Ronnie James Dio – A Voz do Metal: Early Years

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No domingo, 16 de Maio de 2010, o mundo perdeu um dos grandes, senão o maior símbolo do Heavy Metal de todos os tempos. Faleceu aos 67 anos, Ronnie James Dio após uma batalha de pouco mais de seis meses contra um maldito câncer de estômago. Não só o Metal, como todo o Rock ‘n’ Roll ficou de luto com a passagem de Dio para o outro lado. Em 30 anos de idade, eu jamais vi tamanha comoção no meio musical sobre o falecimento de um colega. Nem mesmo ano passado, quando Michael Jackson se foi, tantos artistas importantes se manifestaram publicamente.

Se você ainda não conhece a história e a importância que Ronnie teve na música da segunda metade do século XX, é hora de relaxar na cadeira e entender o porquê de músicos de bandas tão díspares como Kiss, Black Sabbath, Queen, Iron Maiden, Metallica, Judas Priest, Sepultura, King Diamond, Angra, Van Halen, Napalm Death, Testament, Slayer, Scorpions, Deep Purple, Mötley Crüe e Motörhead terem lamentado a morte do artista.

FASES DO ROCK ‘N’ ROLL

Logo de cara, um fato chama a atenção de qualquer estudioso musical do século XX sobre a história de Dio: é um dos únicos, senão o único músico, que passou por todas as fases do Rock ‘n’ Roll deixando registros gravados. Do início ingênuo nos anos 50, passando pela psicodelia dos 60, o Hard Rock com pitadas progressivas nos 70, até o Heavy Metal direto e empolgante dos 80 em diante.

É bem verdade que a fama e fortuna vieram apenas a partir da formação do Rainbow no começo de 1975, mas naquela altura o cara já estava no batente há pelo menos 17 anos, o que nos mostra que a máxima derrotista do “não desisto nunca” não é exclusividade dos brasileiros. Ou que ele na verdade era brasileiro.

Para abordar a extensa carreira de Dio, dividi este especial em várias partes: esta primeira aborda a fase mais desconhecida do público em geral, contando da infância até o início do Rainbow. Nas próximas, abordaremos o Rainbow, o Black Sabbath e a bem sucedida carreira solo.

EARLY YEARS

Se você acha que Ronnie James Dio começou a cantar apenas quando se uniu a Ritchie Blackmore, se prepare para boas surpresas.

Ronald James Padavona nasceu em 10 de Julho de 1942 na pequena cidade de Portsmouth, nordeste dos Estados Unidos, próxima à fronteira com o Canadá. Neto de imigrantes italianos, ainda bebê mudou-se com a família para Cortland, outra cidadezinha mais a oeste, onde cresceu sob uma rigorosa formação católica, coisa que influenciaria toda sua carreira e suas letras mais “obscuras” a partir dos anos 70.

Os primeiros anos musicais de Ronnie são bastante misteriosos e confusos. Mesmo gravando e tocando em diversos discos, o vocalista parecia se envergonhar do período que vai de 1956, quando efetivamente montou sua primeira banda, até a formação do Elf, em 1967, e raramente mencionava os trabalhos deste hiato nas milhares de entrevistas que deu. No entanto, após dias de pesquisa, consegui levantar certa seqüência cronológica de acontecimentos que dão boas dicas do que se passou.

Ronald começou sua carreira já aos cinco anos de idade, tocando trompete por influência direta do seu pai, Pat Padavona (que ainda está vivo, e tem 102 anos), que gostaria de dar ao filho alguma instrução musical e deixou que ele escolhesse qual instrumento seguir. Ao ouvir um programa popular de rádio, o pequeno baixinho ouviu um solo de Jazz feito em trompete e sua escolha estava feita.

Seu sonho de infância e adolescência, no entanto, sempre foi se tornar um jogador de beisebol, mas sua forma física franzina, somada aos “maravilhosos” 1,60 metros de altura, mesmo na idade adulta, não colaboravam, e o garoto preferiu se desenvolver no trompete tocando em fanfarras e pequenos grupos escolares de Cortland.

