Eu gosto muito da Rocksteady, e provavelmente você também. Os fãs dela se devem quase exclusivamente aos três games do Batman: Arkham Asylum, Arkham City e Arkham Knight. São obras maravilhosas, que mostraram que games de super-heróis licenciados também podiam ser excelentes, em uma época em que isso não era comum. Depois do sucesso da trilogia Arkham, geral estava esperando que eles fizessem um jogo do Superman. Anos se passaram com esta esperança, até que finalmente foi divulgado que o próximo jogo da empresa seria Suicide Squad: Kill the Justice League. Hein? Pois é, e deixar o banho de água fria ainda mais gelado, o jogo em questão seria um live service, seguindo a mais disputada e elusiva galinha dos ovos de ouro da indústria dos games.
ROCKSTEADY E AS “MALDADES” ANTERIORES
Muitos colocaram a “culpa” na editora Warner, parte de um conglomerado que possui a Rocksteady, a DC e mais um monte de empresas, como a Time, AOL, HBO, etc. Porém, é importante lembrar que a Rocksteady não é inocente na decisão. A editora pode ter incentivado, mas eles resolveram trabalhar no jogo que agora temos em mãos. E não é o primeiro caso da Rocksteady estar envolvida em terríveis práticas da indústria de games.
Talvez você não se lembre, mas é algo que nunca devemos esquecer: Arkham City foi o primeiro jogo em disco a vir sem um manual físico. Um teste que se tornou regra a partir dali. Além disso, parte da campanha single player do jogo só podia ser acessada com um código de uso único que vinha na caixa. Ou seja, se você vendesse o disco, o comprador teria acesso a parte da campanha, mas não a ela inteira.
Arkham Knight também tentou fazer os jogos de serviço pegarem no tranco. O final da sua história e o chefe final só podiam ser assistidos por quem literalmente limpasse o mapa, ou seja, pegando todos os colecionáveis. É uma tática que a Warner depois evoluiu para vender microtransações de economia de tempo em Sombras da Guerra. Foi quase como se o final fosse vendido em lootboxes, já que ninguém que preze pelo seu tempo jogaria aquele capítulo final. Então a Rocksteady tem muito talento, sem dúvida, mas é errado pensar que eles são os artistas criativos que têm sua criatividade podada pela editora tirânica. Tendo isso em mente, vamos falar de Suicide Squad Kill the Justice League.
REVIEW SUICIDE SQUAD KILL THE JUSTICE LEAGUE
Suicide Squad Kill the Justice League é um looter shooter de serviço em terceira pessoa. É do estilo PVE, ou seja, os jogadores se juntam em times de quatro e embarcam em missões repetitivas que normalmente envolvem ir até um ponto do mapa e matar geral.
Curiosamente, a narrativa é um ponto realmente forte por aqui. A Rocksteady é boa de roteiro e de técnicas narrativas. Isso faz com que as cutscenes sejam lindas, extremamente bem animadas e atuadas, e que a história seja genuinamente engraçada. O fato de Suicide Squad Kill The Justice League ser uma comédia também nos permite ver um lado da Rocksteady que não estava presente nos games do Batman. E não me refiro apenas às piadas, mas coisas como uso de cores e de cenários. A Metropolis que temos aqui não é gótica como Gotham, claro, mas é uma cidade que parece muito agradável e colorida, com estátuas gigantes da Liga da Justiça espalhadas por seu – felizmente – pequeno mapa.
ESQUADRÃO SUICIDA: MATE A LIGA DA JUSTIÇA
O conceito de jogar com vilões que devem matar a Liga da Justiça é muito forte. Para começar, parece um sonho de desenvolvedora ter em um único jogo combates contra chefes como Batman e Superman. Mas a forma que tudo foi escrito deixa ainda mais especial. É claro o tempo todo o quanto a Liga da Justiça foi importante para a cidade. E, quando o jogo começa, o Flash e a Mulher Maravilha ainda são do bem e têm esperanças de salvar os amigos. É por isso que a Amanda Waller (Debra Wilson, a Cere Junda de Star Wars Jedi) precisa apelar para os vilões. Os heróis são honrados demais para fazer o que precisa ser feito: matar a Liga da Justiça.
