Para quem gosta de ficção científica e séries de televisão, não há como não incluir Battlestar Galactica entre as melhores séries de sci fi já feitas. Ela também é laureada como um dos melhores seriados do que pode ser considerada a nova fase da televisão estadunidense, que começou em 1999, com The Sopranos.
Isso graças a seus roteiros extremamente bem construídos, que abordam assuntos importantes não só para os EUA (sobretudo após o 11 de setembro), mas que também possuem ressonância para outras sociedades, inclusive a brasileira.
Devo dizer que ela figura na minha lista pessoal de séries favoritas de todos os tempos e já a assisti, de cabo a rabo, três vezes. Incluindo uma reassistida recente, que me inspirou a escrever esta tão merecida resenha. E seu impacto não diminui a cada revisão.
Pelo contrário, sempre há algum aspecto a ser descoberto e discussões propostas por suas histórias que continuam relevantes. Por tudo isso, e por ser uma das mais cultuadas séries de ficção científica que existem, já estava mais que na hora dela ganhar uma caprichada resenha delfiana.
Contudo, é preciso dizer que Battlestar Galactica não é um produto inédito. Na realidade, trata-se não de um remake, mas sim do termo mais apropriado “reimaginação” de uma série cult de mesmo nome que foi ao ar entre 1978 e 1979. Muitos elementos e conceitos dela foram reaproveitados na produção de 2004, embora os rumos da trama tenham sido totalmente alterados e modernizados, dando-lhe uma pegada menos fantasiosa e mais realista. Mas, já que ela possui essa ligação com a série original, falarei um pouco dela também.
A SÉRIE ORIGINAL
O Battlestar Galactica que deu origem ao seriado de 2004 foi criado por Glen A. Larson e no Brasil ficou conhecido como Galactica: Astronave de Combate. Ela teve 21 episódios (incluindo um piloto de duas horas e meia) exibidos entre 1978 e 1979. Ou seja, logo depois do lançamento de um certo Episódio IV de Star Wars.
E ela claramente tentava pegar carona no sucesso do filme de George Lucas. Na trama, as 12 Colônias da humanidade são destruídas por uma raça robótica chamada cylon (ou cilônios, na tradução em português). Os poucos sobreviventes se juntam numa frota à Astronave de Combate do título, rumando para a Terra em busca de um novo lar.
O clima era de aventura e batalhas espaciais, tendo também construído toda uma mitologia própria, a qual seria re-explorada e reutilizada de formas muitas vezes diferente na série de 2004. Contudo, devido aos altos custos de produção para a época, a série acabou cancelada na primeira temporada.
Devo dizer que eu não assisti essa série, pois nunca tive interesse. Ela me parece muito fantasiosa e um tanto infantilizada. Pelo que eu li a respeito, e pelas fotos que vi, havia a presença de uma criança entre os personagens principais, que inclusive tinha um bichinho de estimação robô e a presença de várias raças alienígenas. Todos esses elementos fantasiosos seriam sumariamente limados na versão reimaginada.
Uma primeira tentativa de reviver a série foi feita com a criação de um novo seriado, Galactica 1980. Nela, os eventos ocorrem 30 anos após o fim do programa original, com a frota finalmente chegando à Terra e tendo de trabalhar para avançar a tecnologia terráquea e assim proteger o planeta dos cylons.
Esta nova série, exibida em 1980 (dã!), durou apenas 10 episódios e não contava com todos os personagens da original, sendo mais uma vez cancelada. Também não assisti a esta aqui. Contudo, ao longo dos anos, Battlestar Galactica acabou ganhando status cult, o que sem dúvida viabilizou a ideia de criar uma nova versão nos anos 2000.
SO SAY WE ALL – A NOVA BATTLESTAR GALACTICA
E agora sim chegamos ao que interessa, o tema desta resenha. A nova versão de Battlestar Galactica foi criada e desenvolvida por Ronald D. Moore, egresso das séries da franquia Star Trek (ele trabalhou em A Nova Geração, A Nova Missão/Deep Space Nine e Voyager e roteirizou os filmes Generations e Primeiro Contato). Ou seja, já tinha ampla experiência com ficção científica envolvendo naves espaciais!
E embora Glen A. Larson, criador da série original e de Galactica 1980, também esteja creditado como co-criador e ele tenha recebido royalties por essa encarnação atualizada, ele não teve qualquer envolvimento direto nessa nova versão.
O crédito foi dado porque muitos dos conceitos e designs, bem como a premissa básica, foram utilizados na nova história, que também usa de muitas referências ao Battlestar Galactica original, porém levando a narrativa por um novo caminho.