Reza a lenda que, ainda pré-adolescente, chegou a registrar seus dons como trompetista em discos com lançamento comercial de bandas escolares e artistas da cidade, mas se estas gravações realmente existem, jamais chegaram ao conhecimento público.

Apesar de não ter relevância instrumental para as famosas bandas do futuro, esta fase como trompetista deu uma boa disciplina técnica e respiratória que o ajudaria no desenvolvimento de seus dons vocais na década seguinte. Segundo o próprio Ronnie, ele treinava trompete religiosamente por quatro horas, todos os dias, dos cinco aos 17 anos de idade.

THE VEGAS KINGS

Em paralelo ao trompete, o jovem toma conhecimento da primeira onda do Rock ‘n’ Roll assistindo apresentações de Elvis Presley e Jerry Lee Lewis na TV e começa a tomar gosto pela coisa.

Aproveitando o conhecimento em teoria musical dos anos de estudo como trompetista, Ronnie passa a estudar também contrabaixo em 1956 para formar, finalmente, uma banda de Rock com alguns amigos da Cortland High School.

A banda se chamaria The Vegas Kings e contava com Billy DeWolfe nos vocais, Ronnie no baixo, Nick Pantas nas guitarras, Jack Musci no saxofone (eram os anos 50!) e Tom Rogers na bateria.

Pantas se tornaria o primeiro parceiro musical de Dio e o acompanharia em seus projetos musicais até 1970, enquanto Rogers os acompanhou até 1967.

Voltando aos Vegas Kings, a banda conseguiu algum destaque na cena local de Cortland e gravou um single de sete polegadas com 2 músicas: Conquest no lado A e Lover no B.

Neste disquinho, além do baixo, Ronnie faz a sua estréia cantando vocais de apoio em Lover e ainda viveria um momento nostálgico tocando trompete em Conquest.

O disco original é raríssimo de se achar, mas volta e meia faz uma aparição relâmpago em algum leilão online. Com um pouco de paciência, você consegue encontrar as duas músicas em páginas e fóruns por aí. Vale apenas como curiosidade, pois os números são Rockabilly’s bem genéricos. Ouça-as aí embaixo.

RONNIE & THE RED CAPS

Em 1958, a banda chuta Billy e Jack para fora e Ronnie assume definitivamente os vocais continuando também com a função de baixista. Com a mudança, o grupo troca de nome para Ronnie & The Rumblers (fato comum na época o vocalista vir “apartado” para chamar a atenção) e segue fazendo shows em pequenos bares e festas do colégio.

No ano seguinte, a banda mudaria novamente para Ronnie & The Red Caps e lança mais um single com duas músicas: An Angel Is Missing e What I’d Say.

Sem atingir repercussão fora de Cortland, Ronnie se formou no colégio em 1960 e ingressou no curso de Farmácia da Universidade de Buffalo onde assistiu aulas por quatro semestres, mas abandonou a faculdade com o apoio dos pais para retomar a carreira musical.

RONNIE DIO & THE PROPHETS

Em 1961, com a mesma formação dos Red Caps, Ronnie adota o apelido “Dio” (Deus em italiano) e lança o Ronnie Dio & The Prophets, que conseguiria uma maior estabilidade durante a explosão do Rock nos anos 60.

Apesar de muitos pensarem que o “Dio” foi adotado conscientemente a partir dos conhecimentos de italiano do cantor e seus familiares, a história não foi bem assim: Ronnie achava seu nome “Ronald James Padavona” comprido demais para uma carreira artística e precisava de algum nome duplo para chamar a atenção. Um dia, folheando uma revista com uma reportagem sobre a máfia italiana, se deparou com um chefão, Giovanni Dioguardi, que usava a alcunha de “Johnny Dio”, e pegou a idéia emprestada. Somente depois de meses já utilizando a nova marca é que ele aprendeu o significado de “Dio” em italiano, quando algumas pessoas vinham perguntar se ele se achava mesmo um Deus, mas aí o lance já tinha pegado e não dava para voltar atrás.

Com o Prophets, e ainda tocando baixo e cantando, Ronnie e a banda lançaram nada menos que nove singles (com duas músicas cada) e um LP completo entre 1961 e 1967.

