O Espetacular Homem-Aranha – De Volta Ao Lar

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No final de 2011, a Marvel Comics, através da editora europeia, Hachette, lançou em alguns países de língua inglesa (Reino Unido, Austrália e África do Sul) um compilado de suas principais histórias em formato Graphic Novel (capa dura, lombada quadrada e papel de qualidade), dividindo a coleção em 60 volumes, cada um dedicado a um arco ou minissérie fechados.

Óbvio que a Marvel não é boba: a iniciativa visava pegar carona no sucesso dos filmes licenciados pela casa das idéias nos últimos anos e trazer novos fãs ao universo dos quadrinhos, de onde os personagens saíram, além de oferecer aos velhos leitores um material colecionável de qualidade.

A iniciativa deu tão certo que a coleção acabou saindo ao longo de 2012 em outros países europeus como Alemanha, França e Polônia e chegou ao Brasil no mesmo formato de luxo através de parceria entre a Panini (dona da licença no Brasil) e a Editora Salvat.

GRANDES COLEÇÕES TRAZEM GRANDES RESPONSABILIDADES

A idéia é interessante e incentiva novos leitores de quadrinhos a conhecer histórias clássicas, além de ter um mínimo de background sobre seus personagens favoritos para não boiar nas conversas com os amiguinhos ou em debates pelos fóruns onlines da vida. Se a coleção gringa vingar por aqui, teremos 60 volumes com o Homem-Aranha em A Última Caçada de Kraven e a história de origem do Venom; Homem de Ferro com as sagas Extremis e o Demônio na Garrafa; Capitão América e o arco do Soldado Invernal, entre outros clássicos. Enfim, aventuras que marcaram e são lembradas com carinho pelos fãs. Por outro lado, temos também perdido lá no meio das edições um material não tão clássico assim, especialmente em coisas mais recentes como Quarteto-Fantástico: O Fim e este Homem-Aranha: de Volta ao Lar, que abre a coleção com o pé esquerdo e foi objeto desta análise.

Sério, fica difícil entender porque os editores da coleção, com tanto material bacana em mãos, optaram por abrir com o controverso (e ruim, mesmo) arco criado por J. Michael Straczynski, lançado originalmente nos EUA em 2001.

Não é uma história clássica ou querida pelos fãs! Sequer é importante para a cronologia atual do herói e, para falar a verdade, foi tão mal recebida que a própria editora tratou de reverter as decisões tomadas ali nos anos seguintes. Isso tudo só prova que ganhar um Eisner Award, como qualquer outra premiação, às vezes é muito mais uma decisão política do que por mérito e estou falando isso porque, por mais incrível que possa parecer, este arco recebeu o prêmio em 2002.

Mas vamos por partes porque sei que tem um monte de gente por aí que não lia Homem-Aranha nessa época e não conhece as trapalhadas que Straczynski aprontou nos títulos do herói.

O SENHOR DOS ARANHAS

Logo ao abrir o livro, uma primeira surpresa com um editorial assinado por Marco Lupoi, diretor de publicações da Panini italiana. Nada contra o cara, mas é estranho você abrir um livro da edição brasileira (!) e encontrar uma carta do editor italiano (!!) sobre a edição originalmente inglesa (!!!) falando sobre a importância do escritor estadunidense (!!!!) na vida do aracnídeo. Que colocassem o editor brasileiro, Fernando Lopes ou uma carta original do chefão atual da Marvel americana, Axel Alonso. Outra coisa: ninguém é bobo e, mesmo sem ler Homem-Aranha há anos, com a internet todos têm a informação de que o período “Straczynskano” não é bem lembrado, ao contrário do que Lupoi faz entender. O italiano chega ao cúmulo de colocar a importância de J. Michael em níveis históricos. Só faltou rebaixar o Stan Lee e estaria tudo em casa. Francamente, hein, Lupoi?

Mas enfim, vamos ao que interessa, que é o arco “Volta ao Lar” em si. A história começa até legal com uma reflexão de Peter Parker sobre a importância do bolso no uniforme dos super-heróis enquanto se balança pelas ruas de Nova Iorque após a traumática separação de Mary Jane. Tudo parecia mais um dia normal de trabalho na vida do Aranha quando ele encontra – tchan – um cara engomadinho chamado Ezekiel, que tem poderes exatamente iguais aos do amigão da vizinhança, dando mensagens enigmáticas. Daí para frente, meu amigo, é tudo ladeira abaixo com Straczynski mexendo pela enésima vez na origem do herói e levantando a possibilidade da picada da aranha radioativa não ter sido tão aleatória assim, com uma conspiração de forças totêmicas que escolheram Peter como herdeiro natural de um poder histórico. Tem mais: isso acarretaria no nascimento de predadores naturais da aranha, como o abutre e o lagarto (dã). Enquanto isso, um novo inimigo, Morlun, é apresentado como o novo “predador natural” do Homem-Aranha.

Convenhamos, não dá para levar essa papagaiada a sério! O grande problema da história, além da retcon absolutamente idiota e desnecessária (se você não consegue pensar em algo para continuar a história do personagem, não tem também competência para falar do passado) é a introdução de elementos místicos demais para uma revista do Homem-Aranha. Isso aqui não é o Dr. Estranho, pô! Esses argumentos, simplesmente, não combinam com a origem do personagem que era justamente criar algo mais próximo da rotina dos leitores lá nos anos 60. A saga Inferno nos anos 90 já foi uma bela amostra de que essa mistura não foi bem vinda, mas aqui eles chutaram o pau com uma história sem pé nem cabeça, contada de maneira morosa e com traços MUITO preguiçosos do filho do Sr. Romita. A coisa chega a um ponto em que a própria primeira aparição de Ezekiel leva aos leitores uma confusão imaginando que se trata de um Peter Parker do futuro (repare como o rosto e o corte de cabelo são os mesmos).

MARVEL E SUAS MARVICES

A maior prova que isso aqui não deu certo foi a decisão editorial da Marvel de – atenção para os spoilers – matar os personagens Ezekiel e Morlun, para que nunca mais voltassem a aparecer, e isso já faz mais de 10 anos. Morlun ainda apareceu até 2006 em uma ou outra história, mas se a Marvel, com o passado que conhecemos de ser a maior ressuscitadora de personagens dos gibis, não se interessou em reviver estes aqui, é porque a coisa foi feia mesmo, meu amigo.

Como bônus, o livro traz um resumo da origem do Homem-Aranha (aquela de verdade), um resumo sobre a carreira dos autores, dos ilustradores do Aranha e uma galeria de vilões, além daquele famigerado caderno de esboços para encher linguiça.

O resultado final é broxante, mesmo com o preço atraente de R$ 9,90 (válido apenas para esta primeira edição, que na verdade é o número 21, o que pode causar uma baita confusão). Uma coleção com visual tão bacana começar com um dos piores arcos na vida do aracnídeo não é um bom sinal. Se você não for um colecionador ávido, espere pelos próximos 59 volumes que você pode conferir aqui quais são.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
o-espetacular-homem-aranha-de-volta-ao-larPaís: EU<br> Ano: 2001 (História) e 2011 (Graphic Novel)<br> Autor: J. Michael Straczynski (Roteiro) e John Romita Jr. (Arte)<br> Número de Páginas: 168 páginas<br> Editora: Salvat<br> Preco: R$ 9,90<br>