The Flash – A série dos anos 90

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O Flash é um dos personagens mais populares e queridos da DC Comics, integrante da Liga da Justiça e figura fundamental no universo da editora. E, no momento em que escrevo esta matéria (20 de março), o piloto de uma série de TV sobre o personagem (cujo embrião se deu na segunda temporada de Arrow) está sendo rodado.

E no momento em que esta mesma matéria está sendo publicada, ele já foi aprovado, podendo até ser encontrado facilmente na Argentina, e uma primeira temporada da série já foi garantida e tem previsão de estreia nos EUA para sete de outubro.

Todavia, esta não será a primeira série do herói a ganhar as telas da TV. O pessoal mais velho, de seus vinte e tantos ou já entrado nos trinta anos, com certeza deve se lembrar que o velocista escarlate teve um seriado de curta duração no começo da década de 90. E é sobre ele que falarei nesta resenha, um verdadeiro passeio pelo passado, onde super-heróis nas telinhas eram artigos esporádicos, bem diferente do que ocorre hoje. Comecemos então pela premissa básica.

O HOMEM MAIS RÁPIDO DO MUNDO

Desenvolvida pelos produtores-executivos Danny Bilson e Paul De Meo, a proposta do seriado não poderia ser mais simples: contar as aventuras semanais de Barry Allen, o Flash da Era de Prata (aquele que, nas HQs, morreu na Crise nas Infinitas Terras, cedendo seu lugar a Wally West). Allen, um cientista forense da polícia de Central City, é atingido por um relâmpago numa noite tempestuosa e arremessado contra uma estante cheia de produtos químicos em seu laboratório. A mistura de componentes com eletricidade altera seu organismo e ele descobre ter ganhado a capacidade de se mover em velocidade sobre-humana. Passa então a combater o crime e ajudar quem precisa como o Flash, o mais novo protetor da cidade.

Em 22 episódios (contando o piloto de 90 minutos de duração), o herói enfrenta mafiosos, criminosos, andróides, cientistas loucos e também três supervilões tirados diretamente de sua galeria de arquiinimigos dos quadrinhos: o Trapaceiro (Trickster, este o mais próximo das HQs), Capitão Frio (Captain Cold) e Mestre dos Espelhos (Mirror Master). Estes dois últimos com visuais, origens e personalidades diferentes, mas mantendo a característica principal de seus poderes (Frio com uma arma e outros artefatos congelantes e o Mestre dos Espelhos capaz de criar hologramas).

O público-alvo era essencialmente infantil, por isso a série se utilizava de vilões um tanto exagerados, roteiros mais simples e um senso de humor bastante ingênuo. Mas o fazia sem cair no ridículo, bem diferente da série do Batman barriguinha, por exemplo. E mesmo com a forte verve cômica, privilegiava mesmo era a aventura.

Em suma, uma típica série de super-heróis, carregada de ação, hoje coisa comum na programação da TV, mas que naquela época não era algo tão corriqueiro assim, e por isso talvez não tenha obtido o sucesso esperado, mas sem dúvida fez a alegria de muitos jovens nerds que até hoje se lembram dela com carinho. E antes de falarmos um pouco mais sobre suas qualidades e defeitos, vejamos quem eram os personagens principais. Mas antes, fique com a abertura do programa:

OS PERSONAGENS

– Barry Allen / Flash (John Wesley Shipp): O perito forense da polícia de Central City que sofre um acidente de laboratório e se torna o Flash. É o típico cara bonzinho que vira um justiceiro mascarado porque acredita ser a coisa certa a fazer com seus novos poderes, para ajudar a polícia e quem mais precisar.

Barry foi o primeiro personagem importante do ator John Wesley Shipp, que alguns anos depois ganhou outro papel de destaque na televisão como o pai de Dawson em Dawson’s Creek (1998/2001). O legal é que ele está no piloto da nova série do Flash como Henry Allen, o pai de Barry, o que se caracteriza como uma bela homenagem tanto para o personagem quanto para o ator que foi o primeiro Flash da TV.

– Tina McGee (Amanda Pays): Cientista dos Laboratórios STAR que ajuda Barry a se adaptar às mudanças em sua fisiologia, também é ela quem dá a ele o traje do Flash e é uma das poucas pessoas que conhecem sua identidade secreta, o que a torna sua principal confidente. Os dois engatam um relacionamento de amizade com amor platônico e aquele clima de “vai, não vai” por toda a série.

Após o fim do seriado, a atriz inglesa Amanda Pays não fez nada muito digno de nota, apenas algumas participações esporádicas em séries de TV variadas, como Arquivo X e Nip/Tuck.