O primeiro LP da carreira era uma gravação ao vivo de um show realizado em 24 de fevereiro de 1963 em um restaurante de Cortland chamado Domino’s. Não é à toa que o nome escolhido para o discão foi Dio At Domino’s. O repertório contava com quase todas as músicas compostas pela banda (e os grupos anteriores de Ronnie) até então, mais o cover de Great Balls Of Fire de Jerry Lee Lewis.

Foram prensadas apenas 500 cópias do LP original, o que o torna bastante raro nos dias de hoje, mas novamente, as músicas são facilmente encontradas no Youtube com um pouco de paciência.

A carreira do Ronnie Dio & The Prophets não foi marcada pela originalidade, mas serviu para o desenvolvimento do vocalista como compositor e, principalmente, experimentador de novas tendências, introduzindo psicodelia e harmonias mais trabalhadas ao longo dos anos. Dio sempre foi um aficionado por novidades musicais que puxavam o Rock para outros patamares e, sempre que podia, tentava inovar em algum elemento musical.

Em 1967, cansado de apresentações locais em Cortland e sem contar com o apoio de alguns integrantes da banda para ousadias maiores, Ronnie encerra as atividades com os Prophets. Porém, continua com o guitarrista Nick Pantas para a exploração dos novos limites do Rock mais engajado que começava a surgir com nomes como Beatles, The Who, Cream, Byrds, Yardbirds e, principalmente, The Kinks, a grande influência de um certo Tony Iommi, que montava uma banda do outro lado do oceano. Mas essa é uma história para mais tarde.

ELETRIC ELVES

Juntamente com o primo David Feinstein, como segundo guitarrista, e o parceiro de sempre, Nick Pantas, Dio forma o Electric Elves para começar um som mais agressivo, deixando os cabelos crescerem e os ternos de lado. Gravam rapidamente um single com duas músicas bem diferentes de tudo que já haviam feito: Hey, Look Me Over e It Pays To Advertise (só eu acho esse nome de música demais?). Ainda não era o som que você espera, mas já estava mais próximo.

Neste meio tempo, Ronnie se casa com uma garota de Cortland, Loretta Berardi, e adotam um bebê, Dan Padavona, o único filho que o músico teria em toda sua vida.

ELF

Novamente vivendo a síndrome da mudança de nome para simplificar as coisas, a banda muda para The Elves em 1969 e apenas Elf, em 1970, lançando mais dois singles nesse período e conseguindo conquistar certo reconhecimento na costa leste dos EUA.

Ainda em 1970, uma tragédia por pouco não encerra prematuramente a carreira de Ronnie. Em 12 de fevereiro, a banda voltava de um show quando a van que os levava perde o controle e capota matando instantaneamente o principal – até então – parceiro musical de Dio, Nick Pantas, e ferindo os demais integrantes.

Após um período de luto que durou quase o ano inteiro e muitas discussões sobre o que fazer, Dio e os demais músicos resolvem seguir em frente, mas sem contratar um substituto para o lugar do amigo, cabendo a David a tarefa de único guitarrista.

O ano de 1971 serviu para a banda compor mais músicas e sair em turnê por toda costa leste e centro dos EUA. O Elf começava a ganhar uma boa reputação nos shows, onde apresentavam material próprio, mas sempre encerravam as apresentações com covers fielmente reproduzidos de Aqualung (Jethro Tull), Black Dog (Led Zeppelin) e War Pigs (Black Sabbath).

Com a fama por estas apresentações, a banda lançou um álbum ao vivo de maneira independente, o Live At The Bank, que chegou a um relativo sucesso no underground, mas nunca foi reimpresso. O álbum em si é muito difícil de ser encontrado, porém circulam pela internet vários bootlegs de apresentações da época, inclusive com os covers citados no parágrafo anterior.

RECONHECIMENTO

Dio começava a ser finalmente reconhecido e algumas grandes gravadoras chamaram a banda para testes e audições visando o lançamento do primeiro álbum completo de inéditas. Em janeiro de 1972, durante uma audição na Columbia Records, a banda encontrou Roger Glover e Ian Paice, respectivamente baixista e baterista do Deep Purple, que tinham acabado de fundar um selo, o Purple Records, e buscavam artistas para destacar.

