo de mesmo nome, um nobre ofende o Rei James II e é condenado à morte pela Iron Maiden (o instrumento de tortura medieval, não a banda). Seu filho também tem o rosto desfigurado, mas é poupado pelo monarca. No lugar, uma equipe de cirurgiões reconstitui a face do jovem deixando um eterno sorriso estampado.

Esta origem, no entanto, é contestada por Robinson, que credita o primeiro esboço do personagem a si mesmo a partir de uma carta de baralho que ele achou uma boa inspiração pelo sorriso malvado ostentado. Ao apresentar o rascunho para Bill Finger, ele teria dito algo como “puxa, ele me lembra muito o personagem de Veidt no filme O Homem Que Ri” e estava criada a lenda.

Particularmente, fico com as versões de Kane e Finger porque realmente Conrad Veidt com a maquiagem tinha uma grande semelhança com o Coringa das primeiras histórias.

A primeira aparição aconteceu em Batman 1, de 1940. Apenas lembrando que esta não é a primeira aparição do morcegão, pois este surgiu na Detective Comics, mas teve tanto prestígio que logo ganhou uma revista própria, assim como aconteceu com o Superman, que surgiu na Action Comics.

Nesse começo, a revista do morcegão não tinha muitos limites éticos, era bastante violenta e o personagem se encaixou como uma luva no contexto como um assassino sádico, já utilizando o seu famoso gás do riso.

A origem “quadrinística” do Coringa, até então, era totalmente desconhecida. Ele era apenas um insano, que não seguia códigos de honra e amedrontava tanto os bandidos quanto as pessoas de bem. Ainda nos anos 40, o vilão chegou a morrer algumas vezes (a primeira foi com uma facada no coração desferida em uma luta contra o Batman), porém sempre retornava misteriosamente para continuar seus crimes.

Com o passar dos anos, a personalidade do cara foi lapidada até que na revista Detective Comics 168 de 1951, tivemos o primeiro lastro de sua origem: um cientista (nada de nomes) adota a alcunha de Capuz-Vermelho para invadir a empresa onde trabalha e roubar uma graninha, mas é surpreendido pelo Batman. Durante a luta, cai em um tanque de produtos tóxicos e desperta com a pele esbranquiçada, cabelo verde e loucura em seus olhos. Esse conceito preliminar seria muito utilizado nos anos 80 e 90, mas já chegamos lá.

Ainda na década de 50, o universo dos gibis sofreu uma baita reviravolta com o lançamento do livro A Sedução do Inocente do psicólogo babaca, Fredric Wertham, que estava atrás de seus 15 minutos de fama. A “obra” mostrava os quadrinhos como uma péssima influência para as crianças, tipo o que acontece com os videogames hoje em dia.

A repercussão negativa e o conseqüente lançamento do Comics Code Authority nos EUA, uma – digamos – censura explícita às histórias, foram determinantes para o novo modelo de gibis. Os quadrinhos de terror foram proibidos e os que sobraram passaram por reformulações drásticas, eliminando 100% da violência e fazendo com que os heróis dessem bons exemplos para as crianças.

As histórias do Batman, claro, sofreram essa suavização e o Coringa acabou reduzido de psicopata sem limites para um bobão infantil, que no máximo assaltava bancos e deixava todo mundo dando risada.

Essa mudança na personalidade do vilão foi tão repentina que sua popularidade caiu a zero nos anos seguintes, abrindo espaço para que outros vilões assumissem o posto de arqui-rivais de Bruce Wayne. O Coringa chegou a sumir das histórias a partir de 1964, quando Julius Schwartz assumiu a Editoria das revistas.

Para se ter uma idéia de como o personagem teve seu grau de periculosidade reduzido a zero, basta se lembrar da interpretação que o ótimo ator Cesar Romero deu ao vilão na série cômica do Batman para a televisão nos anos 60. É, aquela mesma que serviu de base para a Feira da Fruta que fez tanto sucesso na Internet. Romero já era um ator consagrado, mas seu Coringa era muito mais engraçado do que amedrontador e isso ia totalmente contra as origens “Kaneanas” do personagem.

Percebendo a bobeira e preparando terreno para diversas reviravoltas buscando os anos de glória, a revista do Batman adotou definitivamente a linha “gótica” no começo dos anos 70, pelas mãos do escritor Denny O´Neil e do desenhista Neal Adams e o Coringa retorna triunfal como grande algoz do morcego em 1973, no clássico The Joker’s Five Way Revenge (não me lembro o nome em português dessa história, mas ela já foi lançada como um encadernado na época da Editora Abril). Esse retorno foi tão bem sucedido que o personagem ganhou até uma minissérie própria de nove edições.

Na década seguinte, o vilão também apareceu com enorme destaque em pelo menos duas histórias fundamentais da cronologia do universo DC: Morte na Família, onde o Coringa se torna um diplomata através de diversas artimanhas políticas (ok, o roteiro é meio viajante mesmo) e termina assassinando cruelmente o segundo Robin (Jason Todd) e sua mãe.

A outra história – e aí já vamos para o lado obrigatório da literatura DC – é o clássico de Alan Moore, A Piada Mortal, de 1988.

