Ronin

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Hoje Frank Miller é uma mera sombra do que já foi. Seus últimos trabalhos transitam entre o pavoroso e o irrelevante. Talvez o pessoal mais novo, por conta disso, nem saiba da sua gigantesca relevância para as HQs, que o colocou num panteão junto dos ingleses Alan Moore e Neil Gaiman como os melhores escritores da nona arte. Basta lembrar que uma de minhas primeiras matérias aqui no DELFOS foi um tremendões sobre ele.

E justamente por estar vivendo este ocaso de sua carreira, nada melhor do que voltar para trás e olhar para seus primeiros trabalhos. A republicação de Ronin no Brasil, aquele que pode ser considerado seu primeiro trabalho autoral, serve justamente para mostrar a qualidade que Miller possuía em outros tempos.

Ronin é uma mistureba danada, fundindo o Japão feudal e samurais com ficção científica distópica numa Nova Iorque futurista e rumo a um desastre ambiental. Também é uma mistura de estilos, onde Miller, além das HQs estadunidenses, acrescenta influências de mangá, algo até então inédito para a época nos quadrinhos estadunidenses, e também de gibis europeus.

A ideia veio de sua passagem pela revista do Demolidor, quando começou a inserir elementos japoneses, como os ninjas do Tentáculo e, claro, Elektra. Isso o inspirou a continuar suas pesquisas a respeito destes elementos e a fazer um trabalho que mesclasse ainda mais estas influências orientais.

E não é que, por mais confuso que isso tudo possa parecer num primeiro momento, a coisa dá liga, faz sentido, e acaba sendo muito divertida? O que mais me surpreendeu na verdade é a sensação de que ela não se leva a sério em nenhum momento. E mesmo tendo a importância de ser uma das primeiras graphic novels lançada por uma grande editora dos EUA (originalmente em seis edições), em nenhum momento ela passa um ar de grande importância, sendo totalmente despretensiosa.

Na trama, um samurai batalha contra um demônio. Este mata o mestre do guerreiro japonês, transformando-o num ronin, um samurai sem mestre, que deve matar o demônio para assim recuperar sua honra. Ambos acabam morrendo em combate, mas a coisa não acaba aí. Na verdade, ela fica mais esquisita quando ambos ressuscitam graças aos poderes de uma espada mágica na Nova Iorque do futuro e retomam sua antiga rivalidade neste novo cenário, que envolve um supercomputador vivo e a chefe de segurança da corporação que abriga tal computador, incumbida de capturar o ronin.

Tudo isso lembra uma trama de filme B. E dos bons. A grande sacada do escritor é justamente ter plena consciência de que a história é completamente estapafúrdia, tanto que ele insere isso direto na narrativa e em vários momentos os próprios personagens da história têm dificuldade para aceitar que tudo aquilo está mesmo acontecendo.

No entanto, apesar do fator diversão da história, há alguns probleminhas nela. Há uma grande virada que, embora faça sentido, entra muito tarde no desenrolar dos fatos e sem deixar muitas pistas anteriores de que poderia vir a acontecer. E como diabos Casey, a chefe de segurança incumbida de ir atrás do Ronin, fica tão boa com uma espada tão rápido? Isso não é respondido.

Quanto à arte, este talvez seja um dos melhores trabalhos de Miller. Eu não gosto do traço mais autoral dele, mais duro e rústico, que ele foi refinando ao longo dos anos. Embora funcione muito bem em Sin City, por exemplo, em coisas como O Cavaleiro das Trevas 2 em diante é simplesmente tosco.

Aqui ele ainda tinha aquele traço mais comum, genérico mesmo, que ele usava em Demolidor, porém, com o acréscimo das influências do mangá, como linhas que sugerem movimento e velocidade e uma arte final mais caprichada, embora também já dê para vislumbrar um pouco do estilo mais caricato que ele viria a adotar no futuro.

Ronin demonstra a força autoral de Miller, que ele empregaria em trabalhos futuros, como O Cavaleiro das Trevas, Os 300 de Esparta e Sin City, para ficar apenas em alguns exemplos, e mostra toda sua criatividade e porque, mesmo em baixa, ele ainda é um dos nomes mais importantes da indústria. Uma leitura mais do que recomendada para todos que gostam não só do autor, mas de uma boa HQ.

CURIOSIDADE:

Ronin foi publicada diversas vezes no Brasil. A editora Abril a lançou aqui em 1988 como minissérie em seis edições e no mesmo ano também em um encadernado e a republicou entre 1991 e 1992 novamente como minissérie em seis números. A Opera Graphica a publicou em 2003 em três edições e em 2005 como encadernado e a Panini a relançou em 2016 como encadernado de luxo em capa dura e com material extra, versão analisada nesta resenha.

REVER GERAL
nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
roninTítulo original: Ronin<br> País de origem: EUA<br> Ano: 1983/84 (EUA) / 2016 (Brasil)<br> Autor: Frank Miller (roteiro e arte)<br> Editora: Panini<br> Número de Páginas: 340