Uma Noite de Crime

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Reclamamos tanto da falta de criatividade do cinema estadunidense atual, que é um verdadeiro alento no mar do “nada se cria, tudo se copia” quando surge uma ideia original. Quando tal ideia ainda por cima é boa, melhor ainda.

Uma Noite de Crime parte de uma premissa muito interessante. No ano 2022, os EUA atingiram seus mais baixos níveis de desemprego e criminalidade. No entanto, reconhecem a natureza violenta e cruel do homem e sua necessidade de eventualmente saciar tal natureza. Assim, para manter sua sociedade funcionando próxima à perfeição, uma noite por ano promovem o chamado expurgo.

Durante 12 horas, todos os tipos de crime, incluindo assassinato, são liberados pelo governo, sem qualquer tipo de punição ou consequência. Serviços de emergência, como polícia, bombeiros e ambulâncias são suspensos nesse período. É um verdadeiro salve-se quem puder para aqueles dispostos a aplacar seus instintos mais baixos.

Quem não quer participar, basta comprar um sistema de segurança caríssimo e ficar trancado em casa esperando a noite acabar. O personagem do Ethan Hawke (Antes da Meia-Noite) é um desses. Vendedor de sistemas de segurança domiciliar, enriqueceu graças a essa lei, e passa toda noite de expurgo com sua família. Contudo, seu filho acaba deixando um mendigo entrar na casa, pois o sujeito estava sendo caçado por um grupo de “playbas”.

A turminha do barulho exige que eles lhe entreguem o sujeito ou darão um jeito de entrar e matarão a família inteira. A partir daí, o filme se transforma num mais que eficiente suspense passado totalmente na casa da família. Essa é ao mesmo tempo sua força e também sua fraqueza.

É força porque este é um longa de orçamento reduzidíssimo. Custou apenas três milhões de Obamas, uma miséria para padrões hollywoodianos. E, no entanto, não aparenta ser um filme barato. Claro, o fato de se passar num ambiente só ajuda, mas ainda assim é muito bem produzido.

É tenso, violento na medida certa, dá uns sustos legais e até evita algumas das obviedades do estilo. Ou seja, como um representante do gênero suspense, é mais que eficaz e um dos melhores do tipo que vi em algum tempo.

Contudo, entretanto, todavia, voltemos à discussão da ideia. Como disse antes, a falta de originalidade é tamanha que quando surge uma ideia boa como essa, vira praticamente obrigação aproveitá-la ao máximo. E essa premissa é simplesmente boa demais para ser usada num mero suspense de sábado à noite, por melhor que ele seja.

Só as implicações morais e filosóficas renderiam um excelente debate por si só. Vai falar que você nunca parou para pensar se não cometeria algum crime (por menor que fosse) se tivesse certeza de que não haveria consequências?

Pois é, essa discussão poderia render um baita filme, daqueles tão raros hoje em dia, capaz de ser entretenimento e ainda fazer pensar. Uma Noite de Crime mal pincela esses fatores, preferindo se ater mesmo à tensão e à diversão pura. Uma verdadeira pena. Talvez por ser uma produção modesta não teve condições de seguir por este caminho. Ou vai ver os realizadores não pensaram em seguir este viés ou não o consideraram tão promissor quanto eu, vai saber.

Seja como for, considerando-se a película apenas pelo que ela é, temos um ótimo filme de pura e simples diversão, o qual merece ser assistido. Mas que essa ideia poderia render muito mais, ah, isso poderia!

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
uma-noite-de-crimePaís: EUA/França<br> Ano: 2013<br> Gênero: Suspense/Ficção Científica<br> Duração: 85 minutos<br> Roteiro: James DeMonaco<br> Elenco: Ethan Hawke, Lena Headey, Rhys Wakefield, Max Burkholder e Adelaide Kane.<br> Diretor: James DeMonaco<br> Distribuidor: Universal<br>