Clarice Falcão – Monomania

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Pessoalmente, sou contra a fofura. Não gosto de bebês, de cachorrinhos, nem de nada com mais de três cores. Nunca criei apelidos fofinhos para minhas namoradas ou falei com elas fazendo vozinha dengosa. Acho tudo isso um saco. Não é por excesso de macheza ou por apreciar o bom e velho heavy metal bruto, repleto de homens besuntados em óleo, cantando sobre cortar cabeças e estuprar virgens em cima de motocicletas potentes. Não. Mas por achar que esse mundo não é fofo, embora esta não seja a opinião da maioria. Mas preciso confessar: a Clarice Falcão é mega, ultra, über fofa. E a fofura dela explode pelos alto-falantes em todas as 14 faixas deste primeiro disco.

Para quem não a conhece, Clarice Falcão é uma jovem atriz (cujo talento é genético, já que ela é filha do talentosíssimo cineasta João Falcão e da escritora Adriana Falcão), que também é comediante, cantora e compositora. Meu primeiro contato com o trabalho dela foi por meio de um vídeo em que ela cantava uma canção sobre um amor meio psicopata.

Tive uma primeira impressão ótima, mas era só o começo. O plano maligno da Clarice era dominar minha mente com um monte de canções doces sobre como as pessoas conseguem ser ainda mais psicóticas quando amam.

Para quem ainda não sacou pelo nome do disco, o tema é um só: o amor. Como é próprio da natureza deste sentimento, o disco tem momentos em que é terno, gentil e causa felicidade, como em De Todos os Loucos do Mundo e Eu Me Lembro, esta última, um delicioso confronto de versões, parecido com uma das cenas mais incríveis de (500) Dias Com Ela. Mas tem outros, em que o amor virou ex, depois de ter causado alguns estragos no psicológico da garota, como acontece em Eu Esqueci Você.

As melodias são simples, o que não significa que não são marcantes. Cada canção tem uma identidade musical própria, sempre pontuada pela doçura da voz de Clarice, que é capaz de recitar os versos mais absurdos sem chocar o ouvinte. A sutileza do cantar e a leveza do instrumental transformam o disco em uma fascinante trilha sonora para embalar amores perdidos e lamentados. Também serve para comemorar quando, finalmente, a gente se livra das amarras de um amor findo e quer logo partir para uma inédita decepção romântica, em tudo parecida com a anterior, como sempre ocorre nessas relações, quase sempre movidas e motivadas por algum tipo de psicopatia.

Por falar nisso, o mais legal nos versos de Clarice é o modo como ela alterna ternura com maluquice, romantismo com facas escondidas atrás das costas, tentativas de lesão corporal com o desejo de casar e ter filhos. Brincando com as palavras, transformando o instrumental do disco (de extremo bom gosto, por sinal) em mera trilha sonora para os seus versos, Clarice tem a clara intenção de nos fazer rir das irracionalidades dos sentimentos.

A impressão que se tem é que ela não vê mal algum em perseguir o pobre sujeito alvo do seu amor, que mais parece com aquele sentimento que a Felícia, dos Tiny Toons, nutria pelos animais. Assim, seja caindo sobre o amado de uma janela do oitavo andar ou lhe mostrando um singelo frasco de cianureto para consolidar o relacionamento, a intenção é apenas se fazer presente. Por causa disso, o disco inteiro parece uma comédia romântica das mais legais, daquelas que até os homens vão gostar. E olha que eu sei o quanto é difícil gostar de comédias românticas, especialmente aquelas que não são estreladas pela Zooey Deschanel ou pela Meg Ryan.

As comparações serão inevitáveis. Sim. Parece com a Mallu Magalhães. Só que eu, por exemplo, nunca consegui prestar muita atenção na Mallu porque sempre achei que o som dela era um tanto pedante, talvez por associá-la aos Los Hermanos, que eu sempre achei insuportável. As influências são bem diversificadas, mas todas estão mais ou menos inseridas no universo pop indie. Dá para ouvir ecos de Kimya Dawson, The Magnetic Fields e, claro, She & Him, aquele duo formado pela fofíssima Zooey Deschanel.

Clarice traz um contraponto interessantíssimo à intelectualidade pedante das musas indies da MPB, graças às melodias de vaudeville e histórias fofas e assustadoras ao mesmo tempo.

Se for para resumir o sentimento que este disco provoca, vou tentar explicar, usando um exemplo pessoal. Todos os dias, enfrento mais ou menos uma hora de congestionamento para ir trabalhar. É bem difícil manter o bom humor e, principalmente, a educação, em situações como essa. No entanto, desde que baixei o disco da Clarice na iTunes Store, o único lugar em que ele está disponível legalmente, o caminho para o trabalho ficou até mais curto. No trajeto, consigo ouvi-lo duas ou três vezes, pois é bem curto. Tenho falado bem menos palavrões no trânsito e a culpa é da Clarice Falcão e sua busca por um mundo mais fofo.