Na nova trama, os humanos criaram a inteligência artificial, que se tornou os cylons, usados como servos robóticos dos humanos das chamadas 12 Colônias de Kobol (12 planetas batizados em referência aos signos do zodíaco). Os cylons se revoltaram com sua situação escrava e declararam guerra contra a humanidade. Essa primeira guerra chegou ao fim quando ambas as partes assinaram um armistício e os cylons deixaram as 12 Colônias e rumaram para o espaço profundo.
A série começa 40 anos após o fim dessa primeira guerra, com os cylons retornando, rompendo o armistício e lançando um ataque surpresa e devastador às Colônias, bombardeando os planetas com mísseis nucleares, causando o genocídio da raça humana.
Apenas cerca de 50.000 pessoas sobrevivem aos ataques, fugindo em naves espaciais civis que formam uma frota em torno da Galactica, uma velha nave de combate classe Battlestar (e que é essencialmente um porta-aviões), sob o comando do veterano William Adama, e que imediatamente antes dos ataques estava para ser aposentada.
Por ter todos os seus principais sistemas de operação analógicos (diferente dos modelos mais novos, com computadores em rede, por exemplo), ela é a única que sobrevive aos ataques e hacks inimigos e passa a liderar a frota de naves civis fugindo dos cylons, que os caçam impiedosamente pelo espaço.
Desesperados e à beira da extinção, eles se apegam a uma antiga profecia religiosa, que conta sobre uma décima-terceira tribo humana, que partiu para longe e se estabeleceu num planeta chamado Terra (hum…). A ideia de encontrar e se estabelecer nessa última colônia é o que dá esperança e um objetivo para eles, que passam então a procurar por ela, enquanto tentam despistar os cylons em seu encalço.
Basicamente, a linha narrativa da série é essa. Mais ficção científica, impossível. E ela junta muitos outros elementos do gênero para falar de assuntos muito sérios e presentes em nosso mundo. E este é o tema do próximo tópico.
PEGUE SUA ARMA E TRAGA O GATO PRA DENTRO – AS PRINCIPAIS REFERÊNCIAS
Eu costumo descrever a série para quem não a conhece como uma mistura de Star Wars, Blade Runner e O Exterminador do Futuro. Acredite, tudo isso dá liga. Star Wars pelo foco na ação (embora aqui não exista sabres-de-luz e raios laser, apenas as boas e velhas balas e explosivos) e nas batalhas espaciais, muito bem feitas, considerando-se um orçamento de TV (ainda mais numa época em que as séries estavam apenas começando a receber verbas mais polpudas), e que ainda se sustenta bem, mais de dez anos depois.
O Exterminador do Futuro por ser a clássica história do combate dos humanos contra máquinas, algo já usado em muitos outros filmes e séries. E Blade Runner por conta de um elemento totalmente inédito para a nova série. Logo no começo, descobrimos que os cylons evoluíram e criaram modelos orgânicos, que se parecem com os humanos.
Foi graças à infiltração destes modelos indistinguíveis de uma pessoa comum nas colônias que eles conseguiram desferir um ataque tão arrasador. E o pior, mesmo após os ataques, a galera vai descobrindo que eles também estão infiltrados na frota, causando um grande medo e paranoia de que qualquer um ali possa ser um agente cylon disfarçado.
Tais como os replicantes de Blade Runner, os 12 modelos humanos existentes de cylons são mais fortes fisicamente que uma pessoa. E também são referidos pejorativamente como skinjobs (algo como “plástica de pele”, numa tradução tosca), mesmo termo usado no filme. Mas, diferente do clássico da ficção científica, eles não possuem uma expectativa de vida reduzida. Pelo contrário, quando morrem, suas consciências são transferidas via download para réplicas de seus corpos.
Para dar uma ideia melhor de tudo isso, dê uma olhada nesse trailer bacunudo da série:
Antes de falar dos méritos e dos defeitos, convém uma rápida apresentação dos personagens. E aqui vale o aviso. A partir deste momento, grandes e malvados SPOILERS habitarão o resto dessa resenha. Se você ainda não assistiu a série e tem desejo de fazê-lo, vai lá e volte para terminar de ler depois. Considere-se avisado!