O game também claramente continua a narrativa da trilogia Arkham. Tudo que aconteceu lá aconteceu aqui. Muitos personagens retornam, inclusive com os mesmos atores, e até mesmo uma galera secundária de quem talvez você nem se lembre. O lado negativo é que, para ter o Batman no jogo, precisaram meio que eliminar o final de Arkham Knight, aquele mesmo que poucas pessoas foram capazes de ver sem apelar para o VocêTubo.
O PROBLEMA DO DCU
As cutscenes são lindas. Muito bem-feitas e atuadas. Porém, Suicide Squad Kill the Justice League não escapa da mesma armadilha que prejudicou Marvel’s Avengers – e esta nada tem a ver com o ardil do live service. Refiro-me ao fato de que a “empresa mãe” claramente quer ligar a coisa com o universo cinematográfico, mas não quer pagar pela licença do rosto dos atores. Então temos aqui uma Mulher-Maravilha que “meio que parece” a Gal Gadot, uma Arlequina semelhante à Margot Robbie, mas legalmente diferente, e um Flash que lembra o formato de rosto e a personalidade do Ezra Miller. Isso faz com que os designs, por melhores que sejam, pareçam imitações dos filmes. Não por acaso, o herói mais bacana visualmente é o Batman, que mantém o visual dos games Arkham.
Suicide Squad Kill the Justice League tem muitas qualidades. Tem muita coisa aqui além da narrativa que faz pensar “puxa, se a Rocksteady tivesse usado este talento e este dinheiro para fazer um jogo de verdade”… Vamos falar sobre isso.
O GAMEPLAY DE KILL THE JUSTICE LEAGUE
Para começar, o gunplay é surpreendentemente gostoso. Nem sei dizer porque isso me surpreendeu, já que Destiny e Anthem também são muito bons neste aspecto. Meio que não dá nem para ter ambições de live service sem isso. Ainda assim, a primeira vez que eu apontei minha arma e atirei, senti a vibração do controle, a resistência do gatilho, e vi os números subindo, admito que dei um sorriso. Foi muito melhor do que esperava e, embora usar escopetas, snipers e rifle de assalto seja bem menos especial do que o combate corpo a corpo de Arkham, esta gostosura carrega Suicide Squad nas costas.
Os quatro personagens jogáveis são Boomerang, Harley Quinn, King Shark e Deadshot. Cada um deles pode equipar três tipos de arma, mas um sniper, por exemplo, se comporta da mesma forma com Boomerang e Deadshot, os dois que podem usá-lo. A diferenciação entre as classes está na movimentação, e nisso, para mim, o Deadshot e seu jetpack foram de longe os mais legais de usar.
A MOVIMENTAÇÃO SUICIDA
Como o Deadshot é o único que voa, ele é também o único capaz de acertar os inimigos de ângulos mais diferentes. Não dá para negar que jogar com ele remete bastante a Anthem. O King Shark, por exemplo, dá pulos enormes, como o Hulk, mas pulo é aquela coisa: depois de subir, você sempre desce. Com o Deadshot dá para ficar voando acima dos NPCs e matá-los dali.
A única outra que pode fazer algo parecido é a Arlequina. Ela pode se pendurar em um drone, e atirar enquanto está pendurada, o que é bem bacana. Porém, a travessia dela é horrível. A Rocksteady estava com a faca e o queijo na mão para fazer uma versão do Homem-Aranha, mas escolheram colocar um cooldown entre cada “teia” dela, o que torna a movimentação com a palhacinha um suplício. No combate, ela é bacana, mas para ir de um canto a outro, é muito mais chata do que todos os outros.
TALENTO DA ROCKSTEADY
O talento enorme da Rocksteady também é demonstrado em várias outras áreas, inclusive de qualidade de vida. Você pode, por exemplo, escolher qualquer capítulo da história e voltar a ele com o mesmo personagem avançado. Isso deixa fácil e gostoso reviver a história, que é de longe o melhor do jogo, e é algo que Destiny, Anthem e os Vingadores não permitiam. Neles, passou pela história, você nunca mais voltava.
Infelizmente, a Rocksteady ainda deixa a dever em um aspecto considerável: as batalhas contra os chefes, algo que nunca foi um ponto forte da desenvolvedora. Isso já era algo decepcionante na série Arkham, mas aqui considerando que os chefes são a Liga da Justiça, a coisa deveria ser muito mais legal. Nenhum dos chefes se salva, é simplesmente um pior que o outro. O Batman tem vida demais, outros são difíceis de acertar, ou mesmo de enxergar. E o Brainiac, veja só, é uma reprise exatamente igual de um dos heróis que você venceu antes. A história e todo o contexto que faz as lutas acontecerem é muito legal, mas as lutas em si são um suplício de jogar.