Nesta história, vemos uma origem definitiva, combinando a idéia de 1951 com novos conceitos, onde um engenheiro químico e comediante falido, chamado Jack, entra numa roubada para conseguir algum dinheiro com dois colegas criminosos. Para não ser reconhecido, ele utiliza um capuz vermelho que já era usado por outros bandidos fazendo com que a polícia acreditasse na existência de um líder de gangue com esse nome. O plano, porém, dá errado e Batman aparece para acabar com a festa. Durante a fuga, Jack cai em um tanque ácido e quando retira seu capuz, está com a aparência clássica do personagem.

O próprio Moore, no entanto, abre espaço para outras origens quando o Coringa começa seu monólogo no começo da história onde diz que se lembra do evento de diversas maneiras e “se é para ter um passado, eu prefiro que seja múltipla escolha”.

Na primeira versão do Coringa para as telonas (sem contar os filmes da TV produzidos a partir da série clássica dos anos 60, com os mesmo atores), com Jack Nicholson no papel, Tim Burton utilizou muito desta história de Moore para contar o nascimento do personagem, com a exceção do momento banana onde Jack Napier (o sobrenome foi criação de Burton), assassina os pais de Bruce Wayne naquele esquema “você me criou e eu criei você”, já que o Batman também foi o responsável por jogar Jack no tanque de ácido.

Lógico que – com o sucesso dos gibis – o Batman também ganhou os seus desenhos animados. O primeiro, ainda nos anos 60 e baseado “naquela” série de TV com o Adam West e Cesar Romero, era bem fraquinho, com animação precária, roteiro tosco e seguiam à risca as histórias paranóicas da versão “live action”, inclusive no seu Coringa suavizado e bobalhão.

Nos anos 70, o Batman também ganhou outro desenho próprio que seguia a mesma linha da versão anterior (infantil e bobinho), porém com histórias mais focadas na ficção científica. Essa era quase um spin-off da série Super-Amigos e também não merece maiores destaques.

Em 1992, no entanto, o morcegão ganharia o desenho que modificou para sempre a história dos cartoons baseados em gibis estadunidenses: Batman: The Animated Series, que tinha episódios escritos pelos roteiristas das HQs, o mesmíssimo clima gótico e uma alta fidelidade às tramas clássicas da DC. Nessa animação, que teve quatro temporadas e durou até 1995, além de alguns especiais, o Palhaço do Crime aparecia com um ótimo trabalho de voz do – veja só – Mark Hamill. Ele mesmo, o Luke Skywalker. Hamill já tinha interpretado o vilão Presto-Digitador na boa série televisiva do Flash alguns anos antes e usou os mesmos trejeitos para dar voz e personalidade ao Coringa. O cara caiu como uma luva ao papel, e ganhou diversos prêmios por aí.

Após o encerramento da série (o qual lamento até hoje, porque era muito legal), o vilão voltaria a aparecer no também bom desenho Batman Beyond, de 1999, que contava o futuro do herói e de seus vilões, entre eles uma gangue muito interessante baseada em cartas de baralho, que seguia os ensinamentos do… uhn… digamos, de um popular algoz do Batimão.

No especial Batman Beyond: Return Of The Joker, no ano seguinte, temos uma excelente história onde o Coringa do desenho de 1992 aparece para atormentar a Gotham do futuro. Sim, Mark Hamill fez as vozes do vilão neste especial também. Corra atrás de tudo o que mencionei nos últimos três parágrafos (incluindo este, esqueça dos anos 70 pra trás) porque vale muito a pena.

Em seguida, no polêmico The Batman (2004), que contava o início da carreira do herói e as primeiras aparições dos seus inimigos clássicos, o Coringa ganhou uma versão estranha, com ares psicodélicos que não combinam com seus trejeitos. Não sei, nunca gostei deste desenho em comparação com os anteriores (para que começar um novo se o antigo – que nem era tão antigo assim – já era tão bom?), então é melhor que você veja e tire suas próprias conclusões.

As influências do personagem na cultura Pop (o que já vi de muros grafitados com desenhos do cara no centro de São Paulo não está no programa) e, obviamente, nos quadrinhos, são enormes. Podemos citar – por exemplo – um outro vilão bastante conhecido, que foi claramente inspirado no Coringa: o Duende-Verde das histórias do Homem-Aranha, criado nos anos 60 por Stan Lee e trazendo de volta a insanidade clássica e malvada da era de ouro.

Para terminar, uma curiosidade: como você já sabe, a voz do Coringa no famoso desenho dos anos 90 é do eterno Luke Skywalker, Mark Hamill. Para a versão cinematográfica do segundo filme do Batman do século XXI (O Cavaleiro das Trevas), Hamill chegou a fazer o teste para o papel, mas perdeu para Heath Ledger (R.I.P).

Momento mais tremendão: Ao longo das décadas, o vilão ganhou histórias memoráveis e acontecimentos que mudariam definitivamente a vida do Batman. Dois desses acontecimentos repercutem até hoje: o assassinato cruel e covarde do segundo Robin, Jason Todd (que depois voltou em uma saga estúpida, mas enfim), e o tiro que deixou Bárbara Gordon paraplégica (sem contar as insinuações de estupro) no clássico A Piada Mortal. Alan Moore sabe mesmo brincar com um personagem.

Momento menos tremendão: A abordagem mais humorística dada ao personagem durante a era de prata da DC (anos 50 e 60 do século passado) é nojenta. O Coringa realmente virou o “bobo do crime” e perdeu toda sua imprevisibilidade e perigo.

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