A Primavera Delfiana: Capítulo 1

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Antes de embarcar na aventura, não deixe de ler a introdução.

Once upon a time, quando seus escribas favoritos conversavam irritados pela tarefa atribuída pelo Ditador, algo inacreditável aconteceu. Sim, companheiros de jornada. O acaso se encarregou de mostrar o caminho da luz para nossos valentes trabalhadores. Lembrando que todas as iniciais abaixo são fictícias, para tornar totalmente impossível que você identifique quem disse ou fez o quê.

RP: não sei por que o Ditador ordenou que eu fizesse uma pesquisa sobre o Al Jourgensen. Ninguém aqui no DELFOS gosta do Ministry.

CCy: seria melhor se ele nos mandasse pesquisar sobre a bienal do livro.

CCy: pesquise logo. Ele já está voltando. Se chegar e não estiver pronto teremos desconto de 20% de nosso salário. Rápido. Lembre-se das regras.

RP: tudo bem. Lá vai.

Nesse exato momento, leitores, um milagre aconteceu. Sim, um erro de digitação os mostrou o caminho da luz. Primeiro resultado nas buscas: Al Jazeera. O renomado canal de notícias do Catar.

RP: vejam isso. Um canal de noticias do Catar, aquele país que fica no meio do deserto. Não foi lá que o Slayer gravou o clipe para South of Heaven?

CCy: acho que sim. Vamos acessar. Quem sabe não existe uma versão do diretor com cinco segundos de cenas nunca antes reveladas, e só disponível para os moradores de lá.

RP: vejam isso, colegas.

CCy: o que foi? Não me diga que por baixo das burcas existem mulheres ruivas. Se for isso que descobriu, conte ao Ditador e poderá ganhar mais dois minutos extras para ir ao banheiro durante um dia de trabalho.

RP: vejam. As manchetes dizem o seguinte; onda de protestos populares varrem os ditadores do mundo árabe. Varrem os ditadores. Ouviram isso? Varrem os ditadores.

Nesse exato momento fez-se um silêncio mortal no Oráculo. Incrédulos, todos os trabalhadores que lá se encontravam trocaram olhares emudecidos. Olhos arregalados. Respirações ofegantes e, por fim, um sorriso coletivo. Sim, leitores, depois de anos de tristeza e opressão, sorrisos puderam ser vistos no Oráculo. Imediatamente, todos direcionaram os navegadores de seus ultrapassados Pentium 586 para o site da Al Jazeera.

De suas minúsculas e mal ventiladas baias sem qualquer acesso imediato a água potável ou instalações sanitárias, os redatores trocavam em voz alta suas revolucionarias descobertas:

HA: eles estão chamando de Primavera Árabe a onda de protestos populares que varreu diversos ditadores do Oriente Médio.

DV: vejam isso: em Omã o sultão Qaboos bin Said Al Said anunciou aumento do salário mínimo para os empregados do setor privado. Ouviram isso? Que tal se trocássemos nossos nomes por nomes árabes?

BS: No Barein o rei Hamad doará dinheiro para cada uma das famílias. Doará também tablets e Playstation 3 para todos os menores de 40 anos. Hahahaha, essa última parte foi brincadeira.

Repentinamente, um grande estrondo foi ouvido pelo recinto.

AC: rápido, o Ditador está chegando. Ele já passou pelo grande portão de aço. Façamos cara de concentrados e atentos às nossas tarefas. Fechem seus navegadores. Silêncio. Todos olhando para o chão. Rápido. Rápido.

RP: mas eu não consegui terminar a pesquisa sobre o AL Jourgensen. E agora? O que será de nós?

Enfurecido pela não conclusão das tarefas ordenadas, o Ditador impôs mais um suplício para seus subordinados.

DITADOR: mais uma vez não cumpriram suas tarefas. São 17:10, preciso ir embora. Tenho que cobrir o show daquela maravilhosa banda holandesa capitaneada por uma ruiva escultural. Tenho entradas VIP e livre acesso aos camarins com open bar para os grandes jornalistas do entretenimento mundial. Quanto a vocês? Por não terem cumprido a tarefa, programarei o grande portão de aço para abrir somente às 23:58 horas.

AC: (com voz trêmula e suor exagerado) mas, Ditador, todos nós seremos punidos pela incompetência de um único colega?

DITADOR: (em tom professoral) Devem aprender pela punição. 20% de corte nos salários de todos vocês. Todos poderão sair às 23:58 horas quando o grande portão de aço se abrir.

Após a saída do Ditador, nossos intrépidos trabalhadores continuaram suas conversas.

JPR: que droga. Que ódio. Não agüento mais trabalhar assim.

DV: o que podemos fazer? Não temos alternativas. O mercado de trabalho está em recessão. Não há outros empregos. Além do mais, não sabemos que destino o Ditador dá para aqueles que pedem demissão. Veja o Gilson Lorenti que sumiu e ninguém sabe o que aconteceu com ele.

