A Menina que Roubava Livros

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Alfredo, Alfredo de la Mancha, Delfos, Mascote, Alfred%23U00e3o, Delfianos

Quando eu penso que a fonte de histórias sobre a Segunda Guerra finalmente secou, surge algo novo para me contrariar. Aliás, ultimamente o cinema parece que voltou a investir em enredos envolvendo guerras – seja a Segunda Grande Guerra ou outra.

E a literatura não fica para trás. O romance do jovem autor australiano, Marcos Zusak, A Menina que Roubava Livros, se passa nesse mesmo contexto. No entanto, foi bem criativo ao escrever um livro do ponto de vista daquela que esteve presente em todos os momentos da Segunda Guerra: a Morte “em pessoa”.

Sim, é quase impossível não associar a narradora com a Dona Morte, dos gibis do Penadinho. Mas isso, definitivamente, não vem ao caso – apesar de no próprio livro se fazer alusão à imagem da longa capa negra e da famosa gadanha.

Essa figura de linguagem, prosopopéia ou personificação, responsável por atribuir personalidade e características humanas a coisas inanimadas pode ser deveras interessante. Ela torna palpável algo totalmente abstrato. Sem falar que permite, até mesmo, dar adjetivos a essa abstração.

A Menina que Roubava Livros explora muito bem o que a prosopopéia oferece. Isso dá uma dramaticidade fora do comum para a história. E essa não é a única figura de linguagem constantemente usada no livro. Metonímias também são bastante usadas. Aliando-se isso à forma peculiar de interação entre narrador/leitor, temos aqui um livro de fácil e fluente leitura.

No entanto, nessa de personificar a morte, não gostei muito do fato de o autor retratar a “coletora de presuntos” como amiga. Não consigo ver a morte dessa forma. E acho que poucos, dentre os aproximadamente 50 milhões de mortos nesse conflito, conseguiriam vê-la assim. Também não gostei muito de, em determinados momentos, o autor “adiantar” os acontecimentos através de observações da narradora e histórias dentro da história. Assim sendo, cabe acrescentar que esse livro pode ser visto por diversos ângulos. Cabe ao leitor definir como encará-lo.

Vamos, então, a uma breve sinopse: o livro gira em torno da vida de Liesel Meminger, uma menina cuja mãe não tinha condições de criá-la e, em virtude disso, foi levada para uma família adotiva quase que igualmente pobre. Seu primeiro contato com a morte foi na viagem de ida, aos nove anos, quando viu seu irmão morrer ao seu lado. No enterro dele, ela roubou seu primeiro livro: O Manual do Coveiro.

Nessa época, a Segunda Guerra ainda não havia eclodido, e ela passou por períodos de relativa normalidade na vida de uma criança. Aprendeu a ler com o amoroso pai adotivo, um pintor desempregado chamado Hans Hubermann, que negou-se a ser inscrito no partido nazista. Fez amizade com as crianças vizinhas. Jogou bola, foi à escola e entregou às famílias ricas as roupas lavadas por sua mãe adotiva, Rosa Hubermann, uma amorosa, porém não tão doce, senhora.

No entanto, a Guerra vem para mudar sua realidade. Logicamente, aos olhos de uma criança, diante de sua inocência, a Guerra não tem a mesma face que aos olhos de um adulto. Ainda mais, o que torna essa época em sua vida perfeitamente aceitável são os livros – roubados, diga-se – e sua amizade com Max Vandenburg, um jovem que, bem… deixa essa parte para quem se interessar em ler o livro. Daí em diante, Liesel é apresentada diariamente à dor da perda. Tanto física e material quanto emocional. Com isso, passa a ver a guerra com diferentes contornos.

O que acontece daqui para a frente ficará restrito a quem for atrás do livro (é barato e você pode comprá-lo aqui).

Pois bem, como eu havia falado, essa obra pode ser vista sob diferentes prismas. Mais do que um romance sobre a guerra, prefiro encará-la como um romance sobre as palavras. E sobre como a escolha delas pode mudar a vida e, até mesmo, o próprio mundo (afinal, a Alemanha nazista só foi o que foi pela malévola capacidade de Hitler para escolhê-las). Uma história literária para mostrar o poder de salvação que a literatura possui. Para mostrar, nas palavras da açougueira-mor, o quanto ‘os seres humanos a assombram’.

Em suma, um bom livro com características literárias próprias. Um estilo de narrativa interessante e, por vezes, tocante. Poderia ser um pouco mais curto. Não foi, para mim, um daqueles livros impossíveis de largar antes do final, mas, como se sabe, nem sempre os livros que mais prendem possuem as melhores histórias.

P.S.: Não tive criatividade, nem vontade, para fazer um resumo melhor que o slogan do próprio livro (“quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler”), então copiei descaradamente mesmo. E ele é deveras chamativo e aposto que é por isso que você leu essa resenha. ,)