– Julio Mendez (Alex Désert): Julio é o colega de laboratório de criminalística de Barry e ambos são muito amigos. Está sempre tentando arranjar mulheres para seu chapa, provando que é um cara muito gente boa, mas só o mete em roubadas. Não sabe da vida dupla de Allen, mas em vários momentos chega a suspeitar de seu comportamento estranho e sumiços repentinos.

Alex Désert, a exemplo do protagonista John Wesley Shipp, também conseguiu emplacar outro papel na televisão após o fim de The Flash. Alex fez parte do elenco da sitcom Becker (1998/2004), uma espécie de proto-House, que mostrava a vida de um médico rabugento e que não gosta de pessoas (Ted Danson). O ator interpretou Jake, um jornaleiro cego que frequentava o mesmo café que Becker e era uma das poucas pessoas de quem o médico gostava. Outra curiosidade a respeito do ator é que depois ele passou para o lado da Marvel e fez a voz de Nick Fury no desenho animado Os Vingadores – Os Maiores Heróis da Terra, produzido entre 2010 e 2012.

Estes três eram os únicos personagens fixos da série, mas havia alguns papéis recorrentes, como o do Tenente Warren Garfield (Mike Genovese), chefe de Barry; a dupla de policiais Bellows (Vito D’Ambrosio) e Murphy (Biff Manard), que servia de alívio cômico; o repórter Joe Kline (Richard Belzer) e o contraventor Fosnight (Dick Miller), que atuava como informante de Barry no submundo.

E claro, havia as participações especiais, sendo que a mais famosa delas sem dúvida foi a de ninguém menos que Mark Hamill (que também atende por Luke Skywalker), o qual interpretou James Jesse, o Trapaceiro, em dois episódios. O personagem era uma espécie de cópia barata do Coringa, mas sem dúvida serviu de laboratório para o ator refinar o trabalho de voz que faria com o Palhaço do Crime em animações e games nos anos posteriores. Confira o vídeo abaixo e veja se não há algumas semelhanças:

E o legal de rever essas séries antigas é que você invariavelmente sempre encontra atores hoje famosos, mas que na época eram ilustres desconhecidos. Um exemplo: qual não foi minha surpresa, reassistindo a série recentemente, ao constatar que o vilão do episódio Be My Baby era ninguém menos que um Bryan Cranston jovem e antes da fama!

QUALIDADES

Se a DC continua batendo cabeça para levar seu universo de heróis para o cinema, na televisão isso nunca foi problema e não é de hoje que ela consegue fazer boas séries com seus personagens. The Flash é só mais um exemplo disso.

Para começar, os produtores-executivos Danny Bilson e Paul De Meo tiveram a sábia decisão de contratar dois escritores de HQs para serem os principais roteiristas e argumentistas do programa: Howard Chaykin (American Flagg!) e John Francis Moore (X-Force e X-Factor).

Como resultado, os episódios realmente tinham clima de gibi, com muitas referências (inclusive nominais) aos principais escritores e desenhistas do herói, bem como citações a outros personagens de seu núcleo, como Professor Zoom e Gorila Grodd, por exemplo. A própria presença dos Laboratórios STAR, uma instituição importante no universo DC dos quadrinhos, é outro bom exemplo.

O traje do herói é outro elemento muito lembrado e até hoje tido como uma das transposições mais fiéis das páginas das HQs para as telas. A única diferença é a cor das botas, vermelhas na série e amarelas nos gibis. De resto, é como se o velocista tivesse saltado direto das páginas. E a série, no melhor estilo “realismo quase obrigatório pós-Batman do Christopher Nolan” ainda explica a função do uniforme (era uma roupa experimental de mergulho capaz de suportar grandes pressões e, por isso, a única que resiste ao atrito das grandes velocidades atingidas por Barry). A roupa é tão marcante que, quando saiu a primeira foto do uniforme do Flash na nova série, o que teve de gente comentando que o traje da antiga era bem melhor não foi brincadeira…

Os efeitos especiais ainda se sustentam muito bem (salvo uma ou outra cena que envelheceu mal), embora sejam basicamente imagens aceleradas. E o humor, que eu já havia chamado de ingênuo, lá no começo da matéria, tem seus bons momentos.

Algo que eu não me lembrava até reassistir à série era a quantidade de piadas envolvendo Barry e comida. Como seu metabolismo queima quatro vezes mais rápido que o de uma pessoa comum e ele gasta muita energia sempre que usa a supervelocidade, precisa comer muito e constantemente. Sendo assim, ele está sempre morto de fome e vira a verdadeira alegria dos restaurantes, pedindo sempre uma quantidade absurda de pratos.