A empatia entre Ronnie e os dois músicos, já bastante conhecidos, foi imediata, e o Elf assinava seu primeiro grande contrato com uma gravadora. O primeiro álbum do grupo, auto intitulado, foi gravado entre abril e julho de 1972, em Atlanta, e produzido pelos próprios Glover e Paice. O disco foi lançado em agosto.

O som deste primeiro disco era uma boa mistura das bandas de Hard Rock que pipocavam nos EUA e Inglaterra. O instrumental era bastante simples, mas os vocais característicos de Dio já se destacavam.

Imediatamente após o lançamento, a banda foi convidada a abrir os shows do Deep Purple na perna norte-americana da turnê mundial, entre agosto e novembro de 1972. Foi aí que Ronnie conheceu seu futuro parceiro, o famoso guitarrista Ritchie Blackmore, então no Purple.

A VIDA NA ESTRADA

No começo de 1973, assustado com o princípio de sucesso e a nova vida na estrada, David Feinstein sai da banda alegando diferenças musicais. Steve Edwards foi o novo guitarrista contratado. Simultaneamente, Dio abandona de vez o baixo para se concentrar apenas nos vocais. O baixista Craig Gruber (futuro Gary Moore Band) assume a função.

Em julho, já bem conhecidos nos EUA, assinam com a MGM Records para um segundo álbum, mas continuam com a Purple Records para lançamentos na Europa. O ELF viaja para a Inglaterra em janeiro de 1974 e entram em estúdio, novamente com a produção de Roger Glover. O segundo álbum, Carolina County Ball, foi lançado em abril. Nos EUA, saiu com o nome L.A / 59 e com uma capa totalmente diferente. Ninguém sabe o porquê desta mudança. De qualquer forma, a banda sai novamente como abertura para o Deep Purple nos dois meses seguintes, desta vez na terra natal dos ingleses.

Ainda em maio, Ronnie Dio canta em três faixas e escreve outras duas do primeiro álbum solo de Roger Glover, The Butterfly Ball. Como curiosidade, quem também participa deste disco é Les Binks (que seria o baterista do Judas Priest na maior parte dos anos 70), Glenn Hughes e David Coverdale (que já estava no próprio Purple), entre outros.

Voltando aos Estados Unidos em julho de 1974, o Elf acompanha o Deep Purple em toda sua turnê por lá, e quem também participa de alguns dos shows é uma jovem banda, ainda bem crua, chamada Aerosmith.

SEPARAÇÃO DO DEEP PURPLE

Em setembro, a história de Ronnie daria um novo salto enquanto o Deep Purple se encontrava em estúdio gravando o Stormbringer. O guitarrista Ritchie Blackmore, descontente com os novos caminhos, que considerava muito melódicos e românticos, com muito funk e soul, tenta resgatar a alma pesada do Rock e pede aos demais integrantes que gravem o cover de Black Sheep Of The Family do Quartermass, uma banda inglesa de Rock Progressivo.

Com a negativa unânime do Purple, Blackmore terminou de gravar suas partes no álbum e imediatamente contatou o Elf para a gravação da música como single de seu primeiro trabalho solo.

A admiração era recíproca e verdadeira entre Elf e Blackmore e ambos foram para o estúdio registrar o tal cover. O resultado nunca chegou a ser lançado comercialmente (a versão presente no primeiro álbum do Rainbow foi regravada), mas Ritchie ficou tão feliz que logo anunciou seu desligamento do Deep Purple para formar uma nova banda com Ronnie Dio e seus colegas de Elf.

O acordo para o novo grupo foi definitivamente selado em janeiro de 1975, no Rainbow Bar & Grill em Beverly Hills, Califórnia. Em homenagem ao momento e ao lugar, Ritchie batizou a banda como Ritchie Blackmore’s Rainbow, mas esta é uma história para o próximo capítulo deste especial.

PS: Leia as demais partes desta biografia clicando em “Especial Dio” aí embaixo.

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