O CORAÇÃO DO LIVE SERVICE: AS ATIVIDADES
Pela cara da Arlequina aí em cima você já deve adivinhar. Os tiroteios são realmente gostosos, mas os tipos de missão… vixe. Não tem absolutamente nenhum sopro de criatividade aqui. A variação é extremamente pequena, e todos os tipos de missão você já viu antes – e provavelmente odeia. São coisas como escoltar um carro até ele chegar no final do trajeto, proteger uma área de ondas inimigas ou coisas igualmente tradicionais e comuns em jogos online.
Isso deixa ainda mais triste quando realmente temos algo bacana, como a primeira aparição do Batman, ainda no início da campanha. Neste pedaço, o Batman faz com você o que você fazia com os bandidos nos jogos Arkham. Ele apaga as luzes, usa armadilhas, faz barulhos e causa medo. Como ainda é uma fase de live service, não chega a ser nem perto de qualquer grande momento de Arkham ou nem mesmo tão bom quanto deveria ser. Mas a ideia é boa e, comparado com o resto que temos aqui, podemos apenas lamentar pela Rocksteady ter decidido seguir este gênero ao termos um gostinho do que poderia ter sido.
A NARRATIVA LIVE SERVICE: DEPOIS DE MATAR A LIGA DA JUSTIÇA
Eu falei bem da narrativa, e ela realmente foi o que me manteve jogando. A história não é nada demais, mas os personagens são bons e o roteiro é cheio de boas piadas. Porém, se a coisa começa bacana, o roteiro é justamente o responsável para você ficar com um gosto azedo ao terminar o jogo. Afinal, este é um live service, um jogo que quer se tornar seu segundo emprego. A história não pode acabar. Mas uma vez que você mata a Liga da Justiça, o que dá para fazer?
Pois é. Este é o momento de ir até o Brainiac, mas é também o momento em que o jogo começa a depositar suas vis sementes narrativas de live service. Logo alguém fala que não basta matar o Brainiac uma vez, mas que você precisa continuar matando o desgraçado. O King Shark, que aqui tem a personalidade do Drax de Guardiões da Galáxia, fala “batalha eterna, sensacional”. Mas eu só ficava ouvindo aquilo com cara feia e falando “sensacional? Não, que porcaria!”. Os créditos sobem depois que você vence o Brainiac pela primeira vez, mas o que o jogo oferece depois disso é simplesmente ficar repetindo o último capítulo.
KILL THE JUSTICE LEAGUE: JOGOS DE SERVIÇO SERVEM A QUEM?
Este último capítulo envolve fazer missões repetitivas para ganhar dinheiro e então pagar para encarar o Brainiac mais uma vez, agora em dificuldade mais alta. Parece interessante? Pois é, também não pareceu para mim. Mas eu DEFINITIVAMENTE não sou o público para um live service.
Então Suicide Squad Kill the Justice League tem boas cutscenes, que podem ser assistidas no Tubão. E bons tiroteios sem ter as fases e missões necessárias para você ter vontade de brincar de bangue-bangue. É, sinceramente, muito pouco. Nao digo que o jogo me decepcionou porque eu não esperava nada dele. Na verdade, a qualidade das cutscenes e do tiroteio até me surpreenderam positivamente. Mas todo o resto é exatamente o que eu esperava, sem absolutamente nenhuma alma ou criatividade. Um jogo sem valor criativo, feito apenas para ganhar dinheiro, mas que tudo indica que vai custar mais do que arrecadar.
É um jogo que precisa de muita gente jogando por muito tempo para funcionar, mas prevejo que será desligado assim que falhar. Considerando que no lançamento ele já teve menos jogadores do que Marvel’s Avengers, o futuro não é promissor. Kill the Justice League é o novo e muito esperado jogo de uma desenvolvedora que todo mundo ama. Mas é um jogo que ninguém queria, e de um tipo que todo mundo já está de saco cheio de ver saindo – e falhando, e sendo desligado sem devolver o dinheiro para quem comprou. Só espero que seu fracasso não leve a Rocksteady junto, o que, convenhamos, parece bem provável neste momento.
