Victoria

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Um plano-sequência consiste numa longa tomada sem cortes, geralmente com os personagens transitando por vários ambientes. Ele pode tanto ser feito da forma tradicional, estilo “ligue a câmera e deixe rolar”, como utilizando-se trucagens e efeitos especiais para fazer aparentar tratar-se de uma tomada única.

O filme mais famoso a utilizar-se dessa técnica é o tremendão Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock, o qual consiste de oito planos-sequência de dez minutos (à época, a capacidade máxima de um rolo de negativo) que, graças à montagem esperta, parece ser uma única tomada de oitenta minutos.

Profissionais do meio e amantes do bom cinema no geral curtem essa técnica por ser extremamente difícil de ser feita, necessitando muito ensaio e afinação de toda a equipe e elenco (afinal, quando se erra, é preciso refazer tudo de novo), porém é esteticamente muito bacana sempre que utilizada.

Essa longa introdução é apenas para dizer que Victoria, o tema desta resenha, é um longa-metragem cujo maior chamariz é ser todo rodado em apenas um único plano-sequência de 134 minutos (o resto da metragem se divide entre os créditos iniciais e finais), o que por si só já é capaz de chamar a atenção de qualquer cinéfilo.

A jovem que dá nome ao filme é uma espanhola vivendo em Berlim. Ao sair de uma balada, ela encontra um quarteto de sujeitos locais, faz amizade com eles e, em sua companhia, irá ter um resto de noite muito louca, regada a altas confusões junto de sua nova turminha do barulho. Não dá para falar muito mais que isso para não estragar a surpresa, mas as coisas realmente dão uma grande reviravolta.

E este é o meu grande problema com o negócio. Simplesmente não consegui comprar sua premissa, a necessária suspensão da descrença não rolou neste caso. Pense comigo: você é uma jovem atraente e sozinha num país estranho. Acaba de sair desacompanhada de uma balada de madrugada e é abordada por quatro caras mamados que desde o princípio já vêm dando ideia errada. Sua reação inicial seria instantaneamente fazer amizade com eles e acompanhá-los pelo resto da noite? Acho que não, a não ser que você tenha alguns parafusos a menos.

Não dá para entender as motivações e resoluções da protagonista (exceto ela ter achado um dos caras gostoso), principalmente quando a trama dá a reviravolta e ainda assim ela decide permanecer com eles e ajudá-los. Relembrando que, por ser um plano-sequência em tempo real, ela só os conhece há cerca de uma hora. Para mim, é um baita problema de lógica e torna a coisa toda bastante forçada.

O outro grande problema é que o filme é desnecessariamente longo demais. Na primeira hora não acontece praticamente nada. Ficamos apenas vendo a mina e os minos batendo aquele papo sem sentido de bêbado e fazendo bebunzices. Isso é algo divertido de se fazer quando se está calibrado, mas apenas assistir a este tipo de coisa sóbrio já são outros quinhentos.

O problema de andamento também se estende ao final, que se arrasta além da conta, embora não seja tão longo e entediante quanto o primeiro ato. Ainda assim, ele bem carecia de uma boa enxugada (já que nesse caso seria impossível cortar na edição) nas situações do roteiro para deixá-lo mais dinâmico e atraente.

Excetuando-se a forma como foi feito, a verdade é que há poucos predicados em Victoria, transformando-o num trabalho irregular e bem cansativo devido à sua duração excessiva. Assim, não é algo que eu recomendaria para quem quer apenas assistir a um filme legal, contudo, se você curte planos-sequência e não se importar com o que ele tem de ruim, ainda pode valer uma assistida.

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
victoriaPaís: Alemanha<br> Ano: 2015<br> Gênero: Thriller<br> Duração: 138 minutos<br> Roteiro: Sebastian Schipper, Olivia Neergaard-Holm e Eike Frederik Schulz<br> Elenco: Laia Costa, Frederick Lau e Franz Rogowski.<br> Diretor: Sebastian Schipper<br> Distribuidor: Imovision<br>