DEFEITOS

Outra coisa que também só notei recentemente é o visual da produção. Ela se passa nos anos 90, mas há muitos figurinos, detalhes cenográficos (especialmente as fachadas da central de polícia e dos Laboratórios STAR) e, sobretudo, automóveis que remetem diretamente à década de 60, numa tentativa de criar uma atemporalidade retrô. Essa característica seria reutilizada com muito mais sucesso na série animada do Batman produzida a partir de 1992, mas no live action do corredor escarlate, ficou bem estranha a mistura de carros modernos, computadores e os primeiros telefones celulares, com gente andando de chapéu e outros carros muito mais antigos, quase relíquias de colecionadores.

Também há um certo desleixo com a mise-en-scène, muito difícil de engolir, mesmo dando um desconto para a época, onde a TV não tinha o respaldo crítico e orçamentário que tem hoje, sendo considerada uma mídia de categoria inferior. São pequenas coisas que a mera presença de alguns figurantes a mais já resolveria. Como o fato de que Barry e Julio são os únicos funcionários do laboratório da polícia, que é grande demais para apenas duas pessoas. Sem contar que aparentemente esses seriam os dois únicos CSIs de toda Central City!

Mas o pior é o caso dos Laboratórios STAR, um lugar enorme, onde fica a incômoda sensação de que Tina McGee é a única funcionária, visto que nunca há ninguém lá além dela, salvo raríssimas exceções. E nessas exceções onde aparece mais gente, é porque elas são importantes para o enredo. Mesmo levando em conta que a maioria das cenas lá se passa à noite, após o horário de trabalho, para resguardar o segredo de Barry, é bizarro não ver sequer um segurança pelos corredores…

Mesmo com essas pequenas falhas e com o tom mais inocente, por vezes até um pouco bobo, fruto de outra época da TV estadunidense, vista hoje ainda se sustenta com dignidade e faz pensar que poderia ter durado mais. Mas não teve jeito, ao final de sua primeira e única temporada, acabou sendo cancelada.

O CANCELAMENTO

Foram dois os principais motivos para a degola de The Flash. O primeiro e mais importante é aquele de sempre: audiência. O problema é que a série ia ao ar no mesmo horário de dois dos programas mais populares da época, The Cosby Show e Os Simpsons. Ambas as comédias batiam de frente na guerra por audiência, e colocar a série do Flash para disputar com elas foi uma péssima decisão.

Quando a emissora CBS percebeu o erro, tentou mudar o horário e depois também o dia de exibição, mas aí já era tarde. O seriado nunca conseguiu um número expressivo de telespectadores e, para piorar, as mudanças de horário e dia acabaram confundindo também quem já acompanhava o programa.

Isso, aliado ao segundo motivo, o alto custo de produção dos episódios, levou o canal a optar por não renovar o show para uma segunda temporada. Uma pena. Ainda assim, a série tem seu lugarzinho cult no coração dos fãs. E sempre resta a esperança de que o novo programa do personagem vingue e tenha vida mais longa que seu antecessor. Um personagem da importância do Flash merece.

CURIOSIDADES:

– No Brasil, a série foi exibida à época nas tardes da Rede Globo. E logo nos primórdios do canal Warner no Brasil, ele a reprisava em horários variados.

– Nos EUA, a temporada completa foi lançada em DVD.

– A música tema foi composta por Danny Elfman e é muito parecida com a música do Batman do Tim Burton, que depois foi utilizada também na série animada.

– Posteriormente, John Wesley Shipp dublou o Professor Zoom, o principal arquiinimigo do Flash, em um episódio do desenho Batman: Os Bravos e Destemidos.

– Nos comentários do DVD, Danny Bilson e Paul De Meo disseram que caso a série ganhasse uma segunda temporada, ela ia começar com o Trapaceiro, Capitão Frio e Mestre dos Espelhos se unindo para derrotar o Flash. Nos quadrinhos, esses vilões, junto de outros como Onda Térmica e Flautista, costumeiramente trabalham juntos e até se referem a eles mesmos como a Galeria de Vilões do Flash (Rogues Gallery no original). Logo, isso poderia ser o começo da Galeria na TV. Pena que não rolou.

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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
the-flash-a-serie-dos-anos-90Ano: 1990/91<br> Elenco: John Wesley Shipp, Amanda Pays e Alex Désert<br> Canal: Globo, Warner<br>