Conciliando dois sonhos

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Existe uma discussão em andamento no país sobre a ampliação do direito de licença maternidade. Primeiro, vamos esclarecer alguns pontos:

1 – Os dois meses adicionais não são obrigatórios, pois a solicitação da ampliação deve partir da própria funcionária da empresa. O que fica definido é que apenas grandes empresas poderão adotar o modelo. Pequenas e médias empresas continuarão a conceder o benefício de quatro meses.

2 – Quem paga o benefício estendido é a empresa, não o governo.

Tenho que admitir que, de início, a idéia me encantou. Oras, quem não gostaria de mais dois meses ao lado do filho que acabou de nascer? Cuidar melhor da criança, escolher melhor a pessoa que vai cuidar dele quando você voltar a trabalhar, ou até mesmo ter um tempo maior para decidir se quer ou não voltar a trabalhar. Todos esses pontos são importantes para uma mulher. É necessário planejar muito bem, para quem quer ter uma carreira sólida ou apenas um trabalho, o quanto isso impacta na carreira.

Analisando melhor, e vendo como outras mulheres em cargos importantes de grandes empresas escolhem como melhor conduzir suas carreiras, me peguei por um instante muito preocupada. Será que vou realmente conseguir seguir a carreira que escolhi? Será que vou ter que abrir mão dos meus sonhos para manter a vida profissional? Ou terei que antecipar a decisão de trabalhar por conta, abrindo um negócio próprio, para que eu possa seguir a minha vida como sempre desejei?

Mulheres que ocupam cargos importantes e eventualmente escolhem ter filhos, acabam seguindo por um caminho que a lei não julga muito correto: optam por desistir da licença de quatro meses, adotando regimes diferenciados de trabalho, como meio-período ou trabalhar em casa, por exemplo. Algumas realmente largam tudo para cuidar da família. Outras se afastam somente o tempo necessário para se recuperar do parto, ajeitar as coisas em casa e voltar ao trabalho.

Quando o primeiro texto da lei foi divulgado, o que se via nas empresas era curioso: mulheres ligadas à produção, ou que possuíam cargos mais baixos, comemoravam. Mulheres com cargos de chefia, ou com ambição e competência para chegar a isso, ficavam extremamente apreensivas.

Trabalho em uma empresa de porte médio e por diversas vezes ouvi os diretores comentando: “dependendo de como essa lei for aprovada, mulher em cargo de chefia aqui não existe mais”. Não foi só na minha empresa que isso aconteceu, posso garantir.

Olhando pelo lado do empresário, até entendo a reação. É muito complicado para uma empresa investir em um funcionário, promovendo treinamentos, cursos de aperfeiçoamento, faculdade e até pós-graduação, para ver todo esse investimento ir por água abaixo quando o alvo decide largar tudo. Ou ainda deixar milhões de responsabilidades nas mãos de uma única pessoa (decisão que eu condeno, mas estou vivendo neste exato momento) e ver uma situação totalmente estruturada desandar de forma irreconhecível. Alguns anos atrás, as empresas não contratavam mulheres, ou se o faziam, não contratavam as casadas. Aliás, essa era a justificativa para muitas empresas não promoverem mulheres a cargos de chefia: se ela vai casar, vai engravidar e vai ficar meses e meses afastada, por que promover?

As poucas mulheres que desafiavam o status quo e conseguiam crescer dentro das empresas, quando enfim decidiam dar esse passo em suas vidas, muitas vezes perdiam as carreiras. Hoje a situação é diferente. Até mesmo porque a lei protege, dando um tempo de estabilidade (dois meses) para quem retorna, o que não impede em nada que a situação entre de novo nos eixos e a mulher que retorna da licença se mostre motivada e capaz de continuar no cargo. Existem várias mulheres de sucesso com vidas familiares perfeitamente ajustadas, inclusive com filhos e tudo mais. Mas será que isso será viável daqui para frente?

Da minha parte, o que posso dizer é o seguinte: quero manter minha carreira. Lutei muito por ela, estudei muito, me dediquei como poucos e agora estou às portas da liderança da minha tão sonhada, e a tão duras penas montada, equipe. Mas também me caso no final do ano que vem e, como meu noivo, também pretendo ter filhos. Filhos? Sim, filhos, assim mesmo, no plural.

Como decidir pelo futuro agora? Adiar um sonho para viver outro? Abrir mão de um deles completamente? O que será das jovens que estão entrando agora no mercado de trabalho? Elas vão ter que se contentar com cargos mais baixos, já que investir na carreira vai ter que passar automaticamente pela decisão de não priorizar o lado pessoal?

Li em algum lugar que nos Estados Unidos (sempre eles…) existe uma tendência de comportamento muito ruim se expandindo. Mulheres que se afastam em licença maternidade (seja qual for o cargo) enfrentam uma verdadeira enxurrada de críticas já durante a gravidez. A principal crítica é: “Ela decidiu sozinha ter filhos, por que eu vou ter que me sacrificar e ficar com as funções dela enquanto ela curte as férias dentro de casa?”. Pensamento masculino? Engano, são outras mulheres que pensam assim. Será que essa será uma tendência por aqui também?

Deixo aqui a minha decisão: vou optar pelo caminho das mulheres de talento a quem tanto admiro (Patrícia Dunn – HP, é o principal exemplo) e vou propor acordo para a empresa, seja ela qual for, de licença reduzida e trabalho em casa. Só assim poderei viver meus dois sonhos, mesmo que pela metade: a carreira e a maternidade.

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