GV: vejam. O Ditador esqueceu sua sala aberta. Vamos lá. Vamos ver o que ele guarda lá.

JPR: estão loucos. Se ele descobrir que entramos lá, seremos mandados para o CODI DELFOS. Dia desses, passei na frente daquela sala e vi um líquido vermelho escorrendo por baixo da porta. O Ditador me disse que eram os restos de ketchup de um lanche que fizera na noite anterior.

DV: e desde quando ketchup escorre daquela maneira? Nada de ir até lá.

GV: não sejam covardes. Se o Frodo conseguiu levar o anel, também conseguiremos entrar na sala do Ditador.

Tomados pela coragem e exemplo do povo árabe, nossos heróis adentraram a sala do Ditador. Fizeram lá duas grandes descobertas.

DV: pra que servem essas correntes penduradas no teto? Por que tem tantas marcas de ketchup nas paredes? Vamos embora.

HA: vejam isso, A grande mesa das decisões. É aqui que o Ditador fecha os afortunados contratos de patrocínio e decide quais de nossos textos serão publicados ou jogados no lixo.

GV: vejam. Os dois objetos proibidos. Finalmente descobriremos seus segredos.

Nesse momento, todos os oprimidos trabalhadores se espremeram ao redor da grande mesa das decisões para finalmente ver os dois objetos.

JPR: vejam. O primeiro objeto proibido: a grande pasta preta. Vejam o que tem dentro dela : o PDOP – Plano Delfiano de Otimização da Produtividade. Diz aqui que, em breve, cada um de nós deverá escrever 375 notícias semanais, 45 resenhas mensais e atingir 5.000.000 de pageviews por mês. Isso é um absurdo.

GV: qual é o outro objeto?

JPR: o segundo objeto proibido é só um CD.

GV: de quem? De quem?

JPR: do Gamma Ray, a banda preferida do Ditador. O Nome é Heading for Tomorrow e diz aqui que a música número oito é terminantemente proibida para todos os trabalhadores do DELFOS. Por que nunca ouvimos isso antes em nossas casas?

HA: porque essa banda é muito ruim. O cara que canta tem uma voz de assistente do Gugu Liberato e se parece com o Lord Farquad.

GV: Vamos ouvi-la.

Nesse momento, todos os trabalhadores se sentiram sensibilizados com as mensagens contidas naquela canção:

JPR: ouçam isso: how happy life could be without any work. Free time is one of the things that I love.

GV: agora entendi. Claro que só ele poderia ouvir isso. Enquanto nós trabalhamos, só ele se diverte.

HA: belas descobertas, colegas, mas tenho uma notícia ruim. Ainda são 18:30 e estamos presos aqui sem nenhuma comida ou água.

RP: rápido, vamos tentar derrubar o grande portão de aço.

Estão percebendo, nobres leitores? Quão desafortunados são nossos valentes trabalhadores. A fome e a sede se abateu sobre eles. Todos amontoados, junto ao grande portão de aço, exaustos após longas tentativas de derrubá-lo sem qualquer sucesso. O desespero tomou conta deles.

De repente, um grande estrondo se ouviu do lado de fora do grande portão de aço. Ainda eram 20:01 e nossos heróis continuavam presos. Um clarão pôde ser visto por baixo do portão. Nossos trabalhadores recuaram imediatamente. Um silêncio absurdo se fez. Três fortes batidas na porta: tum, tum, tum. Silêncio absoluto. Mais três fortes batidas: tum, tum, tum. Um de nossos valentes heróis resolveu perguntar:

GV: quem é?

Uma gutural voz metalizada veio do lado de fora: “Wings of steel ultra high speed delivery: faster than time, traveling trough time”. Encomenda para os trabalhadores do DELFOS.

GV: ei, que nome legal pra uma firma de entregas! Pode deixar aí fora. Estamos presos aqui, famintos e sedentos. Quando o grande portão de aço se abrir, pegaremos a encomenda.

Novamente, um grande estrondo seguido de um clarão pôde ser percebido por nossos heróis. Passado o susto mais uma vez, nossos heróis se viram diante da fome e da sede. Enquanto isso, pensou um deles, o DITADOR está se divertindo num show espetacular.

23:58. Abre-se o grande portão de aço. Fome, sede e curiosidade tomaram conta de nossos redatores. Uma grande caixa metálica estava aguardando por eles. Do lado de fora da caixa estavam as seguintes palavras: OBJETOS MÁGICOS PARA SEREM UTILIZADOS EM OCASIÕES DESESPERADORAS.

Continua na próxima semana.

Alaúde mode on: e eram trabalhadores / sofriam humilhações / um Ditador sem coração / fizeram a revolução / Alaúde mode off.