SENHORES DE KOBOL – O POVO DA FROTA
– Comandante William “Bill” Adama (Edward James Olmos): O Comandante da Galactica (carinhosamente chamado de “velho” – old man – por sua tripulação), única nave militar e com capacidade de combate a sobreviver aos ataques cylon. É um veterano durão de voz acascalhada, responsável pela proteção de toda a frota civil e por organizar os eventuais ataques aos cylons. Junto de Laura Roslin, é o principal personagem da série. Edward James Olmos (que inclusive fez Blade Runner) arrasa como o protagonista, em uma senhora atuação. No início, vive batendo de frente com a Presidente Roslin, mas logo eles criam uma grande amizade e cumplicidade que evolui para algo mais.
– Presidente Laura Roslin (Mary McDonnell): Laura era a Secretária de Educação das 12 Colônias. Quando o ataque cylon mata todos os principais representantes do governo, devido à escala de sucessão, acaba virando a presidente. Está morrendo de câncer de mama, e devido a uma profecia religiosa que diz que um líder moribundo irá guiar um grupo de sobreviventes até a décima terceira colônia perdida, assume o papel de levar a frota até a Terra. É a voz da razão, priorizando a sobrevivência da raça humana ao combate contra os cylons, o que muitas vezes a faz ir contra Bill Adama.
– Capitão Lee “Apollo” Adama (Jamie Bamber): Excelente piloto de viper (os caças abrigados na Galactica) e filho de Bill, é o CAG (Comandante do Grupamento Aéreo) da nave. No começo, tem uma desavença com o pai por culpá-lo pela morte de seu irmão Zak antes da guerra. Também tem uma relação de “vai, não vai” com Starbuck. Por sua grande sinceridade e senso de justiça, acaba virando o principal conselheiro militar da Presidente Roslin.
– Doutor Gaius Baltar (James Callis): o principal cientista das 12 Colônias, era responsável pelos sistemas de defesa planetários. Contudo, foi engabelado e seduzido por uma modelo cylon e contribui, ainda que inadvertidamente, para os ataques. Sobrevive e consegue ir a bordo da Galactica, mas morre de medo que todos descubram sua participação no genocídio. É um autêntico cafajeste, mulherengo e egocêntrico, mas passa a ser atormentado por visões da “Seis de Caprica” – Caprica Six – (o modelo que o usou para acessar os sistemas de defesa) por toda a série. Nunca é explicado se ela é um delírio, um chip implantado ou mesmo um anjo (a série brinca com todas essas possibilidades), mas graças à influência dela em sua psique, é ele quem mais compreende o modo de vida e cultura cylon. Um dos melhores e mais complexos personagens da série.
– Tenente Kara “Starbuck” Thrace (Katee Sackhoff): ela é simplesmente a melhor e mais arrojada piloto de viper que existe. Seu talento só é equiparado por sua irresponsabilidade e insubordinação. Antes da guerra, namorava Zak, o irmão morto de Lee e filho de William Adama, que a considera uma filha. Possui uma rixa com o Coronel Tigh por considerá-lo um risco para todos. Ela bebe pra caramba, fuma charutos e não leva desaforo pra casa. Uma das personagens mais queridas da série, transformou a atriz Katee Sackhoff em musa nerd.
– Tenente Karl “Helo” Agathon (Tahmoh Penikett): Helo é um navegador de raptor (uma nave de reconhecimento e transporte) que fica preso na Caprica ocupada pelos cylons após ceder seu lugar para Gaius Baltar. Lá, ele encontra Sharon Valerii, que ele não sabia ser uma cylon. Eles se apaixonam e ele a engravida. Após ser resgatado por Starbuck, enfrenta a desconfiança da frota por seu envolvimento com uma cylon, mas é um dos mais valorosos oficiais das forças armadas das 12 Colônias. Uma curiosidade: originalmente o personagem ia aparecer somente na minissérie, presumindo-se que ele teria morrido após ser abandonado em Caprica. Mas a reação do público a Helo foi tão forte que ele acabou virando um personagem fixo e muito importante para a série.
– Tenente Felix Gaeta (Alessandro Juliani): o oficial de navegação da Galactica, também é o cara responsável pelas eventuais gambiarras que sejam necessárias. Passa a ajudar Gaius Baltar no desenvolvimento de um detector de cylons e, graças a essa proximidade com o cientista, desenvolve com ele uma relação que será importante para o transcorrer das temporadas.
Ainda há outros personagens que, se não possuem o mesmo destaque, ainda são importantes para a série, como o rabugento Doutor Cottle, o médico da Galactica, a Oficial Anastasia Dualla, responsável pelas comunicações da nave, Billy, o assistente da presidente, e a Especialista Cally Henderson, uma das mecânicas responsáveis pela manutenção dos vipers, raptors e da própria Galactica.
Agora, passemos ao outro lado do conflito, falando dos cylons, com enfoque nos 12 modelos humanos.
DEUS TEM UM PLANO – OS CYLONS
Os cylons são uma forma de vida artificial criada pelos humanos. Como a série sempre diz na abertura, eles evoluíram, mas ainda possuem modelos mecânicos. São os chamados centuriões, os soldados rasos, com visual robótico, inspirados no design dos cylons da série original dos anos 1970.
Os raiders cylons, caças equivalentes aos vipers dos humanos, também são máquinas dotadas de inteligência, e até mesmo componentes orgânicos. São comparados a animais em termos de nível de inteligência e instintos.
As próprias naves-base (baseships) cylon, capazes de transportar milhares de soldados e raiders, são controladas pelos chamados híbridos, cylons humanoides e incompletos ligados diretamente aos sistemas da nave e que ficam falando umas incoerências aparentemente sem sentido.
Mas os astros do lado inimigo são mesmo os modelos que imitam a aparência humana, responsável por todo o furdunço. Passemos a eles:
– Número Um – John Cavil (Dean Stockwell): apresentado originalmente como Irmão Cavil, um sacerdote a bordo da Galactica. Cavil foi o primeiro modelo cylon humano criado pelos final five e se ressente profundamente com eles por terem-no feito à imagem e semelhança dos humanos. Por conta disso, é o mais determinado a destruir a raça humana, assim como a se vingar de seus pais, os últimos cinco, por fazerem-no imperfeito e com um corpo velho e falho. É o grande vilão da série e responsável por um monólogo digno do Roy Batty de Blade Runner.
– Número Dois – Leoben Conoy (Callum Keith Rennie): Leoben aparece já na minissérie e imediatamente é exposto como um cylon. É obcecado por Starbuck, acreditando que ela tem um papel transcendental na história dos humanos e dos cylons e por isso quer a todo custo que ela o ame. Também acredita que os híbridos das naves-base cylon são profetas, e as incoerências que dizem na verdade são mensagens com sentidos a ser decifrados.
– Número Três – D’Anna Biers (Lucy Lawless): apresentada como uma jornalista a bordo da Galactica num dos episódios mais legais da série, D’Anna na verdade era uma espiã. No decorrer da série, se envolve com Gaius Baltar e fica obcecada por conseguir ver o rosto dos final five, o que a leva a ser “encaixotada” por Cavil.
– Número Quatro – Simon O’Neill (Rick Worthy): é o médico dos cylons e é apresentado na Caprica ocupada por eles, quando Starbuck é baleada e vai parar numa fazenda de reprodução, uma experiência dos cylons envolvendo a procriação humana. Fora isso, pouco aparece na série e pouca importância tem para seu desenrolar.
– Número Cinco – Aaron Doral (Matthew Bennett): um dos primeiros cylons descobertos infiltrados na frota. Ele se explode usando um colete-bomba num atentado. Fora isso, também aparece pouco e não tem grande importância. O próprio Cavil o sacaneia em determinado momento, dizendo que seu modelo não é lá grandes coisas.
– Número Seis (Tricia Helfer): A modelo número seis é uma loira escultural que seduz Gaius Baltar para ganhar acesso aos sistemas de defesa das 12 Colônias. Depois, começa a assombrá-lo como visões. Cópias desse modelo também se infiltram na frota, assumindo diversos nomes, e na Pegasus, gerando uma das histórias mais pesadas (a respeito do tratamento dado a prisioneiros de guerra) de toda a série. É uma das principais personagens do seriado.
– Número Oito – Sharon “Boomer” Valerii/Sharon “Athena” Agathon (Grace Park): Boomer começa a série como piloto de raptor e parceira de Helo. Logo se descobre que ela é uma agente adormecida incumbida de causar sabotagens na Galactica. Ela tenta até matar Bill Adama. Já Athena é uma outra cópia responsável por seduzir Helo em Caprica e tentar gerar uma criança com ele por meios naturais (algo importante, e até então impossível, para os cylons). Mas ela acaba se apaixonando por ele, trai sua raça e, após muita desconfiança por parte dos humanos da Galactica e da frota, acaba aceita como uma importante aliada e membro da tripulação. O modelo oito é considerado extremamente imprevisível e levado por suas emoções, algo que é avaliado como uma falha por seus pares.
PAUSA PARA OS COMERCIAIS
E aqui encerro esta primeira parte de nossa caprichada (e gigante!) resenha de Battlestar Galactica. Semana que vem, a segunda e última parte, falando sobre os famigerados final five, os pontos positivos e negativos da série, seus spin-offs, dentre outras coisas. Até lá!